WEBTVPLAY ORIGINAL APRESENTA
OS ESTRANHOS SUSSURROS DO INTERNATO SANTA HELENA
Capítulo 01
Produção
4Elements & webtvplay
Minissérie de
Marcos Vinícius da Silva
© 2021, webtvplay.
Todos os direitos reservados.
PARTE
I - A Chegada
"Quando
o mundo dos vivos se misturar ao mundo dos mortos eu serei tudo o que
você sempre teve medo"
1920
- Vilarejo Santa Helena - Internato no alto da colina
Aquele
menino raquítico, de cabelos encaracolados e olhar amedrontador que
sempre infernizava a vida das outras crianças do internato, terminou
de escrever estas palavras em uma parede de pedra do celeiro. Se
virou para os seus "amiguinhos" e largou a pedra pontuda
com que rabiscava. Todos estavam em colunas de frente para ele à
vinte metros de distância. Encaravam-no com olhos arregalados.
Tinham medo de suas brincadeiras. Tinham receio de suas atitudes.
"1,
2, 3, bate na parede". Disse o menino de frente para a parede
rabiscada. Então virou a cabeça e os quatro amigos já estavam mais
próximos.
Havia
mais quatro rodadas e se ninguém tocasse seu ombro ao final da
contagem, ele escolheria mais um para se juntar à Anne e Richard no
quarto misterioso do segundo andar.
"1,
2, 3, bate na parede". Disse mais uma vez virando-se novamente
para os colegas. Três deles estavam mais perto e um estava dois
passos para trás.
Restavam
três rodadas. Ele tinha plena certeza que iria mandar mais alguém
para aquele quarto. Sorriu seu sorriso maléfico e voltou seu rosto
para a construção.
"1,
2, 3, bate na parede". Disse ele e...
...quando
virou-se nenhum dos amigos estavam ali. Arregalou os olhos sem
reação. Atrás do internato nuvens escuras e carregadas prometiam
chuva para qualquer momento. Um trovão cortou o céu. Ele estava
sozinho. Ele agora sentia medo. Ele pressentiu que tinha perdido.
Podia ouvir claramente as risadas das quatro crianças, mas não
fazia a mínima ideia de onde elas
estavam.
Olhou
para a floresta fechada que rodeava o internato e decidiu sair para
procurá-los antes que a chuva chegasse. Adentrou a mata quando as
primeiras gotículas começaram a cair. Ouviu as vozes chamando pelo
seu nome. Vozes que se tornavam mais nítidas. Vozes que se juntavam
aos trovões. Vozes que tomavam conta do ambiente enquanto um vento
soprava intensamente dobrando o topo das árvores.
Dois
dias depois
Passos
pesados subiram apressadamente os degraus da escada que levavam até
o segundo andar. A senhorita Mercedes, uma freira magra e alta de
cabelos negros como a noite ia na frente seguida de perto pelo padre
Roges, um homem negro no auge dos seus 50 anos de idade. Ao chegarem
no corredor escuro ambos se encolheram em seus braços sentindo um ar
gelado que tomava conta do ambiente.
"Eu
lhe disse, padre." Comentou Mercedes com uma voz rouca que fazia
as palavras saírem tremulando de sua boca.
E
então Mercedes se dirigiu para a porta vermelha daquele quarto no
final do corredor. As tábuas largas e gastas do assoalho rangiam
enquanto ela trocava os passos. Padre Roges permanecia parado no topo
da escada observando o ambiente. Puxou de dentro da sua batina um
crucifixo que carregava pendurado ao pescoço, fechou os olhos e
beijou-o, aparentando já imaginar o que havia dentro daquele cômodo.
A
fechadura dourada fez um estalo quando a mão fina e branca daquela
freira forçaram-na para abrir. Ela fez cara feia ao sentir o odor
que impregnava de dentro do cômodo. Respirou fundo e empurrou
calmamente a porta. Olhou por sobre seus ombros e notou que o padre
Roges já estava mais próximo, aflito pelo que estava por vir. No
escuro, tateou com sua mão à procura do interruptor. Quando o
encontrou não hesitou em acendê-lo.
Então
a luz amarelada iluminou aquele cômodo. Um ambiente que exalava
tristeza. Uma cama de madeira com cabeceira detalhada e com lençóis
encardidos estendidos. Na janela lateral uma cortina vermelho sangue
impedia que a luz exterior adentrasse no local e no fundo, ao lado do
roupeiro antigo, havia uma cômoda com algumas bonecas que pareciam
estarem sempre lhes observando.
"Então
este é o quarto?" Perguntou o padre Roges parando ao lado de
Mercedes na porta.
