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Palavras Obscuras - 1x10 - Assassino à Moda Antiga


Sinopse: Luana, cúmplice do namorado Raul, psicopata, perverso e narcisista, se vê às voltas como cúmplice, ocultando seus crimes. Sendo esse o terceiro episódio do seu amado, Luana não sabe que atitude tomar diante dos recorrentes episódios de violência que Raul se envolve. Ela conta com um acompanhamento da psicanalista Leticia, mas surpreendentemente o destino a coloco em frente a inspetora de polícia Betina, logo após o último crime de Raul.



Assassino à Moda Antiga
de Gabrielle Mastella de Oliveira

 

Naquela manhã acordou com uma agonia, sentia muita falta de ar, podia ser que um novo ataque de pânico estava próximo, desde seu último episódio procurou aumentar em mais um turno suas sessões com Letícia. Ofegante e bastante suada, Luana levantou bruscamente e saiu correndo em direção ao banheiro, à náusea fora tão forte que parecia ser vômito, mas não. Sentou-se sobre a privada e começou a respirar, prontamente o bip do celular anunciava que deveria despertar-se, já não sabia o motivo de ajustar o time, uma vez que não mais havia conseguido dormir sossegada. Encontrar aquelas coisas estranhas, desconexas escritas naquele diário de Raul, tornou sua vida mais difícil, nunca imaginou que aquelas poucas páginas mudariam sua vida.

Sem muito desligar-se, entrou para o banho, precisava estar despertar, estar ativa para poder atender seus pacientes com a mesma dedicação, carinho e competência de sempre, além de almoçar com uma amiga, recém-separada, precisava estar para os outros, não mais desejava pensar naquelas páginas, aquela leitura havia mudado a sua vida. Talvez se não tivesse procurado tanto por uma possível amante estivesse a salvo de descobrir aquele segredo. Agora o que precisava era uma forma discreta de levar a vida, sabendo da verdade. Não imaginava o quanto tudo aquilo poderia desconcertar as coisas, tinha a relação perfeito e em apenas alguns meses estaria casada com seu grande amor, como poderia desistir de tudo apenas por algumas páginas rabiscadas e talvez fruto de alguma fantasia, afinal Raul era conhecido por escrever muito bem e ser um exímio contador de histórias, poderiam aquelas páginas serem frutos de algumas taças a mais de vinho e muita criação, quem sabe?! Assim preferia comprazer seu íntimo acreditando apenas na sua verdade.

Dessa forma saiu rumo ao trabalho. Aguardava ansiosa a chegada da sua carona, quando percebeu que uma chama insistente, um número desconhecido, resolveu atender. Naquele instante suas pernas ficaram trêmulas, era a secretária de Raul pedindo sobre seu paradeiro, fazia uma semana que ele não aparecia no fórum. Um tanto constrangida, Luana respondeu que a princípio estava tudo bem e que Raul esteve com fortes dores de cabeça e acometido da crise de pânico costumeira, aquela que no impossibilitava de sair, algumas crises se estendiam por mais de quinze dias, mas com as sessões de terapia e os medicamentos, rapidamente eram controladas e dessa forma ele retomava as atividades forenses como se nada tivesse acontecido, sempre fora assim. A secretária, mais tranquila, encerrou a chamada telefônica pedindo que Luana avisasse Raul que algumas autoridades policiais compareceram no Fórum com um mandado, solicitaram o depoimento do magistrado para fins de esclarecimento pelo desaparecimento de uma jovem. Mais uma daquelas situações que Raul costumava arranjar para si depois de suas noites de orgias, era sempre a mesma dinâmica.

Estava tão acostumado a Raul , que nem ao menos tentava discutir sobre os detalhes daquele tipo de diversão que mais parecia pertencer a outro homem, não ao seu Raul, um homem delicado, empático e amável. Aquelas coisas todas pareciam não estar relacionada ao homem que ele havia escolhido para compartilhar sua vida, ou pelo menos ela tinha um homem com personalidade duplicadas, algo que sua psicanalista insistia em explicar, discorria sobre o fato, mas Luana decidida que poderia modificar algo preferia mentir para si mesma, mas as coisas parecia haver saído do controle, o noticiário anunciava um novo desaparecimento e Raul, há uma semana longe do fórum, tudo corroborava para a veracidade do que ela havia encontrado escrito naquele diário medonho, nefasto, que ela carregava de um lado para o outro, temendo que outro alguém encontrasse e fizesse com que ela admitisse que houvesse compartilhava sua vida com um assassino, frio e calculista, um homem narcisista que para satisfazer seus desejos mais medonhos, fazia qualquer coisa, até mesmo envolvê-la como cúmplice.

Nervosa, desligou o telefone e rapidamente pensou em busca por Raul em algum bordel do centro da cidade, ela conhecia quase todos os paradeiros do amado, agora era encarar aquela tarefa medonha e empreender suas buscas pelos guetos medonhos do centro da capital Porto-alegrense, temia que ele já estivesse morto, com a polícia ele não estaria senão já havia recebido a chamada, o que ele havia aprontado desta vez? O uber encostou e ela adentrou, deu uma direção, bastante afastada do centro, como o motorista do aplicativo aceitou sem questionar, nem bem se acomodou no banco traseiro, puxou o telefone e começou a verificar se havia algum sinal de Raul. Apenas os familiares preocupados e a secretária, Letícia, sua psicanalista, confirmando a consulto para o próximo dia e mais nada. O Uber seguiu, saindo aos poucos do centro em direção à zona sul, o endereço era num local no Belém Velho, quase sem placas de sinalização. Luana não temia mais nada, principalmente depois que iniciou sua relação com Raul, o segredo era encontrá-lo com vida e tentar amenizar as coisas, fossem elas quais fossem. O uber estava quase na frente de um sítio e assim o motorista, por ser um lugar ermo preocupou-se em deixar Luana, só, mas essa nem bem confirmou a numeração, saltou do carro, agradeceu com muita educação e abriu a porteira, o carro afastou-se devagar, talvez na esperança que aquela bela moça tomasse juízo, ou parasse de ter prazer com aquele estranho jogo perigoso, talvez.

Caminhando naquele pátio mal cuidado foi se aproximando da casa, em seguida pode perceber a figura de Raul na varanda. Desleixado, com roupas esportivas, sujas, cabelos desgrenhados e barba por fazer, nem bem se aproximaram ela pode sentir forte cheiro de álcool e de cigarro, possivelmente estava naquelas semanas que passava bebendo, fumando e se entorpecendo de drogas, quase sempre acompanhado de prostitutas, dessa vez parecia não contar com nenhuma companhia feminina e o que mais parecia estranho para Luana, era que nenhum de seus parceiros de festa estava por ali. Reconheceu a figura de Luana, mas quase que seu estado catatônico não demonstrou qualquer sinal de afeição ou simpatia, como se estivesse no automático pediu que ele ingressasse no interior da casa, balbuciando poucas palavras, apenas sinalizando com as mãos. Ao ingressar, Luana sentiu forte cheiro de urina e fezes, algumas garrafas de bebida espalhadas e muito lixo pelo chão, sobras de comida por todos os lados e ele pediu que ela fosse acompanhada. A Casa era grande, parecia haver sido habitada em algum momento, os móveis eram de muito bom gosto, acompanhando uma arquitetura requintada típica dos anos 60, mas já há algum tempo desabitada. Caminharam por um salão largo e rapidamente ingressaram num corredor escuro, passado isso seguiu para os fundos, onde estava uma casa que parecia estar destinada aos prestadores de serviço do local, dois quartos, um banheiro e uma das portas trancada com um cadeado. Raul, parecendo embriagado, tomou uma chave de um dos bolsos da bermuda e abriu, quando a porta foi cedendo, um forte cheiro entrou pelas narinas de Luana e a visão era algo aterrorizador, no fundo da sala jazia o corpo de uma jovem moça, desfigurada de sangue e já contando com alguns dias de decomposição, os restos da roupa brilhosa espalhadas pelo chão contrastavam com as marcas de sangue por todo o lado, a visão era medonha e Raul, parecia estar acostumado a tudo aquilo, precisava era livrar-se do corpo e sair dali direto para a clínica de reabilitação, para desintoxicar, mas antes precisavam encontrar o local ideal para ocultar o cadáver.

Luana, que das primeiras duas vezes havia se compadecido e acreditava na recuperação do amado, naquele instante já não sabia mais que atitude tomar, precisava raciocinar rápido e livrar-se daquela ceda, depois veria a melhor solução. Aproximou-se do corpo, o odor era forte, teve fortes náuseas, mas se conteve, precisava ser rápida, tirou a moça, com grande desenvoltura, enquanto o cambaleante Raul, tomava os últimos goles da garrafa de uísque, atirada no chão e começava a limpeza do local, forma horas organizando tudo, aquilo e levaram o corpo para a mata, onde já havia um buraco semiaberto e ali jogaram o corpo, ao redor, duas roseiras pareciam vivas, Luana olhou com certo sentimento, tratava-se de outros dois episódios violentos de Raul, mas a polícia nunca investigou, pois eram prostitutas e ninguém apareceu reclamando os corpos.

Saíram do matagal e rapidamente Luana chamou um uber, colocou o cambaleante Raul no banco traseiro e rumaram para a clínica Pinel, lá na entrada, já imobilizado na maca, Raul não discernia a realidade das coisas e Luana assinava o prontuário enquanto responsável, mais um episódio de surto do seu futuro marido, dessa vez nada grave, a mesma coisa de sempre, orgias, bebidas e drogas, nada demais. No seu retomou para casa lembrou que no outro dia teria sua consulta com Letícia e precisava ensaiar bem a narrativa, para não ser surpreendida como cúmplice de três assassinatos, procurou nos noticiários algo relacionado pelo desaparecimento, m, mas lembrou de que já haviam se passado quinze dias e que nada de novo aconteceria, mais um desaparecimento sem solução, aliás, a solução era apenas uma, manter Raul longe da sociedade, mas isso era um detalhe apenas do conhecimento de Luana e ninguém mais. A psicanalista Letícia, a quem ela confidenciou as narrativas envolvendo Raul e seus crimes, sempre em tons ficcionais ou que ouviu alguém comentando, dava-lhe dicas precisas de como não se envolver mais e sempre deixava claro que era uma cúmplice e que esse fato fazia com que seu débito com a justiça e a sociedade crescesse cada dia.

