Zest




Zest

Minissérie

star 10min | Comédia Romântica
Classificação: Livre
Formato: Minissérie
Autora: Débora Costa
Estreia Original: 10 dez 2021 (Webtvplay)
Estrelando: Lucy Ramos, Kléber Toledo e Christiane Torloni

Sinopse

Betina é dona da confeitaria Sonhos, que herdou de sua mãe, e a administra com a sua irmã, Melissa, e tem dois funcionários: Juliana e Júnior.

Ela descobre que em breve terá um forte concorrente, a confeitaria Tentação, que pertence ao famoso confeiteiro Ricardo Albuquerque, filho de um famoso chef de cozinha, porém, Betina não faz ideia de quem seja o rapaz.

Ricardo viu sua carreira decolar depois de participar de um reality show, ele tem confeitarias espalhadas por todo o país, é um jovem que adora a fama que tem e sempre é visto nos eventos mais badalados. Graças a uma proposta feita da empresária de Ricardo que Betina recusou vender a sua confeitaria.

Ricardo e Betina se conhecem, ela não o suporta, enquanto ele se diverte com a personalidade forte de sua nova concorrente, e logo a implicância se transforma em amor. Isso deixa Diná, a empresária de Ricardo, se corroendo de raiva, já que Betina se recusou a vender a confeitaria, e assim prejudicando seus planos de ampliar o espaço da nova confeitaria de Ricardo, por isso ela não aceita o relacionamento dos dois.

Curiosidades



Zest (significado) - Raspinha retirada da casca dos cítricos. Rica em óleos essenciais, ela perfuma receitas sem que seja necessário acrescentar o suco.

espaço




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BETINA

Betina Soares (Lucy Ramos)

É uma confeiteira de mão cheia, herdou a confeitaria de sua mãe, e é muito requisitada na cidade. Dona de uma personalidade forte, Betina vê seu negócio ameaçado pela confeitaria de Ricardo, que ficará em frente a sua.

RICARDO

Ricardo Albuquerque (Klébber Toledo)

É um confeiteiro que ganhou fama ao participar de um reality show, sua fama se deve mais a sua beleza do que seu talento na cozinha. Ele é conquistador, sempre fica com suas fãs, modelos e famosas da TV. Sua confeitaria: Tentação, faz sucesso em todo o país.

MELISSA

Melissa Soares (Dandara Mariana)

Irmã de Betina, é uma jovem alegre, e troca de namorado como quem troca de roupa, ela também trabalha na confeitaria.

DINÁ

Diná (Christiane Torloni)

Empresária de Ricardo, ela é gananciosa, e sempre se beneficia com as confeitarias dele.

THIAGO

Thiago (Thiago Fragoso)

Amigo de Ricardo, vai gostar de Melissa







Palavras Obscuras - 1x11 - Cela Triangular


Sinopse:  Quem seria o mentor de todos aqueles crimes? O velho e astuto Dom Antônio, que as vésperas do próprio fim pretendia garantir o legado de Cassaretas? Ou a misteriosa Giovana Morelli, mulher e mãe capaz de sacrificar tudo e todos (até mesmo o patriarca Dom Antônio Cassaretas) para garantir um império ao próprio filho? Uma história recheada de intrigas e reviravoltas que promete mexer com você.



Cela Triangular
de Vanderlei Francisco da Silva

 

 – Quero uma cela triangular. – foi o que ele disse, ao saber que seria condenado.

Isso é pouco provável. – respondeu o advogado.

Pouco provável? Pouco provável era eu não conseguir minha condenação e ao que me consta isso está mais que garantido.

Sim, é verdade, mesmo com todas as apelações e recursos, a pena ditada pelo juiz foi de noventa e nove anos em regime fechado.

Ele riu ao ouvir aqueles números.

Temos leis absurdas meu caro doutor Tenório.

Os caras relutam contra a ideia de prisão perpétua e decretam 99 anos de prisão para um homem de 79 anos. Isso só faz o condenado pensar que a quantidade de legisladores que ele assassinou não foi o suficiente.

E o que isso tem a ver com uma cela triangular. – questionou o advogado.

Até mesmo um condenado, pode ser generoso com o estado, doutor. Meus contadores fizeram todos os cálculos; meus médicos fizeram suas projeções e a lógica dos números é fria e subjuga os mais patriotas, os mais justos os mais moralistas e até mesmo e sem sombra de dúvida, os mais honestos.

Ainda sem encontrar relação com o estranho querer do condenado, o defensor ficou esperando em silêncio, por um facho de luz naquele diálogo.

Não decidi ainda por quanto tempo permanecerei preso, mas, ordenei aos meus contadores que providenciem tudo para que nada me falte, mesmo que eu demore ainda vinte anos para tomar minha decisão. Minha fortuna sobreviverá, além da minha condenação – os números podem provar isso. Tenho tudo ajustado em testamento, de maneira que meu filho Bryan, de 58 anos, meu neto Wiliam que está com 36 anos; e o pequeno Antônio, de 14 anos; essas três gerações, que carregam meu legado, sejam imunizadas contra a falta de dinheiro; e isso fará fazer valer a vontade deles.

Não entendi onde quer chegar, dom Antônio! – disse o defensor.

É simples doutor Tenório, bem simples.

Ele retirou de uma das gavetas uma pasta branca com um calhamaço de folhas e entregou ao advogado.

Leia com atenção! Essa é minha proposta, ou minha solicitação, ou se preferir minha contribuição com o estado. Aí está minha oferta para que o estado pague parte de suas malfadadas negociações – dinheiro limpo doutor, livre de impostos fruto de bons e produtivos anos; duvido que por tanto dinheiro o governador não construa, a título de gratidão minha cela triangular.

Quer que leve isso ao governador?

Sim. Pois segundo me consta amanhã estarei preso, não poderei fazer tal mimo.

