WEBTVPLAY APRESENTA
A FAZENDA
Baseado em fatos reais
Conto
de
Melqui Rodrigues
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Todos os direitos reservados.
ATO I
Parque
da Barragem, Julho de 1991.
Em
uma cidade que fica divisa com o Distrito Federal e Goiás, um casal
está dentro de um carro, feliz em começar uma vida nova, eles
acabaram de se casar e estão se mudando pra um local longe da
família e de todo mundo, eles só queriam curtir a vida de casado
deles.
A
mulher se chama Bianca, 24 anos, moça alta, morena, cabelo liso e
lábios carnudos. Seu marido se chama Jeferson, 26 anos, 1,80, cabelo
cacheado um pouco crespo e barba.
Jeferson
conseguiu juntar dinheiro antes do casamento e comprou uma casa em
uma fazenda, e ali ele poderia viver com sua esposa e quem sabe? Com
seus filhos!
Depois
de algumas horas de viagem eles chegam à fazenda, o local é muito
amplo e fica bem distante do bairro mais próximo daquela cidade.
Os
setores comerciais ficavam cerca de 40 minutos de distância dali,
não tinha uma padaria, supermercado ou farmácia ali por perto. O
mais próximo era uma mercearia pequena que ficava a uns 20 minutos
da casa, mas mesmo assim eles pareciam não se importar com as
dificuldades que iriam enfrentar.
O
local também tinha muita terra, e Julho era um mês seco, então o
sol castigava a cidade nessa época do ano. Bianca desce do carro e
fica admirando a casa modesta que passará a morar.
É
uma casa simples, pintada de um azul bem claro, tem três cômodos e
mais um banheiro. Ao redor, temos alguns currais para os animais,
árvores de vários frutos, um local realmente agradável de se ver.
Bianca
fica um tempo admirando a paisagem e seu marido a abraça dizendo:
— Gostou
da nossa casa nova, amor?
— Claro
que sim. Estando ao seu lado pra mim é o que mais importa.
— Mas...
Fica distante de tudo e a mercearia mais próxima fica há 20 minutos
daqui.
— Simples,
o dia que precisarmos comprar algo, a gente compra logo um monte de
coisas pra não precisar tá saindo direto, ainda bem que temos o
nosso carrinho.
— Sim,
meu amor.
Anoitece
e eles arrumam a mesa para jantarem a luz de velas, Jeferson abre uma
garrafa de champanhe e coloca na taça de Bianca, depois ele enche a
taça dele, os dois brindam e começam a dar muitas gargalhadas até
ficar de madrugada.
No
dia seguinte, Jeferson se levanta para procurar emprego, ele dá um
beijo na sua esposa e pega seu carro. Por sorte, ele já tinha feito
uma compra bem ampla, já que Bianca ficaria sozinha na casa e teria
que andar quilômetros se quisesse comprar algo.
Depois
de algumas horas, Bianca está fazendo o almoço, ela prova a água
do arroz pra ver se tá bom de sal e ouve um barulho perto do pé de
manga ao lado da casa. Ela sai e deixa a panela de arroz no fogo e
vai até o pé de manga, ela vê que algumas mangas maduras haviam
caído no chão e decide pegar uma pra comer mais tarde, ela está
agachada de costas e ouve um barulho que parecia uma relinchada,
quando olha pra trás vê um homem montado em um cavalo se
aproximando e ele tenta domar o cavalo que parecia estar nervoso.
— Uooww!
Calma, amigo, amigo.
Bianca
se assusta e dá um passo pra trás.
— Calma,
moça! Desculpa, eu não queria te assustar.
— E
o senhor quem é?
— Eu
trabalho na granja que fica a alguns quilômetros daqui.
— Mas
o que está fazendo na minha fazenda?
— A
senhorita é a nova moradora? Estranho, tem tanto tempo que ninguém
mora aqui, quando eu vejo pessoas por essas bandas, são os moleques
pegando manga ou amoras, mas nunca veio alguém pra morar.
— O
meu marido e eu nos mudamos ontem pra casa, somos... Bom, somos
recém-casados.
— Parabéns,
moça! E seu marido onde está?
— Ele...
Ele saiu pra procurar emprego, na verdade ele já tinha sido indicado
por um amigo que mora no Bairro Pérola e foi fazer a entrevista.
— Eu
moro no bairro Pérola, mas pra eu ir para a granja, preciso sempre
passar por aqui, não tem outro caminho, mas não se preocupe, que
sou da paz, não quero incomodar nem a senhora e nem o seu marido.
— Agradeço
e me desculpa, é que... Como eu acabei de me mudar, ainda estou
conhecendo o lugar, então...
