Antologia Halloween - Contos de Terror no Brasil - 1x03



Sinopse: Julia é uma garota que acabou de chegar na escola mais renomada de São Paulo, que carrega não só um nome, mas uma passado sombrio. O colégio Empire foi palco de assassinatos, depois de uma onda massacrante e brutal de bullying. O assassino? Um professor de meia idade, que não aguentava mais toda aquela maldade desenvolvida pelos alunos do ensino médio.

Anos depois, com a chegada de Julia, tudo vem à tona com a morte do professor Louis. Mas tudo parece normal, até quando Julia e os três alunos mais invejados do colégio Empire são perseguidos depois de uma noite no qual realizaram uma brincadeira de mal gosto. E agora, quem será o novo assassino?


O Mal que há Aqui
de Bruno Rodrigo


PARTE I – PSICOPATAS E SEGREDOS.

COLOQUEI O PÉ ESQUERDO NA ESCADARIA DA FACHADA DO COLÉGIO EMPIRE E FOI AI QUE TUDO DEU ERRADO. Eu, a garota nova e desconhecida, entrando na escola mais renomada deste país, com certeza iria causar algum alvoroço e atiçar a curiosidade de todos. Sempre fui assim, na moda, linda e com certeza popular, mas isso era na minha outra escola, onde o meu dinheiro parecia ser um mar. Aqui é no mínimo um restinho de água no fundo da privada.

Cada passo que dou nestes corredores percebo os alunos comentando, curiosamente sobre quem eu era e principalmente de onde eu vim. -Olá pessoal, não sou um ET. – Essa foi a primeira coisa que quis dizer, quando pisei naquelas escadas. Um pouco mais a frente, perto do meu armário, está Marcela, mais conhecida como Ma. Ma por ser má. Ridículo, não?

Não me importava se eles seriam bregas e babacas, eu só queria ter a melhor experiência nesses últimos três anos de escola, então fui gentil e obviamente burra. Marcela aproximou-se de mim e logo seus cachorrinhos aproximaram-se. Hélio, o mascote gay e a Lara, a amiga, inimiga que transa com o namorado. Como eu sei? Bom, basta prestar atenção nos becos dessa escola. E antes de pisar aqui, estudei bem onde eu estava me metendo.

O colégio Empire foi palco de assassinatos no passado e uma das vítimas foi a tia de Marcela. Ela era idêntica à antiga rainha, não só na fisionomia, mas principalmente no jeito de tratar as pessoas. Ela se aproximou de mim e me ajudou a abrir o armário. Eu sorri.

Obrigado, estava um pouco difícil. – Disse, altiva, mas com receio do que ela faria comigo.

Que isso! Esse armário foi meu durante anos e esse problema também foi eu que causei. – Sorrio, com seus lábios cheios de Botox e dentes extremamente brancos.

Hélio aproveitou a deixa e completou.

– Bom, esse defeito foi causado porque o ex-namorado dela a traiu. Como ele não estava aqui, ela destruiu o armário. – Disse, encarando-a debochado, como se esperasse vê-la humilhada.

Marcela o repreende. – Cala a boca, Hélio, ou com certeza essa língua vai parar de fazer os seus machos revirar os olhos. – Ele leva a mão em sua boca, assustado. Lara segue me analisando, como se eu fosse uma criminosa. Então guardei meus materiais e fechei o armário. Marcela queria mais, ela sabia que corria algum risco com a minha chegada, mas não fazia ideia de qual seria.

Me diz, o que acha de almoçarmos juntas? Afinal, quero conhecer bem mais da garota nova. E então? – Ela me questionou como se já soubesse a resposta. Eu a respondi. – Claro, nos encontramos no almoço. Agora preciso ir, minha aula está começando. – Me afastei, sentindo os olhares dos três me queimando como se eu tivesse com a calcinha no lugar errado.

Eu sabia que tinha um caminho longo para fazer parte daquele trio. Os motivos? Eles são populares e as melhores experiências sempre serão ao lado dos vilões. No fim do segundo tempo da aula, fui até o refeitório externo e os vi sentados numa mesa no centro do refeitório, e claro que seria bem no centro das atenções, era isso que eles buscavam.

Aproximei-me e sentei-me. Marcela olhou para mim e me questionou. – Como foi a aula? Está à sua altura? – Ela me olhava, quase me amedrontando. Lara falou pela primeira vez – Acredito que sim, afinal, você veio de escolas praticamente públicas. Sinto o cheiro de pobreza. – Sorrio, ao terminar seu comentário nada agradável e elitista. Hélio estava distraído, até que deu um pulo assustando-nos.

Ele mostra algo para Marcela, que a estremece. Então, questionei. – Algum problema? – Curiosa, quis saber o que atraia tanto os dois. Marcela disfarçou e Hélio começou a falar. – O professor Louis que matou todos aqueles alunos, anos atrás, está morto agora. Ele se suicidou na cela. Disseram que nem quiseram ouvir os gritos de socorro dos outros detentos. – Terminou, atraído de uma forma estranha sobre aquele assunto.

Marcela voltou para a mesa, ainda chateada. – Ele merecia. Esse foi um fim menos cruel. Levando em conta tudo o que fez. – Completou Marcela. Lara mexe em seu celular, agilmente. Começamos a almoçar, até que Lara deu outro pulo e descobri que eles sempre farão isso. – Ele será velado e enterrado durante a noite. Acho que tive uma ideia. – Ela disse, sorridente.

Hélio e Marcela ficaram curiosos e levemente animados. – Diz logo, estou quase voando de tanta curiosidade. – Disse Hélio, curioso. Lara fez um sinal para que todos nós se aproximassem e assim fizemos. – Vamos ao enterro e fazer algo que aquele velho nojento odiava, que é bullying. – Disse, diabólica, bem mais vilã do que Alisson de Pretty Little Liars.