A
freira olhou ao redor e demorou alguns instantes para responder a
pergunta e também para criar coragem de entrar naquele quarto.
"Eu
ainda não me conformo que eles ficaram aqui dentro presos por dois
dias seguidos sem comer e clamando por ajuda sem que nós ouvíssemos
os seus chamados." Disse Mercedes com a sua voz peculiar.
Padre
Roges percorreu o olhar por cada centímetro daquele quarto até
fixar os olhos em um crucifixo de madeira pendurado na parede acima
da cabeceira da cama. A luz começou a piscar e o crucifixo começou
a girar lentamente até ficar de cabeça para baixo. Mercedes
arregalou os seus olhos enquanto Roges pressentiu o mal que se fazia
presente. Arrancou o cordão com a cruz de seu Jesus do pescoço e
segurou firme à frente do corpo. Risadas de crianças tomavam conta
do lugar e não demorou para que os vultos das mesmas se fizessem
presente pelo quarto. Um total de sete crianças. Todas rindo de
forma amedrontadora e fechando o cerco em volta dos súditos de Deus.
"Em
nome de Jesus!" Dizia o padre Roges enquanto apontava sua cruz
na direção dos vultos...em vão.
Um
menino raquítico e de cabelos encaracolados se aproximava cada vez
mais dele até que o padre tombou para trás caindo de costas no
chão. De imediato seus olhos reviraram e seu último suspiro pôde
ser presenciado. A irmã Mercedes, apavorada, se aproximou, mas foi
interrompida pelo vulto de uma menina loira que agarrou seu pescoço
com ambas as mãos apertando-o. Esperneou, lutou e conseguiu se
desvencilhar. Correu saindo do quarto e fechando a porta com força.
Ajoelhou-se chorando no corredor. Não tinha mais forças para
seguir. Aquele quarto. Aquele maldito cômodo estava tomado pelos
fantasmas daquelas sete crianças...e quem entrasse ali dificilmente
sairia com vida. Ela era uma sobrevivente. Deus tinha algo melhor
planejado para ela. Respirou fundo, desceu as escadas, saiu porta
afora sem olhar para trás e nunca mais pisou ali.
2020
- Estrada de terra batida
Alguns
segredos devem permanecer para sempre escondidos nas entranhas da
terra”
A
frase escrita em uma placa empoeirada na beira da estrada chamou a
atenção de Magali, uma senhora de cabelos curtos e brancos, óculos
de grossas lentes e pele enrugada. Ela virou o rosto quando passou
pela placa torta pendurada no tronco de uma árvore com o seu Fiat
147 caindo aos pedaços. Com a mão trêmula ajeitou o retrovisor e
encarou o banco traseiro, onde uma menininha loira estava agarrada em
uma boneca de pano. Emburrada. Triste. Ao seu lado no banco havia uma
mala antiga.
“Estamos
quase chegando, Alicia!” Disse a senhora ficando sem respostas da
menina de sete anos de idade, que fitava os seus olhos azuis nos
campos verdes do lado de fora.
Algumas
nuvens escuras já se formavam no céu ofuscando o brilho dos raios
solares daquela manhã nitidamente estranha no vilarejo Santa Helena.
O Fiat 147 de cor azul bebê de Magali estacionou no alto da colina
em frente à imponente construção antiga que estava intacta após
um século de vida.
Com
imensa dificuldade, Magali saiu do veículo e puxou o banco para que
a pequena Alícia descesse. Emburrada, a garota cruzou os bracinhos
abraçada à sua boneca e ficou escorada no carro enquanto a bisavó
puxava a mala para fora.
O
silêncio do lugar só era quebrado pelo canto de alguns pássaros
que sobrevoavam o casarão. Foi quando um estrondo chamou atenção
de Magali e sua bisneta. A porta grande e com detalhes emoldurados
foi aberta e uma mulher alta, de longos cabelos loiros e andar
arcado, beirando os seus 50 anos de idade e usando um longo vestido
preto surrado, apareceu sorridente convidando-as para se aproximarem
já descendo o lance de cinco degraus e
indo
ao
encontro delas
para
ajudar com a bagagem.
“Sou
Allegra Doménic” Disse a mulher sorridente estendendo a mão para
a senhora.
Allegra
Doménic perdeu o marido e o filho pequeno há 10 anos em um trágico
acidente naquela mesma rodovia que levava até o internato Santa
Helena. Sofreu todo este tempo em silêncio entrando em uma profunda
depressão que quase a levou para o túmulo. Com uma quantia razoável
herdada do marido falecido, comprou o casarão antigo datado de 1861
e reformou-o para reabrir ali o internato. Em um mês já contava com
três crianças e agora chegava mais uma, a pequena Alicia Stela.