Sim senhor! – foi o que respondeu o defensor.

Dez dias depois, na ante sala do Palácio do governo, um dos secretários atendeu o doutor Tenório Guterres Lemos.

O governador vai recebê-lo doutor Tenório, entre por favor!

Ao entrar no gabinete, para surpresa dele, o governador não estava sozinho.

O pároco da comunidade estava ali numa conversa litúrgica com o governante; e após procedidas as formalidades do encontro o doutor Tenório expressou objetivamente as razões pelas quais estava ali.

De pronto, e como se não soubesse nada sobre o assunto, o governador pendeu para o bom senso, alegando não poder aceitar o dinheiro de um condenado pela justiça; referindo-se ainda a sordidez psicótica dos crimes cometidos.

Não é prudente aceitar esse dinheiro – argumentou o governador.

Dinheiro limpo – disse o advogado – todos os procedimentos legais de fisco, e declarações necessárias foram devidamente protocolados.

O religioso, que até então só assistia, decidiu opinar.

O governo não pode jogar nenhum dinheiro ao vento governador; o povo precisa, o estado está falido. Independente desse dinheiro pertencer a um homem de coração frio e cruel, ninguém pode tirar desse homem o direito de aplicar esse dinheiro para o bem dos mais necessitados – lembre governador, os caminhos de Deus são muitos, nenhum homem pode interferir na vontade de Deus. Essa pode ser a forma com que Deus decidiu curar o coração desse homem e abrandar as necessidades do seu povo.

O governador segurou os documentos por alguns instantes ainda, ponderou, retirou a caneta do bolso e assinou.

Depois, chamou o secretário e ordenou que o fato fosse publicado nos meios oficiais com toda a transparência. E de volta ao assunto os três homens se entenderam, e o governador e o pároco, garantiram ao doutor Tenório:

Em sessenta dias dom Antônio será transferido de prisão, e na nova prisão haverá um Cela Triangular.

É justo, pois o próprio Deus é trino.

Em 29 de fevereiro de 1999, dom Antônio Cassarretas foi transferido para uma prisão de segurança máxima e ocupou a única Cela Triangular que ali existia.

A cela media 40 metros quadrados em formato triangular. A frente norte permitia boa iluminação solar, e reunia em seu interior móveis e utensílios que garantiam conforto e segurança à solidão de dom Antônio.

As paredes atendiam a um pedido de dom Antônio, fugiam ao padrão e não eram na cor branca, mais que isso, as paredes eram sem qualquer acabamento.

Por que um triângulo perfeito com paredes imperfeitas? – foi a pergunta do inspetor Matias.

Parece que o velho pretende pintar algumas telas. – explicou a assistente social.

O inspetor torceu o nariz inconformado.

Psicopatas, não gosto deles!

O inspetor não estava conformado; passara dois anos investigando as empresas e a vida de dom Antônio; e tinha um saldo negativo.

Dois anos de auditorias, inserções fiscais, uma equipe de trinta auditores e nenhuma irregularidade nas transações empresariais do maldito Cassarretas. E quando toda a sociedade preparava-se para aclamá-lo como empresário do ano, o velho homem assume o sórdido envenenamento de onze deputados e três senadores em sua própria festa de aniversário.

Psicopatas, não gosto deles! – repetiu.


A primeira Tela


Dom Antônio tornou-se um número apesar de todos os privilégios que podia comprar; e nunca deixou de usar o terno italiano bem alinhado. Nos romaneios da penitenciária Alvorecer, ele era citado como o preso 776.

Era assim que o agente responsável pelas correspondências que chegavam aquela penitenciária, redigia as etiquetas que seriam colocadas nos envelopes e nas caixas com encomendas destinadas aos detentos, apenas um número; isso tudo depois de serem minuciosamente revistadas em seus conteúdos.

Naquela manhã dom Antônio recebera tintas, pincéis, canetas coloridas, lápis e telas – material de primeira, ferramentas de trabalho para nenhum mestre da pintura apontar defeito.

Abuso de poder – comentou o agente, com a colega.

Fale baixo e faça seu trabalho – disse a moça – não vai querer perder seu emprego por causa de um ideal, não é mesmo?

Não. Mas que aí tem bem umas três vezes nossos salários, isso tem.

Ela riu.

Não seja exagerado.

Não sou! Veja essa nota.

Ele mostrou aquela DANFE para ela e concluiu meio desolado.

Três telas médias, modelo A-38/pegasusR1000.

Olhe esses preços, que porcaria é essa? E quem paga um valor desses para um doido rabiscar tintas pra todo lado e chamar de arte?

Ela tornou a rir.

Vá para casa Deniz, faça sexo com sua mulher, relaxe e esqueça dom Antônio, ele é só um velho milionário, que decidiu viver seus últimos anos na própria prisão.


Ele estava ansioso.

Abriu as caixas, separou os materiais e conferiu tudo.

Perfeito, em ordem e na qualidade que ele esperava.

Agora comece Antônio!” – disse a si mesmo.

Apanhou a caneta e escreveu:

Carmélia era a mais viçosa, a mais alegre e a mais encantadora dentre todas; eu era o mais atlético, o mais promissor e o mais rico dentre os seus pretendentes, nenhuma lógica poderia nos separar, nenhuma lógica poderia alterar nossos caminhos para que não fossem lado a lado.

O amor?

Ora, o amor é um adereço de luxo, que os pobres insistem em colocar acima de tudo por não possuírem mais nada.

Meu professor de química dizia confiante:

Antônio, a natureza às vezes é cruel com um homem. Basta a genética não conciliar muito bem os elementos na hora H e pronto; está feito o estrago. O pobre infeliz nasce com o nariz torto, vesgo, ou raquítico; e só por isso passará a vida toda sendo rejeitado; por mais talentoso, por mais carinhoso, inteligente e gentil que seja; será rejeitado, humilhado e até hostilizado por elas. E isso só será superado se o pobre infeliz, buscar para si, os aliados mais apropriados, e nessa guerra – química, biologia e matemática são imbatíveis meu jovem.