Achei a ideia chocante, mas me calei por medo da retaliação. Lara completou. – Vamos enterrar a feia, que luta contra o Bullying no túmulo daquele louco. Ela nunca mais irá pisar novamente dentro desta escola e nos lembrar daquele passado sombrio. – Marcela e Hélio não julgaram a ideia, como eu. Eles ficaram reflexivos e observaram Jéssica, a garota mencionada por Lara.

Marcela sorriu e concordou. – Essa ideia é genial. A retaliação, o aviso e a necessidade de acabar com esse mimimi é muito mais forte, do que seguir as regras. Bom, já sei como será a primeira parte do plano. – Hélio concordou, sem nem mesmo dizer algo. Os três olham para mim, esperando qualquer reação ou concordância. Eles perceberam que engoli cada olhar a seco.

Eu tenho compromisso hoje a noite, não posso sair. – Disse, tentando sair dessa, mas eles não compraram a ideia. Marcela então me encarou. – Querida, você quer fazer parte do nosso grupo ou não? – Lara toma um gole do seu suco e me olha, por fim finaliza. – E então? Lembre-se que fazer parte do nosso grupo é um privilégio e evita de ser enterrada. – Eles levantam-se e saem. Eu respirei fundo, trêmula, e então fiz a mesma escolha burra de quando pisei pela primeira vez aqui e, com certeza, foi a errada.

Era tarde da noite, quando o carro parou em frente ao meu prédio. Estou tensa e totalmente cheia de receios, afinal, qual seria o próximo passo desse plano? O que iria acontecer com todos nós até o fim da noite? Eu mal os conhecia e já estava a um passo de fazer uma das maiores vilanias já presenciada por mim. Mas lembrei que se eu não fosse, com certeza, eu seria a próxima. Então peguei minha bolsa e desci.

Hélio estava dirigindo o carro de seus pais, que pegou escondido. Fiquei preocupada, afinal, ele tinha apenas dezessete anos e aqui no Brasil a idade mínima é dezoito e precisar ter carteira de motorista. Marcela e Lara estavam despreocupadas, como se eles fizessem isso desde quando nasceram. Nos aproximamos de um bairro suburbano e paramos em frente a uma casa. Ficamos algum tempo encarando o lugar, até que Jéssica saiu. Ela foi em direção ao carro. Olhei a rua e estava vazia. Logo, Marcela e Lara saíram do carro e surpreenderam Jéssica, que ficou visivelmente apavorada. Hélio saiu logo depois com um saco preto na mão e correu na direção das garotas.

Minutos depois, Jéssica estava entre mim e Lara no banco de trás, apavorada. Ela não sabia os motivos e as meninas mal se importaram em esconder seus rostos, apenas agiram, como se fossem donas do mundo. – Por favor, não sei o que querem, mas não façam nada comigo! Eu imploro! – Disse Jéssica, aos prantos. Lara riu. – Calma, sua vadia feia, o que é seu está guardado. Mas isso ainda lhe deixará respirando. – Lara estava com um olhar psicopata e Marcela a acompanhava, enquanto Hélio suava frio, com medo dos próximos passos.

Aguardamos por horas no estacionamento do cemitério. Logo, Hélio emerge do cemitério, correndo em nossa direção. Ofegante, ele diz. – Eles acabaram de o enterrar! Vamos, não tem mais ninguém no cemitério! Aproveita a terra macia. – Ele dá uma risada estranha ao finalizar. Descemos do carro e arrastamos Jéssica, que já havia se calado. Entramos no cemitério e seguimos em direção ao túmulo.

Marcela e Lara amarraram a Jéssica na árvore, depois de ordenarem que eu e o Hélio cavasse a cova do professor psicopata. Cavei, preocupada e percebi que Hélio estava começando sentir o mesmo que eu.

Me diz, quais as chances de isso tudo dar certo? – Eu disse, olhando pro lado, observando Marcela e Lara.

Tem que dar, ou seremos nós três que pararemos dentro desse túmulo. – Disse, trêmulo.

Elas não têm tanto poder assim. Podemos voltar atrás e sair disso. Essa merda é arriscada e tudo pode dar errado. – Completei, tentando persuadir, mas ele seguiu com os planos, como se elas o tivessem em cativeiro. Então continuei. Terminamos e então abrimos o caixão. Ele estava ali, podre e morto, o cheiro já não era tão agradável e tudo que eu queria era tomar um banho e vomitar.

E vomitei. Em cima do professor psicopata. Hélio fez o sinal e Lara e Marcela aproximaram-se com Jéssica, que estava amordaçada. Lágrimas de desespero escorrem molhando todo o semblante da garota, ela só quer ser salva. Lara e Jéssica param em frente ao túmulo, frias.

Agora vou te ensinar que não se deve mexer com os grandões. Passei os últimos anos da minha vida tendo que lidar com o seu antibullying e toda essa merda que você milita. – Disse Marcela, com ódio.

Vamos, Marcela. Está na hora de vingar a morte da sua tia. – Disse Lara, encantada com tudo o que estava acontecendo.

Foi neste momento que minha ficha caiu e entendi o motivo daquilo tudo. Não era só um bullying doentio. Uma retaliação. É na verdade a vingança que Marcela sempre desejou e por que não enterrar a líder deste movimento no Colégio Empire, junto com o professor que assassinou alunos cruelmente, após esses mesmos alunos assassinarem outro aluno, numa “brincadeira” de mal gosto?