Sentia alguma culpa por tudo aquilo, mas nada que pudesse fazê-la modificar a realidade. Chegando ao apartamento avisou a secretária de Raul de que este estaria indisponível por uns três meses, nada além do que sempre acontecia. Na consulta com Leticia tentou transparecer suposta tranquilidade, durante a conversa notou que Letícia parecia atenta nos detalhes de sua roupa e outras coisas que antes pareciam insignificantes, como sua marca de bolsa e seu cabelo bem alinhado, enfim achou um tanto curioso, mas os psicanalistas eram assim mesmo, um tanto estranhos e numa havia sido interpelada por ela com semelhantes detalhes, curiosos, mas anda alarmante. Saiu do consultório, queria chegar em casa, tomar um calmante e tentar dormir o mais rápido possível, sabia que Raul estava seguro na clínica e que principalmente, seu segredo seguia em segurança com ela.

Ainda pensativa sobre as tantas perguntas da psicanalista sobre sua indumentária e outras coisas e sobre a data do casamento, foi se trocar. Sentou-se na poltrona e quando olhou para o chão, tomou-se de horror e surpresa, estava ela vestindo as mesmas botas que esteve no sítio, chuvas de barro e com alguns pingos de sangue. Apavorada, não havia trocado o sapato, eis que caminhou pela clínica psiquiátrica e depois foi a consultório da psicanalista com as mesmas botas. Precisava livrar-se daquelas botas. Rapidamente, colocou o par de botas num saco de lixo preto e na manhã seguinte, ao dirigir-se para sua aula de Yoga, passou pelo parque da Redenção, fingindo parar para uma caminhada matinal, estacionou o carro e caminhando até o container mais próximo arremessou a bolsa preta contendo as botas e seguiu sua caminhada. Os noticiários policiais anunciavam novo desaparecimento de prostituta depois de orgia, nada demais para a rotina violenta de uma capital, ao ouvir a notícia, Luana desligou o rádio e adentrou na sua aula de Yoga, tranquila e serena. Letícia, enquanto organizava as anotações dos pacientes do dia anterior. Recordava a sujeira das botas de Luana e aquelas gotas vermelhas na ponta parecendo sangue, algo nada comum para uma paciente tão organizada. Raul seguia na desintoxicação, o casamento fora transferido para o final do ano. Tudo seguia normal, exceto a inspetora de polícia, Betina, que não tirava da memória as botas sujas da paciente anterior a ela, que havia saído da sala da psicanalista um tanto agitada no dia anterior, coisa estranha uma moça tão organizada estar com as botas tão embarradas àquela hora, mas coisas estranhas são comuns no dia-a-dia. 




Conto escrito por
Gabrielle Mastella de Oliveira

Produção Four Elements
Marcos Vinícius da Silva
Melqui Rodrigues
Hugo Martins
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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© 2021 - webtvplay
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Proibida a cópia ou a reprodução


Palavras Obscuras - 1x09 - A Morte usa Tacão


Sinopse: Cidades grandes, vilas pequenas...em qualquer destes lugares existe a imoralidade do ser humano. Disposta a dar um fim nesta indecência, uma mulher decide vagar de cidade em cidade, de vilarejo em vilarejo estudando e matando homens que carregam em si o DNA do despudor. Uma história que promete mexer com você e mostrar que a indecência merece ser combatida de alguma maneira, nem que seja da forma mais cruel que exista.



A Morte usa Tacão
de Filipe Fernandes

 

Capítulo 1

Abri a porta do carro, sentei-me, acendi um cigarro e senti o fumo a passar-me da garganta aos pulmões, retive-o um pouco e soltei-o embaçando o vidro à minha frente. Meti a chave na ignição, rodei-a, liguei-o e calquei no pedal do acelerador ouvindo instantaneamente o rugido do BMW Z4, e sentindo o cheiro de combustível a ser queimado pelo potente motor. Voltei a levar o cigarro à boca e à medida que inalava mais um pouco de fumo via como a ponta do cigarro ficava incandescente.

Pretendo lembrar-me de qualquer coisa, ainda não sei bem o quê!

Eram 03:38 da madrugada. Acendi as luzes, levantei a cabeça e vi o corpo sem vida deitado no chão.

Devia estar em pânico, mas não, nem sequer sentia medo, vergonha, pudor ou qualquer outro sentimento de culpa por ver aquele corpo ensanguentado mesmo à minha frente. Aquele homem, que ainda há poucas horas me pagara Gins e dado conversa a noite toda, na tentativa de me levar até ao cais para que ambos déssemos rédea solta ao desejo, que só ele sentia.

Engrenei a marcha-atrás, calquei lentamente no acelerador e à medida que me ia afastando o corpo deixou de ter tons vermelhos, passando a vermelho escuro e a ser completamente negro até ser só um ponto e acabando por fim a não se distinguir do resto da paisagem.

O meu querer tinha-se realizado, tinha-o seduzido, fazendo-me de ingénua e rindo de forma espalhafatosa de grande parte das piadas pouco inteligentes e até ofensivas que ele me contara, entre copos e fumo de cigarros, sobre a relação amorosa que o patrão tinha com a secretária. Não era coisa que me interessasse, as fugas do patrão com a tal Beatriz para a casa de banho do escritório, mas ouvi-o fazendo-me de interessada até tê-lo na palma da minha mão.

Eu sabia que por volta da meia-noite e meia o playboy endinheirado aparece ao bar com os dois nabos dos mesmos amigos de sempre, sobre os quais se sente superior por ser bem parecido e principalmente por vir de uma família rica, nunca trabalhou de verdade, o papá arranjou-lhe emprego na empresa de um amigo de longa data, quando deixou a faculdade onde andou cinco anos e nunca passou do segundo ano, tendo mesmo cadeiras do primeiro por acabar.

O barrigudo cinquentão, que se vestia como se tivesse vinte anos e andava sempre com olhar lascivo para miúdas que bem podiam ser filhas dele, nunca tinha casado, saltitando sempre de miúda em miúda até que a barriga lhe cresceu tanto que deixou de ser atrativo, e nunca mais andou com ninguém, mesmo tendo lábia de vendedor de banha da cobra, lábia essa que lhe permitia estar em constante bullying com o outro, o franzino dos óculos de fato cinzento já desgastado nas coxas e nos cotovelos que não olhava para ninguém para além da empregada do bar pela qual era apaixonado desde o tempo da secundária.

A Eugénia, uma senhora dos seus quarenta e muitos anos, que vestia sempre calças justas e tops apertados, exibindo um belo corpo com ancas estreitas por nunca ter tido filhos, e com a qual o franzino nunca tinha tido sequer coragem de lhe dizer o que sentia, pois sabia que ela era praticamente propriedade do playboy.

Propriedade de tal forma que os rumores que se ouviam pela vila eram de que ele já lhe tinha pago um aborto, mas na realidade tinham sido já dois, e mesmo assim ela continuava a derreter-se por ele sempre que ele abria a boca.

O playboy endinheirado tinha uma cara bonita com a queixada predominantemente quadrada, na qual exibia sempre uma barba de três dias com tons afogueados, embora os seus cabelos fossem pretos, era o mais alto dos três, pouco mais alto que eu, corpo robusto de quem frequenta ginásio. E com uma adoração tal por si próprio, que me levava a pensar que se masturbava à conta da sua última masturbação.

O mesmo corpo que vejo agora vazio à minha frente.

Capítulo 2

Um bando de gente dançava entre a minha mesa e a ponta do balcão onde o playboy estava, bastou-me olhar para ele discretamente duas vezes para ele vir ter comigo e deixá-lo galar-me, os homens gostam de atenção, que lhe toquemos enquanto nós rimos das piadas fúteis que dizem tentando

ser engraçados. Gostam de pequenos e leves roces entre as minhas mãos e as deles e principalmente que lhes pouse a mão na perna enquanto os fixo nos olhos e faço carinha de fácil e atrevida.

A sedução não é difícil para mim, já que tenho um metro e setenta e só uso tacões de agulha nunca abaixo dos 13 centímetros, que me fazem levantar os músculos das pernas e consequentemente o rabo, que eles adoram, com o cabelo longo e castanho escuro por vezes trançado, mas sempre puxado a descair para a frente do ombro esquerdo.

Depois é só usar uma camisola de alças com renda na zona do peito, uma saia curta, justa e meias de ligas, embora eles poucas vezes tenham tempo de ver as ligas.

E assim seduzido mas pensando estar a seduzir, lá me convidam para sair com eles.


- O ambiente aqui está morto, queres sair? Ir dar uma volta, deixar-nos levar pela nossa atração e o que tiver de acontecer…

Acontece!


- Eu não costumo fazer isto! - Digo lhe com ar de uma certa vergonha


- Eu gostava de continuar, de te conhecer melhor!


E vais me dizer que não te apetece continuar a noite comigo?

Quando digo que sim, vejo na cara deles um sorriso de felicidade e adivinho o que vai naquela cabeça:


"Ah! É hoje que vou comê-la!"

Levantamo-nos da mesa do bar, deixando para trás dois copos de Gin a meio beber. Ele colocou o braço direito a volta da minha cintura, e enquanto percorremos o bar até a porta começa a soar pelas colunas, uma das minhas músicas preferidas:

Oh you gonna take me home tonight

Oh down beside that red fire light

Oh you gonna let it all hang out

Fat-bottomed girls you make the rocking world go round

I was just a skinny lad

Never knew no good from bad

But i knew love before…

E à medida que saímos deixamos de ouvir a música.