Magali
sentiu um arrepio percorrer a sua espinha. Sua paranormalidade, que
há tempos andava escondida, parecia querer aflorar. Sua expressão
congelou e ela fez questão de não aceitar o convite de Allegra. Uma
voz ecoou dentro de sua cabeça e a fez refletir por alguns
instantes. “Salve a menina! Não a deixe! Salve a menina!”
“Tenho
pressa pra voltar” Disse Magali pegando na mão de Alicia e a
entregando para a mulher sorridente.
A
pequena não esboçava qualquer reação. Baixou a cabecinha e ficou
ao lado de Allegra. Apenas levantou o olhar tristonho e assustado
quando ouviu o ronco do motor do Fiat 147 que logo ganhou a estrada
descendo a colina.
O
amplo salão da entrada estava preservado com os móveis de 1920.
Armários grandes cobriam as paredes com a pintura escura renovada e
os lustres cobertos de detalhes e com suas luzes amareladas,
iluminavam sofás amadeirados com estofados verde musgo. Em um canto,
em frente a uma porta dupla que levava direto para o jardim de trás,
havia uma mesa grande que parecia estar posta para alguma refeição
importante.
Allegra
puxou uma das cadeiras estofadas e serviu duas xícaras de chá,
convidando a pequena Alicia para sentar. Tímida e ainda emburrada, a
garota sentou sempre com os olhinhos acesos na direção de um vidro
de biscoitos. "Está com fome?" perguntou Allegra abrindo o
recipiente e entregando um biscoito para a menina que assentia que
sim com a cabeça.
Não
demorou muito para as algazarras das outras crianças tomarem conta
do ambiente. Manu, menina morena de 7 anos e Kevin, loiro de olhos
claros de 9 anos, entraram correndo no grande salão seguidos por
Phelipe, magro, moreno de 8 anos, que gargalhava enquanto tateava o
lugar com a sua bengala, mostrando que mesmo sem visão já se
adaptava ao ambiente.
Allegra
logo fez questão de que as crianças se acomodassem para conhecer a
nova colega. Alicia observava-os de canto de olho enquanto saboreava
o seu biscoito. Foi quando as três crianças se sentaram quietas.
Manu e Kevin, com seus olhinhos arregalados, encararam Alicia, que
parecia já não se importar muito com a presença deles. Phelipe
olhava pro nada. E foi em sua face que a pequena Alicia concentrou
sua atenção de uma hora para a outra largando a xícara e o
biscoito sobre a mesa.
Allegra
estranhou aquela atitude da mais nova moradora do internato. Notou
que algo estava fora do normal. Arrepiou-se com um vento repentino
que adentrou o local e encolheu-se abraçando seus braços. "Ok,
hora de ir conhecer seu quarto", disse ela se levantando e
chamando Alicia para lhe acompanhar.
Havia
uma cama velha de madeira, uma cômoda caindo aos pedaços e um
roupeiro na parede ao lado da janela de cortinas amareladas. A mão
de Allegra pousou no interruptor de luz ao lado da porta e, de
repente, tudo clareou. Alicia, com os olhinhos esbugalhados, observou
atentamente aquele cômodo. Allegra suspirou fundo, olhou para baixo
em direção à menina ao seu lado e sorriu. "Pronto, este será
o seu quarto, Alicia. Guarde suas coisas no roupeiro e pode descansar
um pouco se quiser. Mais tarde te chamo".
Alicia
deu dois passos para dentro e ouviu a porta às suas costas se
fechar. Sentiu um frio na espinha, encarou um crucifixo de madeira
pendurado acima da cabeceira da cama e puxou sua mala para perto do
roupeiro começando a guardar seus pertences. Ouviu algazarras vindo
do lado de fora, foi até a janela e espiou puxando o canto da
cortina amarelada. Manu, Kevin e Phelipe brincavam no gramado.
Perdeu-se no tempo ali observando aqueles que seriam seus
companheiros de agora em diante.
Um
sussurro acompanhado de três fortes batidas vindas de dentro do
roupeiro assustaram a pequena Alicia. Ela virou o rosto rapidamente
para o local de onde ouviu o barulho e seu corpo congelou. Seus olhos
arregalaram-se e ela não teve forças para se mexer. "1, 2,
3...bate na parede", e ela ouviu repetir-se as três batidas.
Tudo silenciou e Alicia virou-se novamente para a janela. Lá fora,
Manu e Kevin corriam dando gargalhadas ao redor de Phelipe. Mas não
foi isso que despertou a atenção de Alicia. Além deles, na entrada
da floresta, um menino de capuz fazia sinal com a mão como que a
chamando para lhe acompanhar...