Marcela então empurrou Jéssica dentro do túmulo, junto ao corpo apodrecido. – Por favor, não me deixem aqui. Não quero morrer assim, enterrada com um psicopata. – Disse Jéssica, implorando por salvação. Então, entrei e ação, partindo para cima de Marcela, mas Hélio e Lara me seguraram.

Isso está indo longe demais, Marcela. Me escuta, não vale a pena seguir com o plano. Ela já aprendeu a porra da lição. – Tentei, mais uma vez persuadir alguém daquele grupo, mas eles não eram persuadidos. Ela olhou para mim e depois para Jéssica.

Minha tia foi assassinada por um monstro, e depois disso culparam as vítimas de tudo o que aconteceu com elas. Falaram que eles iniciaram tudo aquilo, que enlouqueceu o professor e o fez matar cada um deles. Não aceito que a líder dessa merda de grupo continue compactuando com essa porra de mentira. – Gritou, histérica.

Jéssica a olhou, indignada.

Você é pior que ela. Todos sabem que ele enlouqueceu, não foi só pelo bullying, mas porque mataram o filho dele. Basta ler pra ter o mínimo da informação, mas este homem, que está morto aqui, não suportou a morte do seu próprio filho, principalmente pelas mãos das pessoas que deveriam ser amigos dele e não uns filhos da putas psicopatas. Eles mereceram o fim que tiveram. Mesmo eu sendo contra, não dá pra sentir empatia quando você também está na reta de psicopatas como vocês e como eles. – Disse Jéssica, esperando apenas o seu fim.

Marcela engole seco todas aquelas palavras e depois as cospe com todo o seu ódio, cravando a pá no pescoço de Jéssica, arrancado a cabeça dela de seu tronco. Ela estava morta. E Marcela suja de sangue. Lara e Hélio me soltaram. Perplexo.

O que você fez? – Indagou Lara, não acreditando na cena.

Ela ousou em tentar me humilhar. – Disse Marcela, fria, encarando todo o sangue de Jéssica inundar o caixão. – Fechem isso e vamos esquecer da existência dela. – Terminou, ordenando para Lara e Hélio aquela função.

Arrastei-me em direção à árvore, ainda sem ar e enojada. Eu estava envolvida na merda de um assassinato e tudo isso para estar no grupo dos populares. Não valia o preço. Enquanto Lara e Hélio seguia fielmente os mandatos de Marcela, ela aproximou-se de mim e me encarou.

Você vai abrir a boca ou irá ser nossa melhor amiga, de hoje em diante? Foi uma bela iniciação. Não gostei do questionamento lá atrás, mas posso perdoar, novatos merecem segundas chances. – Disse, ainda fria, com aquele olhar que me causava pânico. Apenas concordei e seguimos em frente.

PARTE II – O HALLOWEEN, FANTASMAS E MORTE.

O Halloween estava se aproximando, faltava apenas uma noite para a grande noite no Colégio Empire. As decorações tomavam todo o campus, as salas, os refeitórios, as quadras. Qualquer nos lembravam e anunciavam o Dia das Bruxas, que se iniciou semanas antes, depois da morte de Jéssica e dos cartazes escrito desaparecida.

Se lessem a minha mente, iriam saber que ela nunca esteve desaparecida. Sempre soube o paradeiro dela e quem eram os culpados. Aquilo me perturbou até o dia de hoje. O trio de psicopatas seguiam intactos, mas eu me afastei. Não consegui seguir com aquilo, era perigoso demais para minha própria integridade e ainda de fato era, afinal, carrego um segredo que os colocará atrás das grades.

Passaram-se as horas, os dias e, enfim, chegou à noite tão esperada. Meus pais me forçaram a ir ao baile, afinal, era o primeiro depois que cheguei nessa escola e precisava de amigos. Então menti, dizendo que iria. Mas fui para outro lugar, o cemitério. Deixei mudas de flores naquele túmulo desde aquela semana sombria. Era minha forma de tentar concertar as coisas.

Ajoelhei em cima do túmulo e comecei a chorar de soluçar. Implorei pelo perdão e agarrei a terra, sentindo-a molhada, gelada, fria. Sentindo a morte. Eu senti a dor daquele acontecimento, que me sufocava e não aliviava. Senti que só havia um final para tudo isso e era inevitável. Minhas lágrimas regavam aquele gramado morto, até que uma fumaça sombria se intensificou em volta daqueles túmulos e eu senti algo aproximando-se.

Senti algo me possuir, enquanto agarrei aquela grama, que começou a se mexer. Numa ação ágil, uma mão saiu de dentro da terra, que agarrou o meu braço. Comecei a ouvir o chamado e qual era a minha missão. A voz dizia: – É a sua hora, Julia. Atenda ao meu chamado. É seu dever. – A voz ecoava em meio a névoa. Senti algo dominando o meu corpo.

Levantei-me e vesti a máscara do psicopata dos filmes “Halloween”. Caiu perfeitamente. Andei em meio a névoa, até desaparecer. Cheguei no baile e entrei no salão principal. Eu tinha a trama perfeita e precisava usar. Observei e percebi que Lara não estava no local, nem mesmo o namorado de Marcela.

Ela estava ao meio do salão, implorando por atenção e desejando ser a rainha. Hélio a fotografava e destilava toda sua adoração. Aproximei-me e cochichei no ouvido dela o que ela deveria descobrir. Me afastei. Marcela me gravou como se eu fosse o pivô da traição. Ela logo chamou a atenção de Hélio e os dois seguiram-me pelos corredores da escola.

Ouvi alguns gemidos ecoando e deduzi que poderia ser a Lara e o Ítalo. Apontei para a sala e Marcela parou. Ela não sabia se me destruía ou se mataria os dois naquela sala. Hélio aproximou-se da porta e os viu, confirmando todas as suspeitas com sua reação. Marcela então invadiu a sala.