- Tenho o carro ali - apontando para a nossa esquerda - é aquele BMW azul.


Abriu-me a porta do carro, devia querer mesmo comer-me porque eu sabia que não era cavalheiro nenhum, assim como eu não sou boa pessoa, por detrás daquele ar de menino de papá bem comportado, escondia-se um ser repugnante capaz de se aproveitar de qualquer fraqueza humana para seu próprio proveito e regozijo, a tal ponto de seduzir a madrasta durante meses, para no dia em que tiveram relações gravar tudo em vídeo e acabar por mostrar o filme ao próprio papá, que se divorciou da pobre senhora deixando-a sem nada. E ainda publicou o vídeo na net deixando-a possuída por uma vergonha imensurável, visto morar numa vila relativamente pequena.

Já com o carro em andamento pousou a mão na minha perna, entre o joelho e a coxa, soltou a outra mão do volante e tocou-se entre as pernas como se ajeitando o membro.


- Queres ouvir alguma música em especial? Alguma banda? Tenho Spotify no telemóvel e posso conectá-lo ao rádio do carro.


- Não, nada em especial, escolhe tu, surpreende-me!


Tirou a mão da minha perna pegou no telemóvel e em segundos estávamos a ouvir “Kiss From A Rose” do Seal.

Romântico - pensei - Queres mesmo comer-me, mas hoje a Rose vai-te cravar um espinho e fazer-te sangrar até ficares seco.

Seguimos devagar pela estrada mal iluminada, viramos na rotunda para a silenciosa urbanização onde apenas se ouvia o som do poderoso BMW em baixa rotação, passamos por um jardim com relva, onde apenas se ouviam aspersores, compassados pelos risos de adolescentes, vestidos com calças largas e casacos com capuz fumavam erva acompanhada de uma mistura de alcóolica de whisky com coca-cola, bebida diretamente pelo gargalo da garrafa.

Seguimos até pararmos no semáforo que permitia virar para o cais, ele cantava:


Baby, i compare you to a kiss from a rose on the gray

Ooh, the more i get of you, the stranger it feels, yeah!”


Sempre com a mão na minha perna apertando e afrouxando ao sabor da música, aquele mexer na minha perna causava-me calma, dava-me a certeza do que o escolhera bem.

Dois anos à espera, um deles a estudá-lo para ver se era digno da noite de me conhecer.

Entramos no cais e parou o BMW que tanto amava, quase tanto como a si próprio! Rodou a chave e o motor calou-se.

Eu entretanto já tinha tirado da bolsa o espinho com que ia sangra-lo, uma caneta Parker de tinta permanente toda prateada, comprada especialmente para o Playboy.

Capítulo 3

Acabamos por chegar ao cais onde ele, mal tirou o cinto agarrou-me e beijou, lambendo-me a boca e parte da bochecha e queixo, eu deixei-me levar por aquelas mãos a percorrer-me as mamas e as pernas.

Os homens são todos obcecados por mamas e pernas!

E com todo aquele amasso senti-me mais segura do que tinha a fazer.

E disse-lhe:

- Quero ser possuída lá fora. Em cima do capô do teu carro.

Aquilo na cabeça dele era como uma proposta para fazer um trio. Parou de me agarrar, pôs a mão no puxador da porta e abriu-a saindo rápido como um relâmpago.

Eu saí também para o cimento do cais havia uma leve humidade no chão devido ao orvalho, pois era julho mas a noite estava fria, apenas um candeiro ao longe, daí a pouca luz que nos envolvia fazia o carro parecer negro. Era a atmosfera perfeita para satisfazer o meu escuro desejo.

Avancei para a frente do carro onde o playboy me esperava impaciente.

Agarrou-me com força com os braços à minha volta, desceu as mãos até ao meu rabo e encostou-me à sua pélvis com força, como se me fosse penetrar vestido.

Desceu mais ainda a mão esquerda tocou-me na perna, deslizou os dedos para cima e começou a subir-me a saia.

Cada vez mais me sentia segura e excitada do que ia fazer.

Tentou empurrar o corpo contra o meu para me fazer cair sobre o capô do carro, deixei o conduzir-me, já o tinha sobre mim quando baixa a cabeça para me beijar o peito

Era o momento perfeito…

Levantei o braço para cima com a caneta em riste na mão, e com um movimento rápido, enterrei o espinho da rose no pescoço, e puxei com força pedaços de sangue e carne saltaram-lhe e salpicaram-me a cara, ele gritou e tentou levantar-se, agarrei-o com a mão esquerda, não o deixei fugir e espetei lhe o pescoço repetidamente, salpicando sangue para todo o lado, sempre olhando-o na cara e desfrutando do seu ar de surpreendido e horrorizado, tentou balbuciar alguma palavra mas o sangue já lhe enchia de tal maneira a boca que ondas dele caíam em cima de mim escorrendo e caindo no nosso parceiro de ménage à trois.

Empurrei-o para trás e caiu no chão, avancei sobre ele e cravei mais umas quantas vezes...

Retirei o espinho uma última vez do corpo do puto playboy endinheirado, mais uma vez a satisfação foi imensa, ao sentir a pele do pescoço a rasgar e mais sangue ainda quente salpicar-me destas vez apenas as mãos, pois o coração já estava fraco demais e quase não bombeava.

O cheiro a ferro do sangue era intenso ele ainda mexia uma mão junto a um dos buracos que eu lhe tinha feito, até que essa mão caiu ficando o braço entreaberto e a palma da mão semicerrada voltada para cima.

E um sorriso de satisfação espontâneo percorreu-me a cara e essa satisfação e felicidade chegaram a todos os pontos do meu corpo. Fazendo-me sentir verdadeiramente feliz...

Mais uma vez tinha escolhido bem. Tinha se tentado aproveitar, ficou surpreso, e por fim deixou-se ir, para meu êxtase.

Levantei-me e abanei várias vezes as mãos sacudindo aquele líquido escuro e quente. Ajeitei a saia, dirigi-me para o lado do carro, peguei na bolsa e abri-a procurei a tampa da caneta que tinha no saco. Tapei a caneta, e meti o troféu na bolsa já toda manchada de sangue das minhas mãos, fechei e coloquei no antebraço. Pensei…

Mais uma para a coleção.

E as pulsações baixaram de repente, a excitação passou.

Inspirei fundo a encher completamente os pulmões, tinha sido perfeito, mas já tinha acabado.

Então dei a volta ao carro em direção ao lugar do condutor e vi o reflexo da minha cara toda salpicada de sangue e reconheci-me, é só nestes momentos é que eu me reconheço.

Sou Júlia Neves, a mesma de sempre, desde que era criança.

Capítulo 4

Saí do bagon de comboio, o cheiro a gasóleo queimado pela máquina enchia todo o hangar da estação da nova cidade que me ia acolher até ao meu próximo encontro com um homem que merece a minha atenção e por consequência, os meus serviços.

Atravessei o hangar com a mochila na mão, antes de entrar na porta da estação balancei-a um pouco para trás e com um pouco de força meti a alça ao ombro direito, com a mão esquerda encontrei a outra alça e meti a mochila às costas.

Desta vez tinha o cabelo tapado por um chapéu dos Nets preto, com pala cinzenta. Óculos ray ban wayfarer e um lenço em tons camuflado ao pescoço a combinar com uma parka verde com capuz e bolsos à canguru por cima de uma t-shirt preta, calça de ganga azul clara muito roçada nos joelhos, e umas sapatilhas da sketcher, cor de rosa e azul. Assim disfarçada de turista, deslocava-me de vila em cidade ou vice versa, sem dar nas vistas, pois a femme fatalle com que exercia a minha paixão , nada tinha a ver com uma solitária viajante, de mochila às costas e mapa na mão.

Entrei na estação, um edifício antigo com azulejos em uma das paredes referentes a touradas, e no lado contrário dois guichês, um para tirar bilhetes e outro para informações. Atravessei por aquele corredor por entre uma fila de gente que esperava para tirar bilhete, e saí pela porta principal que dava diretamente para rua onde havia vários táxis à espera de clientes. Dirigi-me ao primeiro táxi da fila entrei e disse:

- Bom dia.

Olhei para o retrovisor e vi um Sr. careca de bigode acinzentado, dando o aspecto de ser boa pessoa.

- Bom dia menina! - respondeu-me - Como correu a viagem?

- Bem, obrigado.

- Então viaja sozinha? Uma menina tão bonita devia com certeza ter um homem que tomasse conta de si!

O aspecto do homem enganou-me, afinal era mais um machista que pensa que tenho de ser propriedade de alguém, e protegida dos males do mundo.

Peguei no lenço, passei-o em volta do pescoço do homem, encostei os joelhos nas costas do banco e puxei com força até ouvir ossos a quebrar.

A ideia passou-me pela cabeça, podia fazê-lo e depois sair do táxi, apanhar o próximo comboio para qualquer destino, em vez disso respondi.
- Acabou de perder uma corrida!

Abri a porta do carro e saí, ficando o homem a resmungar sozinho.

Entrei no táxi que estava logo a seguir e disse ao taxista, sem o deixar falar.

Prédio Gaspar Oliveira, número 124. Sabe onde fica?

- Sei sim, em 10 minutos, se não houver trânsito estaremos à porta.

O taxista arrancou o Mercedes bege-marfim, ainda não havia passado um minuto e já estava a meter conversa.

- Então menina, é de cá da cidade?

- Desculpe a minha falta de simpatia mas não me apetece conversar. Se podermos seguir em silêncio agradecia.

O taxista calou-se amuado, e continuou a conduzir.

Ao olhar pela janela fui memorizando as lojas, cafés, mercearias e os bares, o meu local preferido para emboscada que fazia às presas que mereciam conhecer-me.

Capítulo 5

Nesta nova cidade o meu nome e Cartão de Cidadão era Sónia Ribeiro e tinha arranjado trabalho, de noite numa discoteca chamada "Blue Parrot", tentava andar um pouco mais desleixada, cabelo preto mais curto, sempre com calças de ganga e t-shirts a maior parte das vezes pretas.