A química principalmente; é dela que dependem os fabricantes de vinho, sabia disso? E um vinho...um bom vinho servido numa hora de insegurança para uma mulher segura, fará com que ela não perceba o perigo que lhe escorre pela garganta; e ela beberá como Lilith, senhora de si, sem saber para onde estará indo. Um bom vinho meu jovem, despe as mulheres adultas melhor que seus próprios maridos – e perverte as jovens, atiça a necessidade delas em refazer fronteiras.

O homem belo, serve-se do vinho para ser servido pelas mulheres – o homem feio serve-se do vinho, para que as mulheres não percebam, que o desajustado, não lhes é conveniente.

Vinho, meu jovem; é química a favor do homem, desde que esse homem saiba utilizá-lo da maneira conveniente.

E depois de recordar ele escreveu:

Obrigado professor e me perdoe também.

Aprendi senhor, que guardar as lições que nos são ensinadas é o mínimo que podemos fazer para honrar nossos mestres e que aplicar essas lições é eternizar nossos mestres.


O carcereiro da ala cinco, sentia-se um privilegiado; aquela era a ala mais limpa, mais organizada e menos tumultuada. O dinheiro do presidiário 776, bancava e mantinha o local num patamar surreal.

O almoço dos presidiários chegava diariamente, vindo de um dos restaurantes de dom Antônio, e os demais prisioneiros chamavam, aquela, a hora da nobreza.

Um afeto paternal, registrado sob um dos mais hediondos crimes do Cassarreta.

Ele escreveu ali:

Meu amigo do silêncio do sol, me ajuda sempre. Confio nesse jovem por sua presteza desinteressada, por sua obsessão em fazer o certo; isso é fidelidade das alturas, angelical. A nobreza dele vale minha obra, minha dedicação e meu legado.

Hoje ele trouxe o endereço; trouxe os detalhes do local. Disse-me sobre os costumes da família, das saídas e chegadas, dos donos da casa; onde dorme a senhora Lucia da luz, o senhor Adalberto de Siqueira Andaluzia da Luz, de seu jovem e infeliz rebento, retardadinho.

A segunda tela afixada em uma das paredes da cela triangular de dom Antônio, tinha a figura de um menino autista olhando o mundo de cabeça para baixo.

Sob o quadro a legenda desconexa.

Liberte um homem e descobrirás o potencial criminoso dele, prenda-o, e ele lhe ensinará todas as técnicas para o exercício do crime; e no fim, lhe cobrará as lições ensinadas, em pequenos bônus de salvo conduto.”


Naquela manhã Denis estava mais revoltado que o de costume; entrou em silêncio e não cumprimentou ninguém.

Não temos culpa pelo que aconteceu ontem à noite na penitenciária – disse a policial.

Não estou culpando ninguém, só não vou distribuir sorrisos, por aí – respondeu ele – você sabe, os crimes que acontecem naquela ala, nunca são decifrados, e quando são, os culpados apenas somem ou são transferidos; ou enlouquecem, perdem a memória...ali o maldito Cassarretas manda nos vivos, nos mortos, nos livres e nos presos. Trabalho mais dois anos e deixo a corporação; mas juro a você que ainda descobrirei quem está sob o comando do Cassarretas e quem é o verdadeiro assassino daquela ala.

O velho está pagando pelos crimes que confessou e já é o bastante, deixe-o pintando suas telas psicóticas e decorando aquela cela, como quiser.

Você pensa mesmo isso?

Claro que sim – diz ela – o velho está incomunicável com o mundo lá fora, as câmeras filmam até mesmo quando ele tem uma ereção, ele não tem como fazer parte desses crimes.

Dora, você às vezes parece uma adolescente – resmungou ele.

Pegou o coldre, ocultou sob o blazer surrado e foi saindo; estava na porta quando disse:

Estarei no escritório da empresa do desgraçado, hoje será o dia da posse do novo presidente.

Você foi convidado?

Engraçadinha, há dois anos; se quer mesmo saber, foi o Excelentíssimo senhor juiz dessa comarca que me enviou o referido convite.

Então é verdade isso? Esse negócio de você ser um recruta do juiz dessa Comarca?

Esse povo fala demais – mas, é mais ou menos isso sim.

Ele ligou o carro e saiu devagar pela avenida movimentada. Ainda podia ouvir em sua mente as palavras objetivas do juiz.

Quero que grude na família Cassarretas, cada passo deles, cada movimento de pai, de filho, neto, quero todos sob seus olhos.

Precisamos de uma prova concreta para colocar o culpado por aquela chacina, atrás das grades – mas lembre-se, se falhar, estamos todos fodidos, a sociedade cairá como abutres em cima da gente e o maldito acabará saindo como o grande benfeitor.

Dois anos.

Nesse período ele não conseguira sequer uma multa de trânsito contra os Cassarretas, e para piorar sua imagem aquela repentina confissão psicótica de dom Antônio. Era como se o maldito, tivesse pressentido que teria seus crimes desvendados e do nada optasse por dar em si mesmo um golpe de misericórdia.

A escolha por uma confissão em um templo religioso, durante uma cerimônia de batismo, num suposto surto de bipolaridade, num gesto anacrônico; fora o único, mas, apropriado motivo para que os advogados pudessem elaborar um plano de defesa para dom Antônio – no final uma decisão polêmica e sem sustentação.