Filhos da putas desgraçados, eu vou matar vocês. – Disse, enquanto entrava na sala com todo o ódio sendo usado em seus passos. Ela pegou o seu salto alto fino agulha e partiu para cima de Ítalo e Lara, acertando-os com o salto. Eles tentam se defender, mas ela está histérica.

Ele tenta escapar, mas Marcela calcula errado ao deferir outra agressão com o seu sapato, ao enfiar o salto agulha dentro do olho de Ítalo, matando-o na hora. Ele cai ao chão. Ela o observa, fria. Lara aproxima-se da janela, em pânico. Ela abre e observa a altura.

Hélio ficou paralisado, sem reação. Aproveitei seu momento de distração e acertei sua cabeça com um taco que escondi sob minha fantasia, fazendo-o desmaiar. Entrei na sala e chamei a atenção de Marcela.

Você não devia ter feito o que fez, Marcela. O seu legado acaba hoje, junto com toda a maldita linhagem da sua família. Você nunca mais será adorada. – Falei, anunciando o seu fim. Ela soltou uma risada, achando-se vencedora.

Tá pra nascer a vadia que vai me... – Disse, vangloriando-se, mas antes que terminasse, acertei sua cabeça com o taco, fazendo-a desmaiar. Lara observou a cena e ficou calma, quando viu que a sua melhor amiga assassina estava desacordada. Ela afastou-se da janela e estendeu o braço até mim.

Obrigado, eu não sabia qual seria o meu fim, ou o quão doloroso iria ser. Você me... – A interrompi, dando com o taco em sua cabeça.

Ali estavam os três, desacordados, em meio ao sangue de um outro garoto morto. E então peguei minha carta e deixei em cima da mesa, contando o local onde estava o corpo de Jéssica e os motivos de ela ter parado lá. Revelei cada pedaço daquela noite sombria e então me sentei em meio aos três.

Ouvi de longe a polícia aproximando-se, com as sirenes e os carros acelerados. Eu podia realizar uma nova chacina, mas pra quê? Eles precisam pagar por isso em vida. Eles seriam até o fim os vilões e não mais as vítimas. Mas eu não conseguia seguir em frente, ali era o meu fim. A culpa havia me matado dias antes. A minha morte não tinha sido anunciada. Minha família escondeu sobre o suicídio. Ninguém da escola sabia. Eu estava ali, mas ninguém podia me ver. Era invisível.

Fiquei no canto daquela sala fria, vendo os três sendo levados pela polícia. Lara, Marcela e Hélio iriam pagar da pior forma por tudo que fizeram. Pela morte da Jéssica, do Ítalo e a minha. Eles carregavam nas mãos o sangue e as armas, todos eram culpados.

Marcela gritava desesperada e culpava-me. – Foi a Júlia. Ela nos atraiu para cá e matou o meu namorado. A culpa não é nossa. – Gritava. Um professor aproximou-se e disse.

Não, não é possível. Acabei de ter uma reunião com os pais de Julia. Ela morreu dias atrás, sem deixar nenhuma carta ou qualquer pista. Apenas tirou a própria vida. – Disse, deixando os três perplexos.

A polícia recolhe a carta que deixei na mesa do professor, colocando-a dentro de um saco plástico. Mostra-se a cena do crime. Por fim, mostram-se os três sendo levados pela polícia, atormentados com os acontecimentos. Prontos para pagarem por seus pecados.

Alguns dizem que pessoas mortas não revelam segredos.

Eles nunca iriam conseguir me calar. 

Conto escrito por
Bruno Rodrigo

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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Antologia Halloween - Contos de Terror no Brasil - 1x02


Sinopse: Zenaide é uma menina do interior, cuja família esta passando por uma séria crise. Buscando refúgio em seu lugar preferido, Zenaide tem uma inesperada revelação. 



Anunciação
de Luiz F. Haiml

“Elevo os olhos para os montes, de onde me virá o socorro?”
Salmos 121:1.2

 Sábado, após a janta, Dona Teresinha se botou a separar o arroz que cozinharia no outro dia.

Dona Teresinha já fora casada duas vezes. Agora, há quase vinte anos, vivia sozinha na pequena casa negociada da última separação. O lugar, no intercurso entre as cidades de Taquara e Santo Antônio da Patrulha, era próximo a um posto de pedágio e à beira da RS 474.

Tinha ela duas filhas, única herança do primeiro casamento. Essas, quando a visitavam, preferiam ir em dias diferentes. Raro outro parente aparecia. Algum dos poucos vizinhos, já tudo de idade como ela, às vezes ia bater papo, tomar um chimarrão ou ver se não estava “precisada de nada”. Se alternavam eles na extensão sem asfalto, que iniciava ao lado do terreno de dona Terezinha e, quase um quilômetro depois, achava a 474 novamente.

 Enquanto separava o arroz – coisa que até em casa alheia se oferecia para fazer – dona Teresinha pensava na festa de Zenaide. Seria na tarde do outro dia, domingo. Ela tinha vontade de ir, mas ainda se recuperava de um AVC, tinha que ter certos cuidados. E a casa de Zenaide, além do posto de pedágio, dava uma boa caminhada. Teria que recorrer a uma carona.

Zenaide completaria dez anos. Como a data cairia numa terça-feira, combinaram de comemorar antes, no domingo. Dizem que dá mau agouro festejar antes da data.

Pode ser até que vá mais gente, na segunda tem o feriado, Finados. Esperançava a menina.

O domingo veio, a festa se deu. Mas não foi um evento feliz. Os pais de Zenaide brigaram logo pela manhã. O pai nem almoçou em casa. Se arrumou, se perfumou, saiu. A mãe até que tentou, mas foi impossível disfarçar a tristeza, aos poucos que apareceram.