Pois queria passar despercebida, o meu último ataque há oito meses atrás, ainda era comentado nas notícias. A única pista que havia era uma mulher de vestido em tons cinzentos, cabelo comprido, escuro e com cerca de um metro e setenta.

O dia estava cinzento, desde a janela do meu quarto, tinha a vista sobre o ginásio mesmo em frente, onde o dono, o Peitinhos treinava todos os finais tarde, e que eu também frequentava, sempre a mesma rotina de exercícios com especial atenção aos peitorais, que ele conseguia fazer mexer, tendo eu já visto a manobra, sempre que se aproximava uma miúda, na discoteca onde eu trabalhava ao balcão e o homem andava sem t-shirt.

O Peitinhos tinha me chamado atenção por vender esteróides anabolizantes no ginásio a putos com dezassete, dezoito anos, fazendo com que já um rapaz perdesse a função renal, tendo de fazer hemodiálise.

Mas o que me tinha realmente motivado a investigá-lo era o tráfico dentro da discoteca, Cocaína, Ecstasy, LSD, MDMA e a potente N-Bomb um poderoso alucinógeno. A moda é introduzi-la no anus, e uns pequenos grãos a mais derivam em overdose, coisa que já tinha acontecido a três miúdas, só sobreviveram duas, e outra toda alucinada e desorientada tinha sido violada pelo próprio Peitinhos no escritório da disco. Tudo com a conivência do dono, o meu patrão.

O patrão era espanhol, tinha cerca de cinquenta anos, bem constituído, vestia-se sempre impecável, fato e gravata, cabelo branco sempre lambido puxado para trás e sempre de barba feita. Era casado e com duas filhas que adorava e venerava. Mas maltratava psicologicamente a mulher por não lhe ter dado um filho homem, tinha feito os meus trabalhos de casa, não fossem os maus tratos à mulher e o caso de encobrir todas as malfeitorias do Peitinhos dentro da discoteca. E tinha-se safado.

Capítulo 6

No final da noite o Patrão chamava pelos empregados um por um para pagar parte do salário da noite em cheque, parte em negro, eu já há dois meses que me deixava ficar para ultima a entrar no escritório, que me provocava náuseas pela violação que lá tinha ocorrido.

Mas naquela noite não tinha náuseas, estava segura de mim, sentia-me forte, predadora.

Entrei no escritório pousei o casaco que levava na mão no cabine olhei para ele e sorri, recebi um sorriso de volta juntamente com:

- Então Sónia, muito cansada?

Não respondi acelerei o passo para ganhar balanço, saltei por cima da mesa indo de encontro ao Patrão sentado numa cadeira do outro lado da mesa, agarrei-lhe o pescoço com as mãos e caímos para chão aterrando em cima dele.

- Ah ah ah ah ah!

Soltei uma gargalhada ao ver os olhos esbugalhados e a cara de surpresa do Patrão.

Acontecia com todos, olhar surpreendido de não estar a perceber o que estava a acontecer! E de não entender como uma mulher os podia agredir.

Apertando cada vez mais o pescoço do homem e ele com as mãos envolta dos meus pulsos, mas quase sem reação consegui pôr os joelhos sobre os seus braços, fiz força com o corpo para lhe cravar os meus joelhos ainda mais nos braços. Ele com a dor afrouxou a força envolta dos meus pulsos e consegui libertar a mão esquerda. Levando a mão do pescoço ao bolso de trás das calças, peguei numa simples lima das unhas e zás…

Espetei-lhe a lima no olho direito, ele berrou.

- Aaaaaaaaaahhhhhhhhhrrrrrrrr!

Tirei-lhe a lima do olho e o sangue começou a esguichar, atingindo-me a cara, o pescoço e escorrendo pela t-shirt abaixo, espetei três vezes no pescoço e por fim outra vez no olho direito firmando com a palma da mão no cabo da lima enterrando-a quase até ao fim do cabo de plástico.

Larguei a outra mão do pescoço e fiquei em cima dele vê-lo esvair-se de sangue, até acabar por morrer.

Respirei fundo, e fiquei por um momento a admirar o corpo inerte, tirei-lhe a lima do olho a custo, limpei-a à camisa branca do morto e guardei-a no bolso de trás, pus-me de pé, estava coberta de sangue. Entrei na casa de banho, lavei a cara, mãos e braços, como é difícil lavar sangue entranhado nas unhas! Dirigi-me ao cabide, vesti o casaco para tapar a t-shirt ensopada, abri a porta e saí.

Ainda tinha de voltar a caçar antes do sol nascer…

Capítulo 7

Desci as escadas do escritório e percorri o caminho atrás do bar principal até à porta de saída dos empregados, cá fora estava frio e havia já claridade do sol nascer. Dei a volta ao Blue Parrot, e nem sinal do carro do Peitinhos, apenas vi dois carros de uns putos, com a música um pouco alta, deviam estar a consumir as últimas raias antes de irem para casa deitar-se a olhar para tecto.

Saí da zona industrial onde se situava a Blue Parrot e comecei a descer a Avenida, com o sentido posto no café Argentina, que era onde o dito cujo costumava tomar o pequeno-almoço, e vender algumas gramas de droga a alguns putos que perdem a calma com a cocaína, e acabam por fazer diretas intermináveis. Cheguei ao Argentina, desilusão, já não estava lá, dirigi-me a uma mesa onde estavam dois putos com as pupilas super dilatadas e perguntei por ele.

- Esteve aqui mas foi para casa.

Respondeu-me um com a queixada toda de lado. Nem respondi, virei costas e saí a correr em direção à casa do Peitinhos.

Ao fim de dez minutos de corrida acelerada pela avenida abaixo, virei na terceira rua à esquerda e no fim da mesma avistei a casa.

Saltei o portão e corri agachada até ao carro, esperei três ou quatro segundos, estava tudo calmo à minha volta, não ouvi qualquer barulho. Aproximei-me de uma janela e espreitei, era a cozinha, estava vazia, segui para a próxima janela, era a sala, onde vi o Peitinhos sentado no sofá com uma nota enrolada numa mão e na outra um copo com um resto de bebida, provavelmente whisky.

Agora, só tinha de entrar na casa sem fazer barulho, percorri a casa toda, mas as janelas estavam fechadas. Passei pela porta principal e…

- Âh!!! - A chave estava na porta!

Abri a porta fazendo o menor barulho possível e entrei.

- Sónia!!! - exclamou -

O que é isto? Que estás aqui a fazer?!

O Peitinhos estava de pé à minha frente, sem t-shirt e em boxers, visivelmente cansado e drogado, e na mão direita trazia um ferro de lareira, com a intenção de o usar.

Olhei para os lados à procura de algo que pudesse agarrar e lhe fazer frente, mas nada, não havia nada no hall de entrada.

Fiz o gesto de meter a mão esquerda atrás das costas para agarrar a lima que tinha no bolso, entretanto ele já estava a baixar o ferro em direção à minha cabeça, tentei me proteger com o outro braço, o ferro pegou-me com potência no antebraço, não tive força suficiente para o conter acabando por me atingir o ombro também.

Soltei um surdo.

- Aaaaahhhh!!!

Entretanto, com a lima na mão, estiquei o braço em direção aos abdominais do Peitinhos, espetando parte da lima.

- AAAAAHHHHGGGGRRRR!!! Puta!!!

O Peitinhos recuou dois passos, soltou o ferro e pôs a mão no buraco ensanguentado feito pela lima.

- Puta, vou te matar!!! - e avançou com os braços esticados para me agarrar - Vou te arrebentar a cabeça, sua puta!!

Eu avancei também de encontro aos seus braços, uma das mãos agarrou-me no ombro dorido pelo ferro, que me fez gemer, e a outra mão desferiu-me um soco entre a barriga e o peito que quase me deixou sem ar. Levantou um pouco o braço e preparou-se para outro soco, desta vez direcionado à cabeça, mas como levantou o braço ficou com parte do peito a descoberto, eu ainda aflita para respirar, juntei toda a força que tinha e espetei-lhe a lima na axila, puxei e desferi três golpes rápidos mais, ao longo da lateral do peito, fazendo com que o soco me atingisse com menos potência. Mesmo assim deixou-me tonta, era um puto touro o Peitinhos! Atordoada consegui atingi-lo várias vezes no estômago, havia esguichos de sangue por todo o tronco do meu adversário, mas ele conseguiu-me agarrar outra vez, até eu cair de costas com ele por cima de mim agarrado ao meu pescoço, e aí tive a minha chance, espetei a lima das unhas umas quantas vezes no pescoço e na axila do Peitinhos, que foi perdendo força até se deixar cair, com a boca a jorrar sangue, completamente sobre mim. O sangue tapava-me os olhos e o nariz tinha de respirar pela boca, onde também entrava sangue do morto.

Com grande esforço, do cansaço e peso do morto, consegui tirá-lo de cima de mim e respirar, respirar e sentir-me feliz, respirar e pensar mais uma vez a Júlia fez justiça e atenuou os seus instintos mais primitivos.




Conto escrito por
Filipe Fernandes

Produção Four Elements
Marcos Vinícius da Silva
Melqui Rodrigues
Hugo Martins
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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Palavras Obscuras - 1x08 - Misoginia (Traumas)


Sinopse: Quando crimes cruéis de um assassino em série, que mata mulheres e as violenta sexualmente, se tornam a principal investigação do Departamento de Polícia local, um experiente delegado precisa encontrar o malfeitor e levar justiça àquelas vítimas tendo como principal vestígio para solucionar o problema, um exemplar de Bíblia que destaca trechos cruciais no caso. Um conto que mostra até que ponto o ser humano pode chegar e nos ensina que ninguém é inocente, até que se prove ao contrário...nem os homens do Senhor.



