WEBTVPLAY ORIGINAL APRESENTA
O METEORITO
CONTO ESCRITO POR
Eduardo Canesin
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Havia
algo de errado com o mundo. Se não com o mundo, pelo menos com o
vilarejo de Talita: para uma menina de nove anos, às vezes é
difícil perceber a diferença entre um e outro.
Tudo
começou quando aquela pedra brilhante caiu do céu no final do ano
passado. Atingiu a fazenda do seu Osvaldo, criando uma baita cratera
no local do impacto. Os pesquisadores de uma faculdade vieram, alguns
dias depois, e levaram o meteorito embora, para ser estudado – na
velha propriedade só ficaram o seu Osvaldo e a grande cratera, que
arruinou sua plantação de alfaces.
Felizmente,
qualquer prejuízo poderia ser superado, era o que todos sempre
diziam. Assim sendo, seu Osvaldo e alguns amigos trabalharam duro
para nivelar o chão e plantar novas mudas. Bastaria esperar que a
mãe natureza fizesse a parte dela e, então, as alfaces cresceriam,
prontas para serem colhidas e vendidas para algum distribuidor.
Foi
justamente isso que aconteceu várias semanas depois. Tudo parecia
normal, no fim das contas. No entanto, havia algo de errado com o
mundo. Talita sentia isso.
Tal
sentimento não provinha do fato de que seu Osvaldo e os amigos que
trabalharam na cratera ficaram doentes alguns dias depois – Talita
sequer reparou nisso. O que lhe acendeu o sinal de alerta foi o fato
de que, em algum momento (no caso, depois da convalescença), aquelas
pessoas se tornaram tão esquisitas.
Elas
andavam de um jeito estranho, meio recurvadas. Ao mesmo tempo, não
sorriam, não falavam, e tinham o olhar vazio e perdido. Trabalhavam
no solo, apenas isso.
O
mais curioso é que, em determinado momento, Osvaldo e seus amigos
não foram mais vistos. Aparentemente, cada um tinha se trancado em
sua respectiva casa e não saía mais de lá. Os que tentavam
visitá-los não eram atendidos, só recebiam um vago rechaço, com
algumas palavras resmungadas.
Isso
seria o suficiente para fazer com que qualquer um ficasse curioso e
estranhasse o fenômeno. O que o tornava ainda pior era o fato de
que, pouco tempo depois, outras pessoas (que também tinham ficado
doentes) começaram a se portar do mesmo modo e a andar com o mesmo
olhar vago. Por fim, trancavam-se em casa e não saiam mais. O que
estava acontecendo?
Alguns
moradores do vilarejo falaram em uma virose, outros começaram a se
benzer, mas o fato é que ninguém tinha ideia do que estava
acontecendo. Apenas pensavam, em seu íntimo, que a quarentena a que
os indivíduos de olhares vagos se submetiam era muito bem-vinda:
melhor que ficassem trancados em casa até que melhorassem e
voltassem a ser as pessoas cordiais de sempre.
Por
via das dúvidas, os pais até mesmo começaram a exigir que seus
filhos evitassem passar perto da propriedade daqueles que estavam se
comportando de um jeito estranho. Não que isso alterasse o fato de
que o comportamento esquisito se espalhava cada vez mais.
O
que mais afligia Talita é que seus pais também ficaram doentes, com
uma forte gripe, e, depois que melhoraram, começaram a se comportar
daquele jeito tão incomum, com olhar vago, comunicação nula e
movimentação esquisita, como se estivessem com uma forte dor de
barriga que os fizesse se curvar um pouco. E, agora, fazia dois dias
que eles tinham se trancado no quarto e não saíam sequer para ir ao
banheiro.
Talita
tentou entrar no quarto deles, mas estava fechado com a chave. Ela
bateu à porta, mas eles apenas resmungaram algo e ficaram em
silêncio mesmo depois de suas súplicas. A garota chorou bastante,
mas não comoveu os pais, que se fecharam para ela.
A
menina tinha comida suficiente em casa e sabia se virar. Até tentou
preparar um mingau para a mãe, mas ela não se comoveu e manteve a
porta fechada. Por fim, Talita retirou o prato que ficou no chão, ao
lado da porta, pois as formigas não recusaram o alimento que não
lhes tinha sido ofertado.
Já
estava entardecendo e a protagonista estava triste, sem saber o que
fazer. Não queria ter de passar mais uma noite sozinha, chorando em
seu quarto, sentindo-se abandonada. No entanto, que saída tinha, se
seus pais não pareciam se importar com ela?