Acho que não gostam mais da gente pensou Zenaide. Não foi festa, foi velório. Nem dona Teresinha veio.  

O pai chegou, já estavam todos deitados. Os irmãos dormiam, ela e a mãe não. Zenaide ouviu os barulhos do embriagado, seus resmungos, a mãe levantando, sob ameaças, para preparar algo. O silêncio só veio, enfim, quando o pai desabou na cama.

No outro dia, por causa do feriado, poderiam ficar dormindo um pouco mais, mas Zenaide, que sempre acordava sem ninguém chamar, levantou-se, pôs os chinelos e vestiu-se o mais silenciosamente possível. Olhou por uma fresta entre as madeiras da parede de seu quarto, nada viu lá fora a não ser uma densa névoa ainda a cobrir tudo. A menina foi então à porta do quarto dos pais, espiou, sabia que não acordariam. O pai, pelo efeito da bebida, a mãe, pelo cansaço. Então ela foi, pé ante pé, até a cômoda, abriu-a e tirou dela uma caixinha.

Sempre cuidando para não fazer barulho, na cozinha pegou uma sacola plástica e enfiou nela algumas fatias de pão, uns doces sobrados da festa, um pedaço de salame e saiu. Do lado de fora, abriu a caixinha. Nela havia um cordão em ouro com uma medalhinha de Nossa Senhora. Zenaide a pôs no pescoço. Era da mãe, estava na família desde a bisavó de Zenaide. O corpinho franzino e espichado de Zenaide estremeceu. Ela fechou o casaco. Guardou a caixinha na sacola. Percorreu o curto caminho do terreno que desembocava numa estrada de chão e aí virou à esquerda.

Andou por cerca de alguns minutos até encontrar uma cerca de arame farpado. Com cuidadosa prática atravessou-a entrando nas terras de seu Almiro. Havia uma porteira mais adiante, mas ficava longe e a afastava do trajeto que ainda teria pela frente, sendo mais fácil cortar caminho por ali. Seu Almiro – que todos falavam ser meio esquisito – gostava de Zenaide como se fosse um tio querido e tinha ido com dona Nilce, sua esposa, a festa dela.

A névoa se dissipava. Sons de bugios se misturavam aos de vários pássaros. O pai vivia dizendo que já tinha matado muitos bugios, mas ela nunca tinha visto nenhum. Não muito depois da cerca, a menina chegava frente a uma trilha que embrenhava por um capão comprido de árvores fechadas. Antes de seguir por tal caminho, porém, ela pegou algumas coisas da sacola, agachou-se e se pôs a comer. Mastigava um pedaço de pão com salame, quando sentiu uma dolorida fisgada num dos dedos dos pés. Olhou rápido para baixo, por pouco não parara sobre uma longa trilha de formigas. Umas voltavam sem nada carregar e outras, que iam rumo contrário, levavam pequeninos restos. Curiosa, voltou-se para ver de onde buscavam o alimento. Perto dela, barriga para cima, um grande sabiá. As formigas saiam e entravam das tripas do bicho, arrancando-as pedacinho por pedacinho. Zenaide, enojada, quase cuspiu o que tinha na boca. Afastando-se, conseguiu terminar de comer. A seguir, voltou e esfarelou pelo chão os restos do que trouxera.

Talvez deixem um pouco o pobre bicho.

Então ela entrou pela trilha estreita, que em certas partes quase desaparecia. O lugar era escuro e úmido, a todo instante ela tinha que se desviar de galhos ou passar por baixo deles e, num desses momentos, sentiu que a correntinha se prendera. Passou a mão ao pescoço e percebeu que o fininho cordão de ouro não estava mais ali. A aflição tomou seu rosto magriço e sardento e ligeiro ela se abaixou a procurar ansiosa. Finalmente, a angústia que aumentava cada vez mais – enquanto os dedinhos, longos e finos, reviravam nervosos o denso mato em torno de si - parou. Um reflexo chamara-lhe a atenção.

A medalha de Nossa Senhora!

Mais um pouco de caminhada e a luz, até então quase bloqueada pela proximidade entrelaçada de galhos e copas, começou a descer por entre as árvores, que escasseavam cada vez mais e, quando terminaram, abriu-se, diante de Zenaide, o seu destino: um volumoso, amplo e plácido açude. A menina estivera pela primeira vez ali, quando as coisas ainda iam bem. O pai a trouxera, e ao irmão mais velho – Zenaide era a do meio – para pescarem. Ela achara a paisagem que tinha diante de si tão bonita, tão calma, que tal lugar passou a ser o seu refúgio, quando percebia que as brigas iam começar a ficar feias em casa.

Zenaide sentou-se num banco artesanal feito de troncos que seu Almiro fizera, o açude ficava nas terras dele. À direita, daquela grande porção de água onde seu Almiro criava peixe, após uma longa plantação de arroz, estava a casa dele, pequenina, encolhida pela distância. À esquerda, via-se um longo trecho da movimentada faixa, lugar de tantos acidentes, e reto a Zenaide, atrás do açude, um alto morro se erguia e se estendia tapando uma boa parte do horizonte. A menina tinha uma vontade danada de um dia conhecer o que havia depois dele.