Misoginia (Traumas)
de João Baptista dos Santos

 

Do púlpito, o pastor impecavelmente vestido, pregava para os fiéis. Parecia saído do banho naquele momento, o cabelo bem penteado brilhava, refletindo as luzes do templo no gel fixador.

Entre os crentes, senhor de meia idade, a barriga proeminente esticando a camisa social, os olhos fixos no pregador. Parecia deslocado naquele contexto por causa do olhar, não transmitia credulidade, antes, desconfiança. Dezenove horas de domingo calorento. Apesar de vários ventiladores funcionando em velocidade máxima, aquele homem, a todo o momento, enxugava o suor da testa com o lenço embolado na mão direita.

A veemência do pastor ao falar mantinha a assembleia dominada sob o impacto das palavras. Possuía o dom da oratória, as pessoas se subjugavam à voz tonitruante.

O homem suarento se deixou levar para o passado. Aquele ambiente o remetia para a adolescência. Aluno de Colégio administrado por padres da Ordem do Divino Coração, ele assistia com devoção às missas domingueiras na capela da Escola. Pelo menos uma vez por mês recebia a comunhão eucarística. A confissão dos pecados não era como agora, coletiva ou comunitária como dizem, mas sim, individual. Ali, cara a cara com o confessor. Lembrou-se então do padre alemão, professor de matemática, dizendo: “masturbarrrrr... pecado grave”, o sotaque carregado dando maior peso à falta, aumentando o sentimento de culpa do pecador. Com certeza, por isso, o remorso viria sempre após o ato solitário. Recorria menos a este expediente com o passar do tempo, evidentemente, mas quando o praticava ainda sofria. Não entendia o persistente trauma, pois a sua fé se enfraquecera em decorrência da sua atividade profissional, por isso obrigatória, com as mais sórdidas mazelas da sociedade; logo já não devia temer os castigos advindos, segundo a religião, do prazeroso ato.

Voltou ao tempo real, afinal não estava ali para reminiscências, mas para observar o pastor. Tentar ouvir nas entrelinhas da homilia algo aproveitável para a investigação que ora executa. Contudo, nada ouviu para ajudar, o tema versou sobre a volta de Cristo, “orai e vigiai”.

Após o culto o homem gordo que suara em bicas entrou num carro onde o aguardava o motorista. Este lhe perguntou algo, o homem respondeu que durante a semana intimaria o religioso a ir à Delegacia para explicações. Apesar de ainda não possuir indícios consistentes, o pastor se configurava como primeiro suspeito.

Há três meses, provável “serial killer” tirava o sono daquele senhor, Delegado de Polícia; exercia suas funções numa Delegacia de bairro nobre da capital mineira, Belo Horizonte. O criminoso parecia determinado a mostrar ser o único autor dos delitos, tal a quantidade de pontos comuns entre eles. O “modus operandi” do delinquente não deixava dúvidas.

O Delegado no dia seguinte àquele domingo, no seu gabinete, olhava os volumes dos inquéritos daquele caso empilhados sobre a mesa. Leu o resumo dos crimes:

No dia 24 de maio, Maria de tal, advogada, 36 anos, encontrada morta dentro do carro dela numa rua sem saída. Enforcada com cordão usado nos varais de roupas. Violentada sexualmente. Em cima do corpo, folha de papel com a seguinte inscrição: “Deus fez o homem reto. Apliquei-me em explorar e sondar a sabedoria e a razão das coisas, e reconheci que a maldade é estulta e a má conduta é insensata! Descobri que a mulher é mais amarga que a morte, porque ela é um laço, seu coração uma rede e seus braços liames; quem é bom aos olhos de Deus foge dela, mas o pecador será sua presa. (Eclesiastes 7:25-26)”

O segundo crime ocorreu no dia 25 de junho. Suely de Tal, 40 anos, secretária executiva de grande empresa, enforcada com cordão de varal num terreno baldio. Também violentada sexualmente. Preso ao corpo, folha de papel onde se lia: “O homem não deve cobrir a cabeça: porque ele é a imagem e o reflexo de Deus; a mulher, no entanto é o reflexo do homem. Porque o homem não foi feito da mulher, mas a mulher do homem. Nem o homem foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem. (Coríntios 14:34)”

O terceiro crime, no dia 28 de julho, idêntico aos outros, Francisca de Tal, 39 anos, arquiteta, assassinada dentro de seu apartamento onde morava sozinha. Os dizeres escritos no papel sobre o corpo: “Os esposos Santidade do lar. As mulheres sejam submissas aos seus maridos, como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, ele o salvador do Corpo. Como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres estejam sujeitas em tudo a seus maridos.” (Efésios 5.22-24).

O perfil do assassino estava definido: Homem ligado a alguma religião, provavelmente fanático ou psicopata. Demonstrava aversão às mulheres ou as temia. A idade estaria entre os 40 e 50 anos. Ganhava a confiança das vítimas antes de matá-las, daí a suposição da idade do criminoso. As armas para as conquistas seriam: o encanto pessoal, mentiras, falsas promessas, posição social. Sistematicamente mantinha um intervalo médio de trinta dias entre os delitos. Aquelas mulheres frequentavam a mesma igreja, mas não se conheciam. Este último detalhe perdia importância pelo grande número de fiéis frequentadores do templo. Agia numa área de quatro quilômetros quadrados, levando-se em conta o local do primeiro crime como ponto central das ações.

O Delegado abriu a gaveta da mesa e retirou de dentro dela uma Bíblia. Abriu a capa, leu em voz alta o nome escrito na contracapa: Pastor Josias. Fechou-a, bateu o livro contra a palma de uma das mãos repetidas vezes, olhando para o alto, talvez tentando recriar mentalmente como se deram os fatos. Usaria toda a argúcia no interrogatório, por à mostra as idiossincrasias daquele homem; não seria fácil, pensou.

Intimado, o Pastor Josias compareceu à Delegacia de Polícia visivelmente constrangido, abatido, não parecia o mesmo homem vigoroso de dias atrás na igreja. Acompanhava-o o advogado de uma empresa multinacional, Dr. Hipólito, que também era escritor, com alguns livros publicados cujos temas invariavelmente eram policiais. Homem de postura empertigada, óculos redondos, aparência de competência incontestável, transpirava segurança. Há dois anos chegara à cidade, passara a frequentar a comunidade religiosa tornando-se membro ativo.

O Policial revelou ao inquirido que a bíblia fora encontrada próximo ao local do último crime do “serial killer”. Além do nome do religioso na contracapa, destacavam-se naquele exemplar, circundadas com tinta vermelha de caneta, as mensagens encontradas sobre os corpos das vítimas. Esta edição do Livro Sagrado era uma das quatro de sua propriedade, duas ficavam em casa e duas na igreja, esta fora roubada do templo, dissera o pastor. Durante uma hora outras perguntas foram respondidas.

Na volta para casa, Josias, absorto dentro do carro, se transportou para outros tempos. Boca vermelha de batom ordinário se abrindo num sorriso debochado de mulher mundana, humilhando um garoto de dezesseis anos pelo seu fracasso sexual ocasional. Fiasco provocado pela necessidade dela de alta rotatividade ,”goza, goza logo”. Imagem fixada no subconsciente voltaria sempre no momento crucial sem ser invocada naturalmente, perturbadoramente. Bloqueando. Sessões de psicoterapia no decorrer dos anos, apenas paliativas, não solucionando o problema totalmente.

A suspeita sobre o pastor ganhou as manchetes dos jornais, mas a Polícia não conseguiu sustentar a acusação. As provas técnicas, como o exame laboratorial do sêmen encontrado nos corpos das mulheres e o teste grafológico das mensagens bíblicas deram negativo para o acusado. Não encontraram impressões digitais, provavelmente o assassino usara luvas. A maestria do Dr. Hipólito na condução da defesa jogara por terra todos os argumentos da acusação. O Ministério Público não aceitou a denúncia. Optou pelo despacho de não pronúncia.

Livre da acusação, o Pastor Josias recebeu a visita do Dr. Hipólito, viera se despedir, fora transferido, isto ocorria sempre na vida profissional dele. Josias agradeceu o advogado pela atuação no caso. O advogado respondeu “o agradecimento é recíproco, o senhor bem sabe”.

Dois anos se passaram. O Delegado, envolvido com outros casos, jamais esqueceu os crimes hediondos do misógino. Sentia-se frustrado, apesar de haver cessado a série de delitos depois da investigação envolvendo o religioso. Dizia haver falhado porque focara a investigação em cima de suspeito único. Deveria ter aberto um leque maior de linhas de investigação. Às vezes sonhava com aquelas ocorrências, via o pastor sempre seguido por sombra de aspecto humana não identificada. Sentia a sensação de que o criminoso estivera ao alcance da lei, mas escapara entre os dedos da polícia.

Aproximadamente a oitocentos quilômetros dali, em bela cidade capital de Estado, Dr. Hipólito saía do Clube de Cultura local num fim de tarde, acontecera ali encontro de escritores, reunião bastante concorrida. O advogado se fazia acompanhar de uma mulher a quem levou até ao carro dela e ali se despediram marcando encontro para aquela noite. Mais tarde, em casa, sentado no sofá, taça de vinho nas mãos, naufragou no buquê exalado da bebida. Viu-se pré-adolescente, doze anos de idade, trancado num quarto levado pela vizinha de mesma idade. A avó dela abrindo a porta com violência. ”Onde já se viu menino trancado com menina?” O corpo sentindo ainda o calor feminino que estivera junto ao dele, os lábios sentindo o longo beijo roubado pela amiguinha, agora o responsabilizando maliciosamente por estarem ali juntos. Pela segunda vez ela o jogava em situação constrangedora, a primeira vez ocorrera na casa dele, flagrados por sua mãe que lhe castigou fisicamente, além da reprimenda verbal. Ele não resistira ao apelo sexual aflorando em seu corpo naquela idade de mudanças. O sofrido castigo, jamais esquecido, apenas para ele, considerado o sedutor. Agora tudo se repetia, não houve castigos físicos desta feita, mas ficara envergonhado na presença de outras pessoas. Retornou ao tempo presente, levantou-se, foi até a estante, pegou um livro. Após folheá-lo o abriu em determinada página, seu olhar cintilava um brilho cristalino. A testa franzia em rugas. Os lábios entreabertos davam à boca um ricto nervoso. Então o advogado pegou a caneta de tinta vermelha e circundou, vendo a cor de sangue destacar a seguinte citação do filósofo alemão Arthur Schopenhauer: ”O leão tem dentes e garras, o elefante e o javali têm presas de defesa, o touro tem chifres, o polvo tem sua tinta para turvar a água a seu redor; a natureza deu à mulher mais que a dissimulação para defender-se, a traição, a ingratidão, a falsidade”.