— ...
Sim, um folgado apareceu a cavalo perto da sua casa e já está te
tirando a paciência.
— Não,
por favor, não diga isso.
O
cavalo daquele senhor começa a ficar cada vez mais agitado.
— Wuooow!
Calma, garoto!
— Será
que é por minha causa?
— Não,
ele é dócil. Mas o problema não é você, é a fazenda.
— O
que tem a fazenda?
— Dizem
que ela atrai coisas sobrenaturais, e os animais acabam percebendo
isso.
— E
você acha que eu vou acreditar nisso?
— Tanto
faz, mas se cuida. Não falo pelos fantasmas e sim pelos moleques que
de vez em quando aparecem por aqui. Tenha um bom dia!
— Até
logo!
O
capataz sai dali em seu cavalo e Bianca fica por alguns segundos
pensativa no que ele disse, ela ignora os fatos e decide voltar pra
dentro de casa. Quando ela entra, sente um cheiro de queimado vindo
da cozinha.
— Ah
não! Não acredito! Droga! Meu primeiro dia de dona de casa foi um
fracasso.
São
6 da tarde e Jeferson chega em casa e está com um semblante feliz.
— Amor?
— Oi,
meu amor. E aí?
— Boas
notícias! Fui contratado!
— Sério?
— Sim,
começo amanhã! Mas tem uma parte ruim.
— O
que foi?
— É
que o trabalho não será aqui no Parque da Barragem, será em outra
cidade, então ficarei mais tempo fora de casa, eu acho que só vou
chegar às 8 da noite.
— Eu
vou ficar esse tempo todo longe de você?
— Ah,meu
amor! Não se preocupe, é o começo da nossa nova vida, lembra?
— Verdade.
Bianca
dá um beijo em Jeferson e ambos vão jantar.
Primeiro
dia de trabalho de Jeferson e como ele mesmo disse, chegou por volta
das 8 da noite muito alegre e abraçando a esposa.
Os
dias foram se passando e eles de fato estavam tendo uma vida feliz.
Certo dia, Bianca está lavando as louças e ouve um barulho na porta
da casa, ela deduziu que poderia ser alguma manga que caiu, mas
prefere ir ver mesmo assim.
Quando
ela abre a porta, leva um susto ao ver uma galinha morta em sua
porta.
— Ahhh!
Meu Deus!
Ela
fica enojada vendo aquilo, quem poderia ter colocado aquela galinha
na porta da casa dela? Ela ouve umas risadas de garotos entre 10 a 12
anos correndo por ali pelas redondezas, então ela decide chamar a
atenção deles.
— Ei,
moleques! Foram vocês que colocaram aquela galinha na minha porta?
Um
deles responde:
— Eu
não, a gente acabou de chegar.
— Como
vou saber se não estão mentindo?
— Moça,
a gente só veio pegar algumas amoras, só isso.
O
outro pergunta:
— Espera,
a senhora mora nessa casa?
— Sim,
por quê?
— Credo!
E como a senhora consegue? Minha mãe falava que antes de construírem
essa casa, faziam rituais de magia negra aí.
— Ah,
fala sério, garoto!
— Não,
é verdade.
O
outro garoto fala:
— Sim,
por isso que todo mundo fala que essa fazenda é amaldiçoada, de dia
não acontece nada, mas dizem que de noite os espíritos vagam
furiosos por aqui.
— Olha,
eu já ouvi baboseira demais por hoje. É melhor vocês irem pra casa
de vocês!
— Mas
deixa a gente pegar amora, por favor, nossa casa fica longe daqui.
— Ah,
tá bom, tá bom. Mas vê se não demora!
Bianca
desiste de ficar discutindo com os garotos e volta pra dentro de
casa, mas ainda sim ela está bastante intrigada com o que ouviu. Se
for verdade ou não, isso não sabemos.
Anoitece
e já são 20h30, Jeferson ainda não chegou, é a primeira vez em
semanas que ele se atrasa e Bianca começa a ficar preocupada, ela
olha para o relógio ansiosa, são 9 horas da noite e ela decide
jantar sozinha. Ela achou estranho porque Jeferson sempre chegava na
hora para ambos jantarem juntos.
Jeferson
chegou 21h30 e parecia estar bem mais cansado que os outros dias.
— Amor,
graças a Deus você chegou! O que aconteceu? Você nunca chegou
tarde desse jeito.
— Oi,
amor! Nada, é que teve uma demanda até mais tarde, por isso que
demorei.
Bianca
sente um cheiro de bebida vindo dele.
— Você
bebeu?
— Bom,
o Ronaldo me chamou pra tomar uma depois do expediente, foi coisa
rápida.