O réu confesso, quer ficar recluso – a justiça por conveniência, dita a sentença e manda prendê-lo; a defesa para sustentar a inocência dele e por consequência preservar o patrimônio da família, transfere à própria justiça a obrigação de buscar garantias clínicas da sanidade do réu – o que de pronto – seria tido como complemento de prova contra si mesmo, fato que, por fim faria do réu uma vítima inocente da própria insanidade.

Ciente do imbróglio, dom Antônio subsidia a própria estada na prisão – sabendo que o tempo lhe seria favorável, pois as provas contra ele chegariam tardias e a ausência delas, eram agora convenientes aos seus propósitos.

Dora abandonou o jornal sobre a mesa e falou num desconsolo:


Desperdício; uma equipe de advogados desse nível, apenas para afirmar que o réu é maluco, tão doido que exige a própria prisão!

Às vezes penso que talvez esse velho não seja o autor de todos aqueles assassinatos – disse o inspetor.

Pensa mesmo isso, senhor Nilo?

Ela tinha aquele costume de chamá-lo de senhor; era devido à idade dele já bem avançada; quase quarenta anos prendendo gente de todos os tipos, ele parecia farejar os grandes assassinos.

Pois concordo com o senhor, ele parece mesmo estar protegendo alguém. Mas quem?

Nilo esticou os pés sobre a mesa e pensou alguns instantes, parecia conversar com o silêncio.

Dora, minha querida, é tudo muito óbvio, e talvez por isso nada faça sentido. Dom Antônio tem um filho, um neto e um bisneto.

Com exceção do bisneto que tem apenas 14 anos; o filho e o neto tem idade e motivos óbvios para cometerem aqueles crimes.

Impossível! - disse Dora - Eles estiveram em todas as comemorações e em todos os brindes; beberam junto com as vítimas. E estão vivos.

É bem aqui que perdemos o rumo. Pois até mesmo o vinho que o réu alega ter envenenado, está limpo. Nada, nem a comida e nem a bebida; nenhum sinal de envenenamento.

Mas o fato é que aqueles onze homens estão mortos. – Concluiu o policial.

O inspetor Nilo era um homem pragmático.

Ele não estava convencido das provas até então, expostas no tribunal.

Se os peritos não encontraram sinais de veneno – então é porque aqueles homens já chegaram mortos para aquele encontro.

Acha que foram envenenados fora dali? – indagou Dora.

Mais que isso, eu diria até, dias antes.

E a morte em grupo, fica por conta do acaso, da sorte ou do azar dos nossos deputados?

Não. Acredito nesse garoto, acho que ele desvendará esse mistério.

O Deniz? – pergunta Dora.

Sim, ele é obstinado, isso o colocará no rastro da verdade. – diz o policial.


Ele abriu a porta do carro devagar e desceu sem tirar os olhos do hall de entrada do complexo de escritórios da Cassarretas Importações S.A; os cuidados eram sempre os mesmos. Ele observava por dez minutos todo o movimento ainda à distância e só então entrava no complexo.

A jovem recepcionista o conhecia, sabia de sua obsessão por informações.

Ela retirou a pasta branca da gaveta de sua escrivaninha e entregou a ele.

Aqui estão todos os nomes de quem entrou até o momento na empresa para conversar com os diretores principais. E também os que ainda virão, na lista de agendamentos.

Ele pegou a pasta e disse formalmente:

Obrigado, Lúcia.

De nada.

Ah! Nos agendamentos, vai encontrar um nome assinalado com um asterisco.

E do que se trata?

Essa pessoa jamais esteve nessa empresa. – respondeu a moça.

Obrigado menina, você é muito boa no que faz.

Ela riu, com o elogio, mas não conseguiu controlar o calor que lhe enrubesceu o rosto.

Obrigada. – disse, ainda.

Ele entrou em sua pequena sala, trancou a porta e só então abriu a pasta. Correu os olhos por toda a lista de nomes já conhecidos e foi parar naquele nome em especial, aquele com o asterisco que a recepcionista falara.

Giovanna Morelli.

Ao lado do nome, além do asterisco, a informação de origem; empresa e local.

Víveres e Cores – Milão – Italy.

Uma inquietação sem controle se apossou dele.

Vasculhou as gavetas rapidamente até encontrar a pequena agenda de capa verde musgo. Folheou e percorreu nome por nome até encontrar o que esperava.

Ligou para a telefonista.

Coloque-me na linha com Gilceia Virella.

A jornalista?

Essa mesma.

O tempo foi curto.

Gilce, é você?

Sim.

Gilce querida, sou eu, o Deniz.

Ela deixou escapar uma risada calma; Deniz, por onde você andou esse tempo todo? Eu devia imaginar.

Imaginar? – indagou ele.

Sim; já se vão dois anos e ninguém achou de me telefonar no meio do banho, especialidade sua né!

É o gosto pela paisagem. – retrucou ele.

O que você quer, seu psicopata?

Ainda reside em Milão?

Mantenho um apartamento lá; mas não fico muito por lá, sabe jornalista né.

Sei; conhece Giovanna Morelli?

A designer?

Sim essa mesma.

Vou entrevistá-la hoje.

E onde será isso?

No Cassarretas, mas, o que você quer?

Que me apresente a ela?

Quê?

Preciso que me apresente a ela.

- Com que pretexto? Sou apenas uma entre as cem jornalistas que tentaram falar com ela hoje. Impossível.

Sou responsável pela segurança do evento, e também pela segurança de Bryan Cassarretas, digamos que eu e ele viajamos juntos com muita frequência, o que acha?

Ainda não vejo em que isso vai mudar minha vida – disse ela.

Posso convencer o príncipe a conceder uns instantes de conversa inútil antes do jantar; digamos um pequeno atraso de uns vinte minutos.

Isso colocaria suas concorrentes fora de combate por uns minutos, o que lhe permitiria uma entrevista exclusiva com a nossa estrela.

Sendo assim, posso dar um jeito – disse ela.

Obrigado.