Fim



Conto escrito por
João Baptista dos Santos

Produção Four Elements
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Palavras Obscuras - 1x07 - Ás de Espadas


Sinopse: Quando dois corpos são encontrados em estado de decomposição próximos à barragem que abastece a região, uma renomada investigadora da singela cidade de San Juan Holistico, no sul do Brasil, resolve interrogar uma intrigante serial killer, detenta da penitenciária feminina mais eficiente do país, mas acaba descobrindo que os segredos do seu passado obscuro podem se tornarem seus piores pesadelos. Tentando ser forte e sangue frio, a investigadora Deborah trava um diálogo cruel com a prisioneira Rebecca, que mostra-se calculista e impiedosa com suas palavras que atingem o "eu" mais profundo da detetive, a qual precisa decidir se vai enterrar de vez os acontecimentos do passado e focar nas suas buscas ou desistir e acabar cedendo a inteligência e audácia de Rebecca Steffens. Uma história com pitadas de suspense que beiram a loucura e as profundidades de um abismo que parece não ter volta. Seja forte, seja firme nas suas decisões ou o mundo lhe dará rasteiras para além daquilo que te assombra.



Ás de Espadas
de Marcos Vinícius da Silva

 

Penitenciária Feminina de San Juan Holistico - sul do Brasil - dias atuais

A fúria, o profundo desespero e o egoísmo insensível eventualmente se cristalizam em fantasias de vinganças violentas em uma escala que chama a atenção. O assassinato é um dos crimes que mais podem traumatizar uma sociedade. Embora não esteja entre os mais cometidos, não podemos deixar de nos sentir, em certa medida, atraídos pelos assassinos e por tudo que os rodeia. O que os leva a cometer tal atrocidade? Como é o perfil psicológico do assassino? O assassinato requer qualidades específicas. O que se condena não é apenas a morte em si, mas o modo pelo qual ela foi realizada. A maioria dos assassinatos requerem um plano bastante orquestrado. Os assassinos geralmente não têm grande empatia e, para se aproximarem de suas vítimas, utilizam técnicas de persuasão, sedução, entre outras. Porém, isso tudo não é uma ciência exata. O crime é flexível e as razões pelas quais ele é cometido só se encontram na mente do próprio assassino.

A chuva caía incessantemente nos últimos dias e naquele final de tarde não era diferente. O veículo preto de vidros fumê entrou no estacionamento e parou na vaga 14 que era a última do lado esquerdo - e única livre - fazendo com que quem quer que fosse tivesse que atravessar todo o caminho debaixo de muita água. A investigadora Deborah Santarém, 38 anos, loira de cabelos chanel e olhos azuis, usava uma saia justa preta até a altura dos joelhos que mostravam o motivo de ser sempre cortejada pelos homens por onde passava, um corpo escultural de dar inveja à qualquer um(a). Também vestia um terno preto por cima de uma camisa branca de gola e, pendurado no pescoço, um cordão com o seu distintivo, maior orgulho que carregava consigo. Quando saiu do carro logo tratou de abrir seu guarda-chuva e saiu pisando firme pela calçada de pedra com seus sapatos de salto alto. Imponente, elegante, uma mulher independente e que sabia exatamente onde queria e devia chegar.

Quando passou pela porta de ferro se deparou com a precariedade daquele lugar que há tempos não era visto pelos olhos do governo. Paredes mal pintadas descascando, algumas rabiscadas, goteiras em alguns pontos específicos e, atrás de um balcão de madeira caindo aos pedaços, uma agente penitenciária travava uma guerra particular na frente de um computador de mesa tentando ligar o sistema interno da penitenciária. Respirou fundo, afinal precisava manter sua concentração apenas no real motivo de ter que se deslocar até o outro lado da cidade para estar ali naquele exato momento de um dia tão "chato", como sua própria irmã e colega de quarto definiu mais cedo.

San Juan Holistico era uma cidadezinha de pouco mais de cem mil habitantes que se localizava a duzentos quilômetros de distância da capital. Cidade de colonização espanhola e que foi a escolhida pelo governo no passado para abrigar a maior penitenciária feminina do Estado. Um evento grandioso na sua inauguração, mas que com o passar dos anos foi sendo "ignorada" pelos governos que vieram, e que começaram a passar verbas inconsistentes para a manutenção do lugar.

Ainda assim, as detentas mais perigosas eram enviadas para San Juan Holistico, pois a penitenciária mantinha a fama de ser a mais segura independente da sua situação.

Deborah se aproximou do balcão onde a agente penitenciária "bufava" diante do computador. Se apresentou e foi encaminhada por um corredor estreito e escuro até uma sala pequena no final deste: a sala do diretor geral da penitenciária, Afonso Nero.

Afonso, o diretor, um homem alto e robusto, de 55 anos de idade, cabelos grisalhos e bigode, já estava à sua espera. Levantou, cordial, com um sorriso estampado no rosto e a convidou para sentar-se. A investigadora observou cada detalhe daquela sala pequena e só pôde confirmar o que já imaginava: que aquele lugar, aquelas detentas e aqueles funcionários públicos que ali atuavam eram invisíveis aos olhos do governo. Sentou-se enquanto Afonso servia duas xícaras de café de uma garrafa térmica. "Obrigado", agradeceu quando ele lhe entregou.

"E então, detetive Deborah, o que te traz novamente aqui na nossa penitenciária? Algo muito importante, creio eu. Pra vir assim sem prévio aviso." Disse o diretor Afonso enquanto saboreava seu café.

Deborah tomou um gole do café antes de começar a falar. Já estava ciente da fama do diretor e não daria atenção para suas indiretas. Afinal, o delegado da cidade tinha dado carta branca para ela diante do assunto que se tratava.

"Acredito que o delegado Cunha tenha lhe enviado um ofício explicando a minha vinda. Mas, eu posso muito bem lhe explicar." Começou falando a investigadora enquanto largava a xícara sobre a mesa do diretor. "Vou direto ao ponto. Dois corpos foram encontrados neste final de semana próximo da barragem do Seival, em estado avançado de decomposição. Estão neste momento no Instituto Médico Legal e o doutor Jimenez é o responsável por buscar suas identificações."

Afonso Nero sorriu abrindo os braços. Mostrou uma pilha de documentos sobre sua mesa e tomou mais um gole de sua bebida.

"Eu aqui só preciso cuidar das minhas hóspedes, detetive. Estes assuntos eu deixo pra vocês. Acredito que não posso lhe ajudar" Respondeu o diretor.

Deborah Santarém pegou seu celular, desbloqueou e abriu a foto de uma mulher, mais ou menos 50 anos de idade, morena clara, cabelos cacheados e algumas rugas no rosto. Virou a tela para Afonso, que arregalou os olhos ao ver de quem se tratava.

"Rebecca Steffens? O que tem ela? Quer dizer, sei de tudo que ela já aprontou. Sua ficha é extensa, mas está aqui há menos de seis meses, não tem incomodado...não entendo" Disse Afonso surpreso com o que acabara de ver.

Deborah sorriu e guardou o celular. Tomou mais um gole do seu café, o que para ela era o que de melhor tinha naquele lugar e naquele momento. Se ajeitou melhor na cadeira velha desconfortável antes de começar a falar e encarou os olhos do homem à sua frente.

Rebecca Steffens foi julgada por um júri popular e presa a cumprir 50 anos e 8 meses de prisão, acusada de ser a pior serial killer que o Estado já presenciou. Confesso, colecionava 23 mortes, todos jovens independente de sexo, entre 18 e 21 anos, com quem mantinha relações sexuais após "batizar" suas bebidas e depois os matava, desovando seus corpos em diversas partes da cidade. Porém, o Departamento de Investigação de San Juan, sob comando do delegado Cunha e serviços da investigadora Deborah, ainda trabalhava no desaparecimento de um jovem e de uma jovem há dois meses, sem sucesso. Foi quando um grupo de trabalhadores do Sistema de Abastecimento de Água da cidade, encontrou dois corpos em estado de decomposição próximos à Barragem do Seival, que abastece a cidade e região.

"Eu só preciso da sua autorização para interrogar esta sua "comportada hóspede", diretor." Disse Deborah finalizando sua xícara de café e largando a mesma sobre a mesa.

Afonso Nero observou a perspicácia e serenidade da investigadora na sua frente. Enrolou o bigode com os dedos pensativo por alguns instantes e, só depois, resolveu o que fazer. Também finalizou seu café, levantou e pediu que Deborah o acompanhasse. Ela sorriu sem demonstrar, mas sabia que tinha dado um passo importante para ter a chance de interrogar Rebecca Steffens.

Lado a lado diretor e investigadora atravessaram um longo e largo corredor em direção a uma sala no final deste. Enquanto caminhavam eram observados por diversas detentas agarradas nas grades das celas do andar superior. Deborah também as observava e, este trajeto a fez relembrar o estudo que fez para seu trabalho final na especialização em psicologia criminal: o sistema carcerário brasileiro trata as mulheres exatamente como trata os homens. E isso significa que não lembra que elas necessitam de papel higiênico para duas idas ao banheiro em vez de uma, que elas precisam de papanicolau, exames pré-natais e também de absorventes internos. Era a segunda vez que a investigadora se fazia presente naquela penitenciária e ela só pôde ter a certeza de tudo que estudou em um passado recente, que as penitenciárias femininas no Brasil são sujas, encardidas e escuras. O mundo é cruel, não tem pena de ninguém e, se você acredita que isso um dia vai mudar, Deborah sabia que era pura ilusão. Esta é a realidade e nenhum governador, presidente, senador ou deputado vai cumprir o que prometeu em sua campanha.