Não muito depois de terem ido àquela pescaria, o pai começara a ficar diferente, dava menos atenção a família, por qualquer coisa se irritava, criava caso, e passava muito tempo fora de casa. Surgiram rumores, e nas redondezas cochichavam que ele estava de caso com a “alemoa” da venda, que andava apaixonado por ela. Teve uma grande discussão entre ele e a mãe. Essa queria separar-se, ir embora, mas nem tinha para onde. Ele não queria dar a separação, disse que se ela fosse a acharia e a mataria. E assim estavam sendo as coisas há uns três anos. Quando o marido da “alemoa” enfim decidiu morar na cidade, e levou a mulher junto, o pai a substituiu não por outra, mas outras, e as bebedeiras passaram a acontecer quase todos os dias. No atelier em que ele trabalhava algumas moças lucravam com suas fraquezas, e, gananciosas, o apresentavam a novas companhias.

Devagarinho foi crescendo uma raiva em Zenaide, queria que o pai se fosse, sumisse totalmente. Ao vê-lo tonar-se mais e mais distante e cruel, seu desejo só aumentava. Sabia que não era certo, mas há muito rezava para que ele mudasse, se curasse, e como não estava sendo atendida, mesmo com um peso no coração, começou a pedir a Deus que a ajudasse, então, de outra forma. Sentada no banco esculpido por seu Almiro, naquela paisagem agora iluminada e tranquila, pensava ela sobre toda a situação, quando um forte calor, inesperado, a tomou por inteira. Assolando de modo intenso a alma e o corpo de Zenaide, ele a fez perder os sentidos.

Ao voltar a si, sem saber quanto tempo ficara desacordada, a menina viu-se caída na relva. Devagar ela foi voltando ao banco, meio entontecida, a vista turva. Enfim, tudo ficando nítido, percebeu que as águas do açude, normalmente paradas, se agitavam. Com uma estranha sensação, Zenaide foi elevando o olhar acima delas, e o que viu, era semelhante ao que vira em figuras, nas aulas de catecismo. Maravilhou-se a menina, mas, ao mesmo tempo, encheu-se de um estranho temor.

Entre as alturas, que de belamente claras e azuladas, haviam se coberto com um forte cinza escuro, pairava um ser imenso. De tamanho parecia três vezes maior que um adulto. Tinha ele uma vasta cabeleira, e embora não houvesse vento, os longos cabelos cor de neve moviam-se sem parar, como serpentes. As asas eram enormes e não se mexiam, mas partia delas uma luz que, como os raios do sol, variava de tamanho, parecendo viva. Seus pés e mãos eram como chamas de fogo. Uma túnica vestia seu corpo, no entanto, parecia ser ela o corpo dele. Na verdade, nem dava para dizer se realmente tinha corpo. Não havia pelos em seu rosto – sobrancelhas, barba. Não tinha lábios. Nariz e boca eram apenas finos traços como linhas desenhadas na pele. No lugar dos olhos, apenas um intenso brilho amarelo e nada mais. Mesmo assim, a certeza de que aqueles dois buracos luminosos olhavam direto para ela, fez aumentar o medo de Zenaide.

Ave Maria, rogai por nós pecadores.... .

Então se fechou o anjo, ou seja, lá o que fosse aquilo, em suas grandes asas, e ao abri-las novamente, surgiu ele, a uma Zenaide apavorada, banhado em sangue do pescoço aos pés.

Cordeiro de Deus que tirai os pecados... .                                                              

Dona Teresinha lavava a louça do almoço, pensando se faria ou não um bolo, afinal era feriado, quem sabe uma das filhas aparecesse, ou alguma outra visita, quando ouviu os gritos que diziam seu nome. Reconheceu a voz de Zenaide. Assustada, pois já estava a par da tragédia, mas com um certo alívio - pois todos procuravam por Zenaide, que havia sumido há cerca de 12 horas - Dona Teresinha abriu a porta. A menina jogou-se em seus braços, soluçando.

 A boa senhora pensou, se a coitadinha já sabia que a mãe tinha matado o pai a facadas, naquela manhã. 

Conto escrito por
Luiz F. Haiml

Ilustração
Juliana Daniela Schneider

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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Antologia Halloween - Contos de Terror no Brasil - 1x01


Sinopse: A ave noturna, com sua visão e grito perspicazes, testemunha e denuncia um assassinato.


O Pio da Coruja
de Celso Lopes

 

O vulto veloz da ave cortou a noite à minha frente. UHUHUHUHUUUU... Não posso jurar, mas por instantes, além daquele pio lúgubre, a Coruja parecia deitar também os seus olhos grandes e penetrantes sobre a minha desabalada fuga naquela estrada escura. Assim, mais de uma vez, a ave ziguezagueou o meu caminho, acentuando com o seu pio, as nuances de uma sonoridade estranha e acusativa, como se me intimidasse de dedo em riste, e gritando e invadindo a minha caminhada no breu da noite: EU VI...EU VI.... EU VI... essa sonoridade ia me dando mostras de que a ave acompanharia o meu vulto onde quer que eu fosse, onde quer que eu andasse.

Por diversas vezes, à custa de um certo arrependimento, enxuguei com a manga da camisa, o suor frio que escorria do meu rosto naquela acentuada trilha, que, a bem dizer, não deixava ver um palmo à frente do nariz. Uma noite sombria que me acompanhava desde que saí da casa. Na estrada, por onde eu me embrenhara, várias vezes, retive o animal com as rédeas, estancando-o bruscamente, obrigando-o a me obedecer diante dos desafios da trilha esburacada, pedregosa e acidentada; ora com subidas íngremes, ora curvas abruptas por entre o mato. Nesses momentos, eu sentia falta de ouvir algo que quebrasse o silêncio além do trotar da minha montaria, mas o que martelava em meus ouvidos, mais e mais, era o agudo pio da ave, como a gritar comigo estridentemente: EU VI... EU VI...EU VI... o que me fazia, assustado, relembrar e refletir sobre os acontecimentos que motivaram a minha própria fuga naquela noite.