Querida, sabe do senhor Bryan?

Ele ainda não chegou, Deniz.

Sabe que horas chega?

Não, ele não me deve explicações.

Ligue para ele, diga que é urgente; questão de segurança.

Está bem, ligarei, aguarde na sala, não devo permitir ninguém ao telefone aqui no balcão.

Retornou para a sala e aguardou; foram poucos instantes e telefone tocou sobre a pequena mesa de vidro.

O senhor Bryan, na linha – disse a jovem.

Obrigado.

Bom dia doutor Bryan, me perdoe mas, vamos ter que conversar sobre algumas mudanças para o evento de hoje; questão de segurança mesmo.

Entendo – disse o homem – ajeite tudo aí e venha até minha casa!

Ele desligou o telefone e respirou fundo; as coisas estavam saindo como ele queria.

Por um instante ele recordou as palavras de seu avô. Um delegado das antigas, cheio de manias e superstições.

Se vai querer um dia ser um investigador; aprenda a duvidar do óbvio. Aquele que mata por prazer pensa como uma criança e trabalha como um cozinheiro, o primeiro depende da mãe, dos ensinamentos dela, da comida, dos carinhos dela, e dos princípios morais que ela lhe planta – o segundo, admira aquela mulher, tanto que, saudoso do tempero da comida dela, tenta reproduzir em cada prato o cheiro e o tempero da última refeição que aquela mulher lhe serviu.

Retornou ao mundo real com um dos seguranças parado à sua frente.

Mandou chamar senhor Deniz?

- Sim, Hélio. Preciso que fique por aqui por umas três horas. Ligado em tudo, anotando tudo e identificando todos.

Sem problemas senhor.

Às 10:45 ele estava entrando no pátio da mansão de dom Antônio.

Ele desligou o motor do carro e aguardou até que o mordomo aparecesse.

Doutor Bryan disse que o senhor pode subir. – informou o mordomo.

Ele já não lembrava mais de quantas vezes subira aquelas escadas.

Desde então, todas as vezes que o homem o recebia era a mesma situação, o mordomo, aparecia informava o que tinha para informar e desaparecia; e então ele subia as escadas.

Bryan o esperava na biblioteca.

Pragmático e inexpressivo, o filho de dom Antônio era uma espécie de incógnita familiar; vivia um casamento falido com a neta de um magnata de Florenza. Sua vida limitava-se ao boliche, e aos negócios. Ele expandira em todas as direções, lazer, alimentação, cosméticos, esportes...para todos os seguimentos o nome Cassarretas figurava graças a visão obcecada de Bryan Cassarretas.

Entre! – disse ele.

Com licença, doutor.

Ele apontou para a poltrona.

Deniz ajeitou-se na poltrona e esperou.

Conte-me, o que está acontecendo inspetor.

Irei direto ao ponto senhor.

Por favor.

Com a prisão de dom Antônio será inevitável iniciar o congresso sem que existam centenas de jornalistas desesperados naquele jantar. Eles vão cercá-lo e também não darão sossego à sua convidada italiana.

Giovanna. – disse Bryan.

Sim, essa mesma senhor.

E o que você pensou, expulsarmos os jornalistas?

Quase isso, senhor. Na verdade, pensei numa quebra de protocolo. Sua família toda estará presente nesse evento, não podemos correr o risco de facilitar para esses sanguessugas.

E o que você sugere?

Sugiro que na metade da tarde a imprensa seja informada que o senhor concederá uma entrevista coletiva no saguão do Villenium, para falar sobre as últimas decisões da justiça e também sobre a saúde de dom Antônio.

No Villenium? Esse hotel é do outro lado da cidade! Isso vai causar um enorme transtorno.

Essa é a proposta do doutor. Esgotar as perguntas da imprensa e dispersar parte dos jornalistas.

Bryan levantou-se e apontou para ele de maneira desafiadora.

Faça isso acontecer e será promovido a delegado.

Antes de deixar a sala ele deparou-se com várias caixas de tintas e pincéis.

O senhor também é pintor doutor?

Não inspetor; meu neto de quatorze anos parece que saiu a dom Antônio. São dele essas caixas.

Ao longo do corredor ele notou que o garoto parecia mesmo um veterano na arte, pois os troféus e diplomas de honrarias em nome do pequeno Cassarretas se multiplicavam na parede.

Ao entrar no carro ele telefonou para Dora.

O que você quer – perguntou ela.

Lembra que você disse que a única informação em comum das vítimas da chacina é que todos participaram de um leilão?

Sim.

E sabe que leilão foi esse?

Um leilão de obras juvenis, na ocasião foram leiloadas obras de um tal de Ginno Morelli.

Tem certeza que é esse o nome?

Sim, todas as vítimas tinham algum quadro deste pintor.

Ele emudeceu por um instante e desligou.

O próximo passo era encontrar Gilcéia.


Proximidades de algum hotel de luxo da cidade, 15h35 minutos.

Alô!

Preciso falar com você agora, posso subir?

Aguarde aí embaixo já desço.

Ela desceu em seguida.

O que está acontecendo?

Dependendo do que você me dizer acho que estou a dois passos de descobrir quem é o assassino daquele grupo de políticos.

Todos sabem que esse caso está resolvido, o velho Cassarretas está preso por ter confessado aqueles crimes – disse ela.

Pois é, mas a polícia nunca deixou de trabalhar na possibilidade de ele estar protegendo o verdadeiro assassino.

Qual a relação de Giovanna Morelli com a família Cassarretas? O que você sabe?

Onde você quer chegar Deniz?

Ginno Morelli. Esse nome lhe diz alguma coisa?

É o bisneto de dom Antônio – diz ela.

Sabe que o garoto é pintor?

Sim, sei sim.