Súbito,
teve uma ideia que julgava genial: deveria sair de casa e ir à
fazenda do seu Osvaldo, que ficava a menos de um quilômetro de
distância. Ora, se ele foi o primeiro a ficar daquele jeito, talvez
soubesse o que se passava com os pais de Talita e como ajudá-los. Se
ela explicasse com jeitinho, tinha certeza de que o seu Osvaldo,
sempre tão bondoso, abriria a porta de sua casa e a acolheria para
explicar o que estava acontecendo.
A
pobre menina, infelizmente, não percebeu algo óbvio: Osvaldo até
podia ser bondoso, mas se os pais dela não lhe davam atenção, por
que ele daria? Talvez a garota até percebesse esse fato, mas sua
esperança a impedia de aceitá-lo: queria acreditar que conseguiria
alguma ajuda para os progenitores. Precisava dessa esperança tanto
quanto da cura para os pais – do contrário, cairia em desespero e
não saberia o que fazer. E justo agora, quando se sentia febril…
precisava de esperança tanto quanto de ajuda e de cuidados.
Assim
sendo, com tal resolução, calçou os chinelos e saiu correndo,
atravessando o corredor com pressa, ignorando a porta trancada do
quarto dos pais e indo à porta da cozinha. Girou a chave na
fechadura, destravou-a e saiu de casa, em busca de ajuda para sua
família.
A
caminhada não foi tão longa, já que a fazenda ficava próxima. No
entanto, como estava escurecendo, a menina achou que o caminho era
mais longo (e assustador) do que realmente era – e ela andava com
mais pressa do que nunca.
Passou,
durante o percurso, por outras pequenas propriedades, todas fechadas:
não havia sinal de vida naquele vilarejo. Aliás, se Talita parasse
para prestar atenção, sentiria no ar um cheiro ocre de morte e de
carne em decomposição. Felizmente, ela não parou para reparar
nisso, senão sua vontade de chorar – que já era grande –
tornar-se-ia incontrolável.
Quando
enfim venceu a distância que a separava de seu destino, passou pela
cerca da fazenda e correu até a casa do seu Osvaldo. Bateu à sua
porta, mas não foi atendida. Tentou insistentemente, mas não obteve
êxito. Em seu íntimo, é claro que Talita sabia que isso
aconteceria, mas, quando aconteceu, foi desolador. Sentou-se na
soleira da porta e chorou baixinho por alguns minutos.
Quando
se levantou para ir embora, cabisbaixa e abatida, sentindo-se
derrotada, decidiu tentar uma última tática: contornaria a casa de
seu Osvaldo, na esperança de vê-lo no quarto. Talvez, se ela o
chamasse do outro lado do vidro, ele considerasse vê-la. Apenas
precisava torcer para que ele não estivesse com as cortinas fechadas
– tal como os pais da garota estavam.
A
menina andou, a passos acelerados, e em poucos segundos estava ao
lado da janela do fazendeiro. Por sorte, ele não tinha cortinas. O
sol já estava se pondo e nenhuma luz estava acesa do lado de dentro
da casa, mas, forçando a vista, Talita conseguiu ver seu Osvaldo.
Ele estava de pé, olhando para um armário fechado.
Animada,
Talita bateu no vidro com força, gritando para chamá-lo. Não
deveria ter feito isso. Seu Osvaldo se virou tropegamente e o que a
protagonista viu a apavorou, fazendo-a gritar de desespero e correr
em disparada de volta para casa: a pele do rosto do infeliz
fazendeiro estava solta, como se fosse uma máscara cobrindo uma
caveira. Seu corpo, esquelético, estava cheio de chagas. Se não
estivesse tão escuro e se Talita observasse por mais tempo, veria
que seu Osvaldo não tinha mais olhos, apenas órbitas vazias, e que,
de buracos em sua barriga, pendiam pequenas pernas (ou tentáculos)
arroxeadas, que se mexiam de maneira vagarosa, como se tentassem sair
daquele corpo morto, mas não tivessem forças para isso. Talvez ela
tenha tido sorte por não ter visto estas últimas coisas.
Desesperada
e chorando, a menina correu até chegar em casa. Caiu no chão uma
vez, mas isso não importava, pois ninguém a seguia. Já estava
escuro quando ela entrou na residência, por isso acendeu as luzes e,
angustiada, bateu com força na porta do quarto dos pais, berrando e
chorando. Ninguém atendeu.
Já
sem forças, a menina desistiu e se deixou cair, encostada na parede.
Não havia mais nada que pudesse fazer. Talita estava ardendo em
febre e não tinha mais ninguém para cuidar dela.
***