A sala era pequena e fechada com vidros em toda a parte da frente. No centro uma mesa metálica retangular com um banco de cada lado e, ao fundo, uma outra porta que levava para um outro segmento. Afonso Nero abriu a porta principal e deu lado para a investigadora Deborah passar, entrando logo em seguida e fechando a mesma. Orientou que ela sentasse e ficasse à vontade e seguiu para o outro segmento através da porta dos fundos sem dirigir qualquer outra palavra, deixando Deborah com uma "pulga atrás da orelha" sem entender o que se passava.

Não demorou mais que três minutos para o diretor Afonso retornar, desta vez, acompanhado por uma mulher mal encarada, acima do peso, com os cabelos cacheados bagunçados e um olhar que causaria medo em qualquer um que resolvesse lhe encarar. Ela usava o uniforme laranja da penitenciária e estava com as mãos algemadas à frente do corpo. Ela era Rebecca Steffens.

Afonso Nero ordenou que a detenta sentasse no banco do outro lado da mesa, de frente para a investigadora, que demonstrava um misto de alívio por conseguir o que foi procurar e de tensão por aquela mulher estar ali diante dos seus olhos. Por mais que não quisesse, Deborah só conseguia lembrar da extensa ficha criminal de Rebecca Steffens, a qual ela leu mais cedo e também no dia anterior.

"Rebecca, essa é a detetive Deborah Santarém. Ela precisa ter uma conversa com você. Espero que colabore com ela, assim como tem colaborado com todos nós" Explanou Afonso.

Rebecca apenas consentiu com a cabeça sem tirar os olhos grandes e assustadores da mulher à sua frente. Em contraponto, a investigadora sentia-se incomodada com aquela presença, mas precisava ser forte, afinal, sua investigação dependia do que aquela mulher pudesse lhe falar. Afonso encarou as duas, respirou fundo e se retirou sem proferir mais nenhuma palavra.

A detenta acompanhou com seus olhos os movimentos do diretor Afonso até ele bater fechando a porta principal. Então, voltou sua atenção para a investigadora intacta na sua frente. Ajeitou-se melhor naquele banco desconfortável e colocou as mãos algemadas sobre a mesa metálica.

"Eu lembro de você..." Disse Rebecca arrancando um olhar de espanto da investigadora. "Garanto que está se perguntando como eu sei disso, não é mesmo?"

Deborah desviou seu olhar daquela mulher. Tentou concentrar sua atenção em algum outro ponto, nem que fosse por alguns segundos. Sentia-se incomodada, uma aflição tomou conta do seu corpo. Por dentro se questionava de verdade como é que aquele ser poderia conhecê-la. Foi quando Rebecca começou batucar calmamente com os dedos sobre o metal da mesa.

"Uma investigadora famosa que nem você...uma mente tão brilhante capaz de juntar as peças de um quebra - cabeças que parecia ser impossível de montar, precisa ser estudada por pessoas como eu..."

Deborah gelou por dentro e concentrou sua atenção para as palavras de Rebecca, que parecia estar satisfeita por conseguir o que queria. "...você sabia que muitos antes de você tentaram a sua façanha, não é mesmo? Mas só você..."

Rebecca, mesmo algemada, apontou com o dedo indicador na direção da investigadora e sorriu um sorriso amarelado de dar medo em qualquer pessoa.

"...só você foi capaz de entender um pouco do que passa na cabeça de pessoas como eu."

Rebecca se ajeitou melhor no banco. Levantou as mãos algemadas e as levou até a escápula direita coçando-a.

"Você conseguiu prender o "colecionador de cabeças", virou manchete em rede nacional, teve o seu nome estampado nas capas de jornais, pousou de boa detetive. Deve ter ganho um bom aumento de salário, não é mesmo?"

Rebecca apoiou os cotovelos na mesa metálica e inclinou o pescoço observando melhor a mulher incrédula à sua frente.

"Pelos trajes que está usando a valorização salarial foi admirável"

Deborah fechou os olhos por alguns segundos tentando voltar à si e concentrar-se no real objetivo de estar ali naquele momento. Estava sendo hipnotizada por Rebecca e agora também se questionava sobre a origem daquela detenta, tão requintada nas suas palavras.

"Eu só preciso que você me diga uma coisa..." Deborah falou com a voz firme tentando se impor diante daquela situação. "Encontramos os corpos de dois jovens, um casal, na Barragem. Estavam desaparecidos há um bom tempo e..."

Deborah pegou seu celular, abriu algum arquivo e virou a tela para a detenta.

"...tudo leva a crer que sejam vítimas suas também, Rebecca Steffens.

Se confirmado, sua estadia por aqui pode aumentar um pouquinho."

Rebecca encarava a tela do celular, agora com as imagens dos corpos encontrados na tela, e sorria.

"Eu acho tão magnífico como eles ficam com o tempo...o corpo humano é realmente perfeito, fantástico, não acha, detetive?"

Aquelas palavras, de certa forma, enojaram a investigadora, que sentiu seu estômago embrulhar, se revirou naquele banco, mas tratou de se manter imponente para o restante do interrogatório.

Rebecca podia sentir o cheiro do medo impregnado no corpo da investigadora. Ela sabia, como ninguém, fazer os outros se sentirem acuados em diferentes situações. E Deborah Santarém estava incomodada com aquilo, tentava lá no fundo compreender o que estava acontecendo, nunca tinha ficado assim em anos de profissão. Nem quando prendeu "o colecionador de cabeças", um homem extremamente frio e calculista, ficou desta forma. Se mexia naquele banco gelado e desconfortável procurando uma melhor maneira de se acomodar, mas tudo parecia só piorar. Enquanto isso, aquela mulher à sua frente lhe encarava com olhos sedentos de quem à qualquer momento poderia se desfazer das algemas, pular e agarrar seu pescoço. Deborah sentiu um frio percorrer sua espinha e com a mão direita massageou a região inferoposterior de sua cabeça enquanto Rebecca sorria aquele seu sorriso amarelado intimidando cada vez mais a experiente investigadora.

"A vida é um eterno jogo de cartas, detetive Deborah. Temos que saber jogar, saber blefar. E é como eu sempre digo: não importa as cartas que você tem em mão, eu sou o Às de Espadas que poderá te colocar no fundo do poço". Disse Rebecca cada vez mais confortável em sua posição.

Quando a investigadora Deborah Santarém prendeu, em um passado recente, um serial killer frio e calculista, o "colecionador de cabeças", como ficou conhecido em todo o Estado, ela virou manchete em rede nacional e, querendo ou não, foi alvo de muita gente. Rebecca Steffens foi presa, mas assim como aquele "colecionador de cabeças", sempre tivera muitos privilégios na sua estadia na penitenciária. Ela conseguiu informações muito importantes e relevantes à respeito de Deborah Santarém, desde a sua infância até os dias atuais e agora ela podia usufruir destas informações frente a frente com a renomada investigadora.

"Ainda tens muitos pesadelos, detetive? O uivo dos lobos e o berro desnorteado dos carneirinhos durante as madrugadas ainda lhe causam insônia?"

As questões levantadas por Rebecca embrulharam mais uma vez o estômago da investigadora. Deborah sentiu que estava prestes a ser derrotada nesta batalha. Levantou abruptamente do banco, se debruçou com as mãos na grande janela de vidro e fechou os olhos respirando profundamente. Do outro lado da vidraça o diretor Afonso conseguia ver tudo o que se passava dentro daquela sala e Deborah sabia que ele estava ali, embora não o visse. Repentinamente, ela abriu os olhos e fez sinal para que ele não interrompesse, que estava tudo sob controle. Ouviu a gargalhada de Rebecca, de quem os olhos lhe devoravam a cada movimento, puxou o ar dos seus pulmões com toda a sua força e se virou para a detenta.

"Calma, detetive. Sente-se novamente." Disse Rebecca antes que Deborah pudesse proferir alguma palavra.

A investigadora se recompôs. Passou as mãos no cabelo chanel e sentou mais uma vez de frente para aquela mulher que estava lhe tirando do sério.

"Estamos aqui para falar de você. Dos teus crimes. Das tuas atrocidades. Da sua falta de consideração com os familiares das vítimas e com toda a sociedade."

Rebecca apenas a observava. Sabia causar sentimentos de raiva à seus adversos sem precisar abrir a boca. E quando abria, conseguia atingir as feridas mais profundas.

"Eles nunca param, não é mesmo?" Questionou Rebecca arrancando um olhar de dúvida na investigadora. "Tô falando dos uivos e berros. Eles vem e vão, não é? Eles estão aí dentro da tua cabeça para te lembrar de onde você veio." Complementou a detenta.

E estas palavras entraram na mente da investigadora que, por alguns instantes, retornou ao seu passado distante, quando ainda era uma menininha serelepe correndo descalça nos campos verdes da fazenda onde morava com os pais e o irmão mais velho. Mais precisamente na fria noite de inverno do dia 24 de julho de 1993, quando ela com apenas 10 anos de idade presenciou cenas que ficariam marcadas para sempre.

"Você ainda acorda no meio da noite, não é? Admita detetive. A imagem do seu pai jogando os lobos para dentro da ala dos carneirinhos e se satisfazendo com aquela sangria deslavada ainda lhe atormenta. E depois, o que ele fazia mesmo? Ahhh, ele abria a porteira para que os lobos, com suas bocas cheias de sangue, fossem para as colinas mais altas e ficava ali se deliciando com as sobras. Ahhhh, ele era um devorador de carneirinhos também, não é mesmo? Ele era o líder da alcateia." Rebecca falou fazendo algumas lágrimas escorrerem pela face corada da investigadora.