O garoto é um prodígio, expõe quadros em diversas galerias pelo mundo; porém é problemático ao extremo e não se adaptou nas escolas convencionais. Foi criado pelo avô, e se envolveu em diversas brigas e até algumas situações bem violentas, nada que o dinheiro do avô não tenha encobertado, como o episódio do estupro de uma garota inglesa numa festa teen.

Ainda não entendi onde você quer chegar?

O garoto só produz seus quadros sob encomenda; e só os assina na hora em que entrega ao cliente que fez o pedido.

Muitos pintores modernos trabalham assim. Não vejo problema algum nisso.

Nem eu; o detalhe é que o empresário do garoto exige duas coisas no mínimo excêntricas para a produção do quadro.

Para assinar a obra o proprietário precisa contribuir com uma pequena amostra do próprio sangue para que o artista misture a tinta com a qual assinará a obra.

A outra cláusula é que o quadro jamais poderá ser comercializado, exceto com o próprio artista; e isso vale também em caso de morte do proprietário da obra, que não poderá deixá-la aos herdeiros, posto que o único herdeiro da obra é o próprio artista.

Como sabe disso tudo?

Dois anos de trabalho junto àquela família.

Mas até ontem eu não sabia que o empresário do garoto chama-se Giovanna Morelli, você sabia disso, Gilce?

Não. Mas talvez tenha a informação que você procura. Giovanna Morelli é a mãe do garoto e está aqui para reivindicar os direitos do menino na herança de dom Antônio. – explicou Gilce.

Ele pensou por um instante e tornou a falar.

Na condição de mãe e empresária do garoto, ela o acompanha em todos os eventos e até mesmo na entrega das obras, que é quando o garoto assina as obras, certo?

Sim, ela transformou a assinatura dessas obras num evento de marketing extraordinário. – responde a jornalista.

Só que esses eventos jamais anunciaram que ela é a pessoa responsável pela coleta de amostra de sangue do comprador da obra. Certo?

Isso pode estar ligado à morte daquelas pessoas todas?

É possível. Veja, as onze pessoas mortas eram todos políticos; todos possuíam uma obra de Ginno Morelli, adquirida num leilão em que somente políticos participaram. Eles adquiriram as obras lá, as obras foram assinadas no ato do arremate, e todos os compradores submeteram-se a coleta do próprio sangue para que o artista assinasse sua obra. Curiosamente, a enfermeira responsável por essa amostra sanguínea não poderia deixar de ser alguém de plena confiança; nesse caso a mãe do artista, a empresária e conhecida enfermeira do exército italiano Giovanna Morelli.

Isso também explica o fato de os peritos jamais terem encontrado indício algum de envenenamento das vítimas conforme o relato de dom Antônio.

E como se explica as mortes?

Simples, todos foram envenenados antes, num outro momento, ou seja no dia do leilão.

Nossa enfermeira ao coletar as amostras de sangue, injeta num primeiro momento uma pequena dose; um composto a base de benzeno que ficará armazenado no tecido gorduroso da vítima até o momento em que em contato com outro elemento estrategicamente acoplado a algum alimento desencadeará a ação do veneno.

E esse desencadeamento ocorreu durante o referido jantar ao qual dom Antônio se referiu para confessar o crime? – Indagou Gilce.

E por que ele faria isso?

Porque dom Antônio já sabia que a mãe do garoto estava agindo dessa maneira para garantir que as obras retornassem ao seu poder. Ou seja, ela vendia as obras do filho, garantia através de contrato o retorno das obras ao próprio artista, e acelerava esse processo providenciando a morte dos proprietários das obras.

E o que pretende fazer com essas informações? – perguntou ela.

Entregar ao delegado, mas antes quero falar com dom Antônio.

Posso publicar isso? – perguntou Gilce.

Eu acho que lhe devo um presente de aniversário, não é?

Dois. – respondeu ela – mas o outro, vou cobrar na festa da sua promoção, futuro delegado!


Fim





Conto escrito por
Vanderlei Francisco da Silva

Produção Four Elements
Marcos Vinícius da Silva
Melqui Rodrigues
Hugo Martins
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


REALIZAÇÃO

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Palavras Obscuras - 1x10 - Assassino à Moda Antiga


Sinopse: Luana, cúmplice do namorado Raul, psicopata, perverso e narcisista, se vê às voltas como cúmplice, ocultando seus crimes. Sendo esse o terceiro episódio do seu amado, Luana não sabe que atitude tomar diante dos recorrentes episódios de violência que Raul se envolve. Ela conta com um acompanhamento da psicanalista Leticia, mas surpreendentemente o destino a coloco em frente a inspetora de polícia Betina, logo após o último crime de Raul.



Assassino à Moda Antiga
de Gabrielle Mastella de Oliveira

 

Naquela manhã acordou com uma agonia, sentia muita falta de ar, podia ser que um novo ataque de pânico estava próximo, desde seu último episódio procurou aumentar em mais um turno suas sessões com Letícia. Ofegante e bastante suada, Luana levantou bruscamente e saiu correndo em direção ao banheiro, à náusea fora tão forte que parecia ser vômito, mas não. Sentou-se sobre a privada e começou a respirar, prontamente o bip do celular anunciava que deveria despertar-se, já não sabia o motivo de ajustar o time, uma vez que não mais havia conseguido dormir sossegada. Encontrar aquelas coisas estranhas, desconexas escritas naquele diário de Raul, tornou sua vida mais difícil, nunca imaginou que aquelas poucas páginas mudariam sua vida.