Nessa hora, pudesse me ver refletido num espelho, sou capaz de afirmar que meu semblante acusaria um susto medonho diante do pio da ave, que mais parecia promover uma provocação inabalável: EU SEI ...EU SEI...EU SEI... A Coruja piava dando um ar ainda mais misterioso à noite... e eu, eu sentia na minha própria pele, o mau presságio rondando a minha caminhada; havendo demônios e maldições nesse mundo, nesse instante, eu sentia a presença de todos eles, de olhos esbugalhados e atentos, traçando o meu infortúnio pela estrada. 

O coração, esse, eu sentia bater acelerado, quase a explodir pela proximidade daquele pio sem fim da ave agourenta: UHUHUHUH... Numa das minhas paradas, denunciei-me a mim mesmo. Era como se eu sofresse um ressentimento, uma amargura, um enjoo, um embrulhar do estômago; eu ali, sentia de perto um rancor pelo que fizera a ela. Remoía-me por demais, por dentro. E cheguei mesmo a dizer em altos brados, esbaforido: “ Ave do inferno...suma, suma daqui!...”.

Sim, eu me arrependia do que fiz, mas nunca, nunca, queria ser vingado por um demônio que me provocava dessa forma, imputando-me a culpa a olhos vistos. A ave, nesse instante, eu pude vê-la sobre um toco da cerca, iluminado apenas pela frágil luz da lua; Imponente sobre aquele mourão, ela, a Coruja, ali, silenciosa, os olhos grandes e fixos sobre os meus gestos no alto da montaria, o que me levava a revidar insistente: “ Xô, Xô... ave maldita.. Xô, Xô...” 

A Coruja, ali, confiante e soberana sobre o tronco, punha-se ainda mais horripilante. Talvez me desafiasse naquela escuridão da noite, em que me vencia, fácil, fácil, com a sua visão privilegiada. Ela, ali, quase a me dizer, que eu lhe adivinhasse os pensamentos. Sim, era isso, a ave, ali, parecendo revelar seus dotes de clarividência, o que me escapava ao domínio; a ave, ali, dentro da noite com o poder ver e escutar o que nós, os homens, não vemos, não enxergamos. Além disso, que eu ficasse pasmo vendo o girar do seu pescoço ao redor, o que superava, ainda mais, a sua capacidade de ter olhos para aquele espaço amplo, sem que precisasse se mover, por isso, somava, ali, visão e audição à sua habilidade de ave caçadora noturna. Ou nada disso, talvez seja mesmo, como me contaram, uma velha vestida de preto com poderes sobrenaturais, camuflada em noites sem lua no corpo de uma ave, uma coruja. Teriam, assim, poderes divinos da Coruja? Acredito que sim, por isso, enquanto todos dormem, ela se mantém de olhos arregalados, fixos e vigilantes, refletindo sobre o que escondemos, e até, enxergando, profundamente, o que queremos, em nós, os homens, deixar oculto.

A essa altura, a bem da verdade, eu ponderava a mim mesmo que não poderia voltar atrás. No entanto, ainda sem me acostumar com a ideia de que fizera o que tinha de ser feito, deveria seguir em frente! – ponderei. 

Junto a uma árvore, bem próxima ao canavial espesso, pude examinar o par de alianças, exemplarmente escondidas sob as dobras delicadas de um lenço feminino. Senti-as por entre os dedos longos em vários instantes, até que, atabalhoado pelo pio da ave e o ruído forte do seu ataque de asas em minha direção, tentei amparar-lhes a queda com a palma trêmula das mãos. Impossível o meu gesto. As alianças, ao caírem rodopiaram estrada abaixo, tilintando, tilintando naquela noite escura, continuadamente, por sobre pedras e rochas, deixando ver aqui e ali, o rastro de um brilho quase apagado ao rolarem, desamparadas, na escuridão da estrada. Ainda sem jeito e desorientado, socorreu-me o alívio e a certeza de que, só mesmo no clarão do dia, é que poderiam, as alianças, serem encontradas. Enquanto ganhava esse tempo, eu puxava o fio do novelo. Os acontecimentos agora chegavam fortes e carregados de uma rica e inflexível simbologia. A ave garantia: EU VI... EU SEI... EU VI.... Impossível não associar a queda das alianças com o corpo de Alzira rodopiando apavorada pela escada abaixo, despencando cada vez mais forte, sem qualquer apoio, degrau por degrau, até a soleira daquele piso de pedra no hall da grande sala da casa. Do alto da escadaria, assisti a tudo, impoluto, resistente e confiante do meu gesto. Acrescentei a essa imagem, ainda viva na minha mente, as marcas do sangue que tingira como uma pasta espessa e gosmenta, todo o mármore branco da escadaria.