E então os olhos de Deborah Santarém se encheram de lágrimas. Ela encarou Rebecca sem esboçar reação por alguns instantes, depois levantou abruptamente e se retirou daquela sala batendo a porta. Do lado de fora foi contida por Afonso Nero que observava toda a situação. Ele colocou as mãos nos ombros da investigadora e a fez lhe encarar.

"Ela não dá trabalho algum aqui dentro porque todas as detentas a respeitam e evitam chegar perto. As poucas que tentaram no início sentiram na pele que não poderiam lidar com ela. Ela entra na mente de qualquer um. Se você não for forte o suficiente eu sugiro que deixe assim mesmo, detetive. Desista."

As palavras de Afonso soaram como uma afronta, um desafio para Deborah. Ela respirou fundo, se recompôs e limpou os olhos lacrimejados.

"Eu só preciso de um copo d'água". Disse a investigadora desviando de Afonso e indo até o bebedouro contra a parede.

Enquanto Deborah Santarém pegava um copo no suporte e o enchia no bebedouro, Afonso se parou diante da janela de vidro observando mais uma vez a detenta Rebecca lá dentro. Ela sorria diabolicamente e batucava com os dedos sobre a mesa.

Alguns minutos depois a investigadora Deborah retornou para aquela sala. Parecia estar mais centrada no que devia fazer. Sentou à frente de Rebecca sempre de cabeça erguida, lhe encarando. A detenta continuava sorrindo de forma diabólica quando, de repente, pigarreou alto e forte por alguns segundos.

"Eu vou te ajudar, detetive. Você quer saber se os corpos daquele casalzinho também são obras minhas, não é? Se eu te disser que sim, você aceita jogar comigo?"

Deborah relutou por alguns instantes, precisava de todas as informações referentes aos corpos encontrados, mas sabia que não podia cair "no joguinho fácil" de Rebecca.

"Mesmo sabendo que minha estada por aqui pode se tornar maior, eu tô disposta a correr o risco e vou lhe dizer tudo que você quer saber, detetive. Mas..."

A detenta se debruçou sobre a mesa, seu olhar sanguinário, seu sorriso cada vez mais diabólico, pareciam penetrar nas entranhas mais profundas da investigadora que permaneceu imóvel em seus pensamentos e não desviou o olhar desta vez.

"Mas o quê? Você acha que tá em plenas condições de exigir algo aqui dentro, Rebecca?" Perguntou firmemente a investigadora Deborah.

A detenta soltou uma alta gargalhada que chegou ecoar pela pequena sala.

"Eu dou as cartas por aqui, detetive" Respondeu Rebecca voltando a ficar séria. "Me diz uma coisa: qual foi a sensação de ver seu pai com a boca cheia de sangue daqueles carneirinhos pela primeira vez? Medo, angústia, nojo?" E da seriedade Rebecca soltou mais uma gargalhada no final erguendo ambos os braços com as mãos algemadas para o alto deixando à vista sua tatuagem no seu tríceps braquial, uma carta de baralho, um Às de Espadas com sangue escorrendo.

Os seriais killers vivem em uma zona cinzenta, fronteiriça, entre a loucura e a normalidade. Nascem, crescem e morrem com essa sina. Eles têm uma deformidade de caráter que os torna pessoas consideradas como de "altíssima periculosidade". Não conhecem o remorso, não conhecem o significado da palavra arrependimento.

A investigadora Deborah Santarém sabia exatamente onde estava se metendo. Na verdade já tinha passado por situações semelhantes, principalmente quando esteve à frente do caso do "colecionador de cabeças". Aliás, este caso veio à sua memória depois das últimas palavras de Rebecca. Ela voltou lá atrás em um devaneio sem consistência. Se viu em um escritório escuro com suas anotações em mãos.

Há um tempo atrás

Escritório da investigadora Deborah Santarém

A detetive loira de cabelo chanel, usando apenas uma camisola transparente e sem maquiagem, adentra seu escritório particular no segundo andar de sua residência. Dá um tapa no interruptor acendendo a luz amarelada e dirige-se até a mesa próxima à janela. Senta sobre as pernas torneadas e começa vasculhar dentre diversas anotações espalhadas.

"TSANTSAS - REGIÃO AMAZÔNICA - COLECIONADOR DE CABEÇAS

O título em letras de forma lhe chamou a atenção. E diante de tanta repercussão que o caso teve e que levou-a a um reconhecimento enorme na Delegacia, Deborah resolveu ler novamente aquelas anotações, uma vez que o sono tinha lhe abandonado.

"Constituía-se em uma forma especial de conservação cadavérica, utilizada por aborígenes, com a finalidade de manter as cabeças de seus inimigos como troféu de guerra ou talismã. Essas cabeças, além de conservadas apresentavam-se com acentuada diminuição do seu volume. Tal redução se devia à retirada de todos os ossos do crânio e da face, com o cuidado de manter a pele íntegra. Era realizado um corte na parte posterior do pescoço por onde retiravam os ossos e a bolsa de pele da cabeça era colocada em água fervente com ervas por cerca de vinte minutos, o que diminuía em cerca da metade do seu volume. Eles conseguiram encolher e endurecer a pele da face e da cabeça, colocando nessa espécie de saco de pele humana uma pedra quente e recheio de areia que lhe servia de molde, o que ia diminuindo pouco a pouco o seu tamanho..."

De volta à Sala de Interrogatório

Deborah Santarém retornou dos seus devaneios com o chamado da detenta à sua frente. Ela precisou inclinar-se e chamar três vezes por "detetive? detetive? detetive?" até que a investigadora voltasse para a realidade.

"Estava longe, detetive?" Perguntou Rebecca.

"Você conheceu o "colecionador de cabeças?" Questionou Deborah.

"Ora, ora. Também estudei os passos daquele lá. Homem perspicaz, inteligente demais, você não acha?"

"Ele era um psicopata infernal!" Respondeu Deborah.

"Ora, detetive. No fundo, no fundo, todos nós carregamos um lado psicopata".

"Eu não sou!" Gritou alto a investigadora. "Ele era. Você é..." Mesmo algemada Rebecca apontou o dedo na direção da investigadora.

"O seu pai era! Ou será que ainda é? Ele foi desta pra melhor ou você o escondeu em algum lugar? Você ainda o visita, detetive? Penteia seus cabelos, faz a sua barba? Porque pelo que eu sei ele tinha enlouquecido de vez, não é? Ou foi o que vocês armaram para ele não vir parar em um lugar como este aqui?"

As palavras de Rebecca colocaram Deborah novamente para baixo. Se a renomada investigadora tinha um ponto fraco, este era o seu passado obscuro, principalmente quando se tratava deste período com o pai. Levantou tentando conter o choro. Deu um murro com a mão direita sobre a mesa e saiu porta agora esbravejando. O diretor Afonso Nero ainda tentou parar e acalmar a investigadora mais uma vez...em vão. Ela o empurrou e seguiu seu caminho. Sem entender nada, ele adentrou a sala com cara de poucos amigos, se debruçou sobre a mesa e apontou o dedo bem no meio da testa de Rebecca.

"Você é uma vadia louca! Eu ainda te defendi dizendo que não causava problema algum aqui dentro. E agora, olha o que você fez?"

Rebecca apenas sorriu.

"Ela é uma detetive muito durona, mas só até que se encontre o seu ponto fraco. Todos temos um, sabia diretor?"

Afonso Nero não deu atenção para aquelas palavras. Levantou a detenta pelo braço e a conduziu de volta para a cela.

Dois dias depois

Clínica Psiquiátrica Gertrudes Fogaça

A investigadora estacionou seu carro em frente à bonita entrada da clínica. Olhou para aquela fachada, saiu do veículo e subiu cerca de trinta degraus de uma escada íngreme cercada de árvores altas até a entrada daquele lugar.

Foi recebida por um jovem e simpático enfermeiro que a conduziu até o segundo andar abrindo a porta de um quarto no final do corredor dando-lhe passagem para entrar. "Fique à vontade, Deborah. Ele sentiu sua falta todo esse tempo", disse o enfermeiro antes de voltar para suas tarefas.

No interior do quarto branco e praticamente sem mobília, estava um senhor sentado em uma cadeira de rodas diante da janela aberta olhando o topo das árvores e os pássaros que pousavam e cantavam nos galhos.

"Papai?" Disse Deborah se aproximando e lhe abraçando, chorando logo em seguida.

No dia seguinte

A chuva voltava a cair incessantemente em toda a região. A investigadora Deborah Santarém, cabelos mal penteados e maquiagem borrada de tanto chorar, dirigia sem destino por uma rodovia que cortava a cidade. A chuva ficava mais forte a cada quilômetro que ela se movia. Chegou na parte alta e estacionou no acostamento da ponte sobre o rio Damares. Desceu do veículo e não se importou com toda aquela água gelada que caía, foi até o parapeito e encarou o rio lá embaixo. Atrás dela os carros passavam a toda velocidade parecendo nem se importar com aquela mulher parada na chuva debruçada no peitoril. Foi quando um estrondoso raio cortou o céu que Deborah assustou-se e virou para a rodovia. Achou que estava enlouquecendo, pois cada carro que passava ela avistava o rosto da detenta Rebecca jogando cartas que caíam pelo chão molhado. Olhou então, para sua volta, e viu vários "Às de Espadas" espalhados. Colocou ambas as mãos na cabeça em sinal de desespero, subiu no parapeito, abriu os braços lateralmente olhando para o céu escuro e...

...deixou seu corpo cair em direção ao rio Damares enquanto várias cartas a seguiam até seu corpo chocar-se com a forte correnteza.



Conto escrito por
Marcos Vinícius da Silva

Produção Four Elements
Marcos Vinícius da Silva
Melqui Rodrigues
Hugo Martins
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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