Sem muito desligar-se, entrou para o banho, precisava estar despertar, estar ativa para poder atender seus pacientes com a mesma dedicação, carinho e competência de sempre, além de almoçar com uma amiga, recém-separada, precisava estar para os outros, não mais desejava pensar naquelas páginas, aquela leitura havia mudado a sua vida. Talvez se não tivesse procurado tanto por uma possível amante estivesse a salvo de descobrir aquele segredo. Agora o que precisava era uma forma discreta de levar a vida, sabendo da verdade. Não imaginava o quanto tudo aquilo poderia desconcertar as coisas, tinha a relação perfeito e em apenas alguns meses estaria casada com seu grande amor, como poderia desistir de tudo apenas por algumas páginas rabiscadas e talvez fruto de alguma fantasia, afinal Raul era conhecido por escrever muito bem e ser um exímio contador de histórias, poderiam aquelas páginas serem frutos de algumas taças a mais de vinho e muita criação, quem sabe?! Assim preferia comprazer seu íntimo acreditando apenas na sua verdade.

Dessa forma saiu rumo ao trabalho. Aguardava ansiosa a chegada da sua carona, quando percebeu que uma chama insistente, um número desconhecido, resolveu atender. Naquele instante suas pernas ficaram trêmulas, era a secretária de Raul pedindo sobre seu paradeiro, fazia uma semana que ele não aparecia no fórum. Um tanto constrangida, Luana respondeu que a princípio estava tudo bem e que Raul esteve com fortes dores de cabeça e acometido da crise de pânico costumeira, aquela que no impossibilitava de sair, algumas crises se estendiam por mais de quinze dias, mas com as sessões de terapia e os medicamentos, rapidamente eram controladas e dessa forma ele retomava as atividades forenses como se nada tivesse acontecido, sempre fora assim. A secretária, mais tranquila, encerrou a chamada telefônica pedindo que Luana avisasse Raul que algumas autoridades policiais compareceram no Fórum com um mandado, solicitaram o depoimento do magistrado para fins de esclarecimento pelo desaparecimento de uma jovem. Mais uma daquelas situações que Raul costumava arranjar para si depois de suas noites de orgias, era sempre a mesma dinâmica.

Estava tão acostumado a Raul , que nem ao menos tentava discutir sobre os detalhes daquele tipo de diversão que mais parecia pertencer a outro homem, não ao seu Raul, um homem delicado, empático e amável. Aquelas coisas todas pareciam não estar relacionada ao homem que ele havia escolhido para compartilhar sua vida, ou pelo menos ela tinha um homem com personalidade duplicadas, algo que sua psicanalista insistia em explicar, discorria sobre o fato, mas Luana decidida que poderia modificar algo preferia mentir para si mesma, mas as coisas parecia haver saído do controle, o noticiário anunciava um novo desaparecimento e Raul, há uma semana longe do fórum, tudo corroborava para a veracidade do que ela havia encontrado escrito naquele diário medonho, nefasto, que ela carregava de um lado para o outro, temendo que outro alguém encontrasse e fizesse com que ela admitisse que houvesse compartilhava sua vida com um assassino, frio e calculista, um homem narcisista que para satisfazer seus desejos mais medonhos, fazia qualquer coisa, até mesmo envolvê-la como cúmplice.

Nervosa, desligou o telefone e rapidamente pensou em busca por Raul em algum bordel do centro da cidade, ela conhecia quase todos os paradeiros do amado, agora era encarar aquela tarefa medonha e empreender suas buscas pelos guetos medonhos do centro da capital Porto-alegrense, temia que ele já estivesse morto, com a polícia ele não estaria senão já havia recebido a chamada, o que ele havia aprontado desta vez? O uber encostou e ela adentrou, deu uma direção, bastante afastada do centro, como o motorista do aplicativo aceitou sem questionar, nem bem se acomodou no banco traseiro, puxou o telefone e começou a verificar se havia algum sinal de Raul. Apenas os familiares preocupados e a secretária, Letícia, sua psicanalista, confirmando a consulto para o próximo dia e mais nada. O Uber seguiu, saindo aos poucos do centro em direção à zona sul, o endereço era num local no Belém Velho, quase sem placas de sinalização. Luana não temia mais nada, principalmente depois que iniciou sua relação com Raul, o segredo era encontrá-lo com vida e tentar amenizar as coisas, fossem elas quais fossem. O uber estava quase na frente de um sítio e assim o motorista, por ser um lugar ermo preocupou-se em deixar Luana, só, mas essa nem bem confirmou a numeração, saltou do carro, agradeceu com muita educação e abriu a porteira, o carro afastou-se devagar, talvez na esperança que aquela bela moça tomasse juízo, ou parasse de ter prazer com aquele estranho jogo perigoso, talvez.

Caminhando naquele pátio mal cuidado foi se aproximando da casa, em seguida pode perceber a figura de Raul na varanda. Desleixado, com roupas esportivas, sujas, cabelos desgrenhados e barba por fazer, nem bem se aproximaram ela pode sentir forte cheiro de álcool e de cigarro, possivelmente estava naquelas semanas que passava bebendo, fumando e se entorpecendo de drogas, quase sempre acompanhado de prostitutas, dessa vez parecia não contar com nenhuma companhia feminina e o que mais parecia estranho para Luana, era que nenhum de seus parceiros de festa estava por ali. Reconheceu a figura de Luana, mas quase que seu estado catatônico não demonstrou qualquer sinal de afeição ou simpatia, como se estivesse no automático pediu que ele ingressasse no interior da casa, balbuciando poucas palavras, apenas sinalizando com as mãos. Ao ingressar, Luana sentiu forte cheiro de urina e fezes, algumas garrafas de bebida espalhadas e muito lixo pelo chão, sobras de comida por todos os lados e ele pediu que ela fosse acompanhada. A Casa era grande, parecia haver sido habitada em algum momento, os móveis eram de muito bom gosto, acompanhando uma arquitetura requintada típica dos anos 60, mas já há algum tempo desabitada. Caminharam por um salão largo e rapidamente ingressaram num corredor escuro, passado isso seguiu para os fundos, onde estava uma casa que parecia estar destinada aos prestadores de serviço do local, dois quartos, um banheiro e uma das portas trancada com um cadeado. Raul, parecendo embriagado, tomou uma chave de um dos bolsos da bermuda e abriu, quando a porta foi cedendo, um forte cheiro entrou pelas narinas de Luana e a visão era algo aterrorizador, no fundo da sala jazia o corpo de uma jovem moça, desfigurada de sangue e já contando com alguns dias de decomposição, os restos da roupa brilhosa espalhadas pelo chão contrastavam com as marcas de sangue por todo o lado, a visão era medonha e Raul, parecia estar acostumado a tudo aquilo, precisava era livrar-se do corpo e sair dali direto para a clínica de reabilitação, para desintoxicar, mas antes precisavam encontrar o local ideal para ocultar o cadáver.