Por alguns momentos, tudo em mim transformava-se em remorsos. Quem dera, pudesse recomeçar o relacionamento e buscar pelo perdão de Alzira? Entretanto, noutros instantes, via-me com um olhar parado naquela noite densa, a insinuar a mim mesmo que nunca, nunca, haveria de lhe perdoar a traição. E pior, ainda, traição ocorrida dentro da nossa própria casa. Nada vi, nada vi, mas eis a cisma que tive, transformada em ciúme cruel e vingativo. Por essa razão, prometi: haveria de livrar-me de Alzira e do compromisso que acreditava imaculado entre nós, diante do altar. Até que a morte nos separe!... Assim, guiado pela desconfiança, sobrepus o ciúme à frente, com o desejo de fazê-la pagar pela infame traição. Naquela noite, convicto das minhas suspeitas, cheguei obcecado pelo castigo que lhe empunharia. Sim, agora me dei conta de que ao avançar para a casa ouvi aquele piado bem próximo à entrada: UHUHUHUHUH.... Subi as escadas e arranquei-a da espreguiçadeira, sabendo que já sentia o meu ódio pela força que eu lhe impunha. Alzira debateu, refugou, se fez em gritos, os nervos saltaram-lhe à pele quando pressentiu o horror defronte da alta escadaria. Pediu clemência, implorou aos Anjos e ao Redentor, mas a obsessão, há muito, havia tomado o meu corpo e explodia pelas minhas veias. Forcei que Alzira olhasse o destino lá embaixo, tomei-lhe a aliança, e meus braços cuidaram do resto. Na queda, regada a gritos de dor, ouvi lá fora o som do bater de asas e do pio da Coruja, que ecoaram, longamente, o horror estampada na sala. Suportei a dor de ver Alzira estirada na poça de sangue. Nessa hora, adiantei-me à penteadeira em busca de um lenço, onde coloquei as duas alianças que selaram uma parte das nossas vidas. Estava vingado, assenti. Vingado no sentido sufocante da palavra. Mas se quisesse evitar o castigo que, por certo, logo me alcançaria, a fuga era mesmo inevitável.

Sob a copa de uma árvore que ladeava a estrada, apeei do animal e recostei-me ao tronco dessa heroica e única amendoeira que restara defronte àquele mar de cana. Eu viveria ali, uma ansiosa e demorada espera até ao amanhecer. Ao clarear do dia, enfim, recolheria as alianças-testemunhas do meu último gesto. Enlacei as rédeas do cavalo no mourão da cerca e nesse instante, novamente, a ave cortou a noite à minha frente, acocorando-se ágil no toco do outro lado da estrada, de onde, incomodada e insistente, emitia seu estridente grito endereçado a mim: UHUHUHUH... EU VI... EU SEI... EU VI.... Atinei em espantá-la, inutilmente. Voava e voltava. Abria e fechava suas longas asas. Enfrentava-me indo e vindo. UHUHUHUHUH... Então, como um pavor, desnorteado, empurrado cada vez maior pela ave à procura de um gesto que fosse, abri a mochila agregada à sela, e cometi, sem perdão, um ato silencioso e reservado, que ainda não havia revelado a ninguém, por conta do meu arrependimento de amor. Na fuga, em mim, vivi algo que me fez ver a própria existência pela voz tonitruante de Alzira, ao rolar na escadaria. “Naufragaste, marido insano. Duvidastes da minha lealdade. Eu, que desfaleço a seus pés, hei de seguir o que, em um sim mútuo, juramos. E tu, que te agarraste à honra, à desconfiança, ao terrível ciúme doentio, haverá de seguir só, sozinho pela noite, até o exato instante em que te medites sobre sua dívida à vida.”

Sim, essas palavras que ouvi de Alzira me conduziram à decisão, e então, com as minhas mãos ágeis e um golpe certeiro, lancei a corda no galho apropriado ao meu peso e altura. O gesto atiçara a ave, levando-a a retomar a ordem viva, vibrante e acusatória: EU VI...EU SEI... EU VI.... As mesmas mãos que, brutalmente, arremessaram Alzira escada abaixo, ali, agora, ainda no escuro daquela noite, transformaram-se em mãos de artífice, tornando esse vos fala, em um exímio carrasco de mim mesmo, executando um nó perfeito, um laço rígido que me sustentaria pelo pescoço, dolorido e quieto, diante do acentuados pios da Coruja, até o alvorecer, quando, inevitavelmente, eu seria encontrado morto; e as alianças-testemunhas descobertas em seu brilho no leito da estrada acidentada. 

Conto escrito por
Celso Lopes

CAL - Comissão de Autores Literários
Agnes Izumi Nagashima
Eliane Rodrigues
Francisco Caetano 
Gisela Lopes Peçanha
Lígia Diniz Donega
Márcio André Silva Garcia
Paulo Luís Ferreira
Pedro Panhoca
Rosside Rodrigues Machado

Produção
Bruno Olsen
Cristina Ravela


Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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E Vamos à Luta! Spin-Off





E Vamos à Luta!

Spin-off

star 15min | Comédia Romântica
Classificação: Livre
Formato: Novela / Spin-off
Autora: Débora Costa
Estreia Original: 15 out 2021 (Webtvplay)
Estrelando: Mariana Ximenes, Malvino Salvador, Paolla Oliveira

Sinopse

SPIN OFF da novela E Vamos À Luta!, originalmente exibida pela Widcyber, mas está disponível aqui, na Webtvplay.

Liz e Fábio estão de volta! Agora ele fará de tudo para tentar reconquistar o amor de Liz, e para isso contará com a ajuda do filho, Augusto, mas também irá enfrentar novos obstáculos, causados por Ingrid, secretária de Fábio, que o ama.

Curiosidades



E Vamos à Luta é SPIN OFF da novela do mesmo nome, e que você pode acompanhar todos os capítulos disponíveis aqui.


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LIZ

Liz Camargo (Mariana Ximenes)

Agora, Liz é uma mãe atenciosa e protetora, se dedica ao filho e aos negócios.

FÁBIO

Fábio Silva (Malvino Salvador)

Trabalhador, tem pavio curto, e está sempre disposto a ajudar os amigos. Ele era operário na tecelagem, mas se formou, e é advogado trabalhista.

AUGUSTO

Augusto Camargo Silva (Daniel Nini)

Filho de Liz e Fábio, é um menino de bem com a vida, e assim como o pai não leva desaforo para a casa.

INGRID

Ingrid (Paolla Oliveira)

Secretária de Fábio, que é apaixonada por ele.

PAULÃO

Paulão (João Baldasserini)

Não gosta de Fábio, e vai querer se vingar dele.