Luana, que das primeiras duas vezes havia se compadecido e acreditava na recuperação do amado, naquele instante já não sabia mais que atitude tomar, precisava raciocinar rápido e livrar-se daquela ceda, depois veria a melhor solução. Aproximou-se do corpo, o odor era forte, teve fortes náuseas, mas se conteve, precisava ser rápida, tirou a moça, com grande desenvoltura, enquanto o cambaleante Raul, tomava os últimos goles da garrafa de uísque, atirada no chão e começava a limpeza do local, forma horas organizando tudo, aquilo e levaram o corpo para a mata, onde já havia um buraco semiaberto e ali jogaram o corpo, ao redor, duas roseiras pareciam vivas, Luana olhou com certo sentimento, tratava-se de outros dois episódios violentos de Raul, mas a polícia nunca investigou, pois eram prostitutas e ninguém apareceu reclamando os corpos.

Saíram do matagal e rapidamente Luana chamou um uber, colocou o cambaleante Raul no banco traseiro e rumaram para a clínica Pinel, lá na entrada, já imobilizado na maca, Raul não discernia a realidade das coisas e Luana assinava o prontuário enquanto responsável, mais um episódio de surto do seu futuro marido, dessa vez nada grave, a mesma coisa de sempre, orgias, bebidas e drogas, nada demais. No seu retomou para casa lembrou que no outro dia teria sua consulta com Letícia e precisava ensaiar bem a narrativa, para não ser surpreendida como cúmplice de três assassinatos, procurou nos noticiários algo relacionado pelo desaparecimento, m, mas lembrou de que já haviam se passado quinze dias e que nada de novo aconteceria, mais um desaparecimento sem solução, aliás, a solução era apenas uma, manter Raul longe da sociedade, mas isso era um detalhe apenas do conhecimento de Luana e ninguém mais. A psicanalista Letícia, a quem ela confidenciou as narrativas envolvendo Raul e seus crimes, sempre em tons ficcionais ou que ouviu alguém comentando, dava-lhe dicas precisas de como não se envolver mais e sempre deixava claro que era uma cúmplice e que esse fato fazia com que seu débito com a justiça e a sociedade crescesse cada dia.

Sentia alguma culpa por tudo aquilo, mas nada que pudesse fazê-la modificar a realidade. Chegando ao apartamento avisou a secretária de Raul de que este estaria indisponível por uns três meses, nada além do que sempre acontecia. Na consulta com Leticia tentou transparecer suposta tranquilidade, durante a conversa notou que Letícia parecia atenta nos detalhes de sua roupa e outras coisas que antes pareciam insignificantes, como sua marca de bolsa e seu cabelo bem alinhado, enfim achou um tanto curioso, mas os psicanalistas eram assim mesmo, um tanto estranhos e numa havia sido interpelada por ela com semelhantes detalhes, curiosos, mas anda alarmante. Saiu do consultório, queria chegar em casa, tomar um calmante e tentar dormir o mais rápido possível, sabia que Raul estava seguro na clínica e que principalmente, seu segredo seguia em segurança com ela.

Ainda pensativa sobre as tantas perguntas da psicanalista sobre sua indumentária e outras coisas e sobre a data do casamento, foi se trocar. Sentou-se na poltrona e quando olhou para o chão, tomou-se de horror e surpresa, estava ela vestindo as mesmas botas que esteve no sítio, chuvas de barro e com alguns pingos de sangue. Apavorada, não havia trocado o sapato, eis que caminhou pela clínica psiquiátrica e depois foi a consultório da psicanalista com as mesmas botas. Precisava livrar-se daquelas botas. Rapidamente, colocou o par de botas num saco de lixo preto e na manhã seguinte, ao dirigir-se para sua aula de Yoga, passou pelo parque da Redenção, fingindo parar para uma caminhada matinal, estacionou o carro e caminhando até o container mais próximo arremessou a bolsa preta contendo as botas e seguiu sua caminhada. Os noticiários policiais anunciavam novo desaparecimento de prostituta depois de orgia, nada demais para a rotina violenta de uma capital, ao ouvir a notícia, Luana desligou o rádio e adentrou na sua aula de Yoga, tranquila e serena. Letícia, enquanto organizava as anotações dos pacientes do dia anterior. Recordava a sujeira das botas de Luana e aquelas gotas vermelhas na ponta parecendo sangue, algo nada comum para uma paciente tão organizada. Raul seguia na desintoxicação, o casamento fora transferido para o final do ano. Tudo seguia normal, exceto a inspetora de polícia, Betina, que não tirava da memória as botas sujas da paciente anterior a ela, que havia saído da sala da psicanalista um tanto agitada no dia anterior, coisa estranha uma moça tão organizada estar com as botas tão embarradas àquela hora, mas coisas estranhas são comuns no dia-a-dia. 




Conto escrito por
Gabrielle Mastella de Oliveira

Produção Four Elements
Marcos Vinícius da Silva
Melqui Rodrigues
Hugo Martins
Cristina Ravela



Esta é uma obra de ficção virtual sem fins lucrativos. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


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