— Amor,
mas é Terça-Feira, imagine se você não consegue levantar amanhã
porque bebeu demais?
— Tá
bom, tá bom, eu só quero dormir, estou exausto.
— Não
vai jantar?
— Estou
sem fome, só quero dormir.
Bianca
fica bastante intrigada, pois nunca viu o seu marido daquele jeito.
Os
dias foram se passando e Jeferson chegava cada vez mais tarde em
casa, isso estava preocupando ainda mais Bianca que nunca mais
conseguiu ter um jantar decente com o seu marido, ele passou a chegar
às 10, 10:30 e até 11 horas da noite, e quase sempre estava fedendo
a bebida.
Bianca
estava começando a ficar angustiada, esse não é o mesmo homem por
qual ela se casou meses atrás, alguma coisa estava errada. Ninguém
muda assim da água para o vinho.
Certo
dia, pela tarde, Bianca abre o armário e vê que as coisas estão
começando a faltar em casa, ela achou estranho porque Jeferson
sempre fazia compras bem antes justamente pra ela não ter que se
deslocar dali, pois o bairro mais próximo fica há 20 minutos de
caminhada.
Ela
sai de casa e vê aquele mesmo capataz da outra vez, dessa vez ela
que o chama e ele retorna o caminho para ir até ela. Ele desce do
cavalo pra cumprimentá-la.
— Boa
tarde, senhora!
— Boa
tarde, é... Primeiro quero me desculpar pela outra vez e segundo...
Como eu faço pra chegar na mercearia mais próxima? É que acabou
algumas coisas aqui em casa e meu marido chega tarde, então não
posso esperar até a noite.
— Tá
tudo bem? Parece pálida?
— Eu?
Você está achando?
— Bom,
se a senhora quiser... Eu posso buscar pra senhora, claro, se isso
não arrumar nenhum problema pra ti.
— Faria
isso? Obrigada, eu... Posso fazer uma listinha?
— Claro!
— Espera
só um pouquinho, eu vou lá dentro anotar.
Uns
cinco minutos depois, Bianca retorna e entrega um papel e o dinheiro
para aquele capataz um pouco receosa.
— Não
se preocupe, senhora, moro nessas bandas há mais de 10 anos e sempre
fui um trabalhador honesto, não precisa ter medo, vou trazer suas
compras.
— Obrigada,
de coração.
Cerca
de algum tempo depois, o capataz retorna com as compras de Bianca, já
era por volta das 6 e pouco da tarde.
— Quase
que não consigo chegar, moça. Fiz de tudo pra não derrubar nada,
tá aqui o seu troco.
— Não,
pode... Pode ficar com o troco, é o mínimo que eu posso fazer
depois da ajuda.
— Não,
moça, eu fiz um favor e não posso aceitar isso, pegue! Sei que a
senhora vai precisar.
— Bom,
mais uma vez agradeço.
— Se
precisar, estarei por aí.
— Escuta,
até agora acho que nunca nos apresentamos formalmente. Meu nome é
Bianca.
— Meu
nome é Estevão, senhora. Pode me chamar de Seu Estevão.
— Escuta,
Seu Estevão... Acredita mesmo em feitiçaria e essas coisas?
— Eu
queria não acreditar, mas não posso ignorar a existência deles.
— Há
uns dias atrás uns garotos estavam passando por aqui e... Disseram
que essa casa foi construída em cima de um local onde realizavam
magia negra. É verdade isso?
— Bom,
aí tá uma coisa que eu não sei, já ouvi alguns boatos de que nas
redondezas desse fazendão realmente tem pessoas que fazem esse tipo
de trabalho, agora não sei dizer se a residência da senhora foi
construída por cima de um local assim.
— Pois
é, eu... Há uns dias atrás... Eu abri a porta e tinha uma galinha
morta na frente da minha casa.
Estevão
começa a fazer o sinal da cruz.
— Santa
mãe de Cristo!
— O
que isso significa?
— A
senhora por acaso é devota a alguma religião?
— Eu
sou católica, bom... Eu acho.
— Se
eu fosse a senhora, pedia pra benzer a tua casa, não me leve a mal,
mas não é normal colocarem isso na porta da casa de alguém.
— Acha
que foi algum... Espírito?
— Não,
moça. Mas acredito que tenham pessoas que fazem magia negra e querem
de alguma forma afrontar a senhora ou o seu marido. Mas se for caso
de espíritos... Notou algo estranho na tua casa nos últimos dias?
— Não
que eu me lembre, por quê?
— Tem
certeza? Procure puxar pela memória.
Bianca
tenta achar algo em seus pensamentos e lembra que a única coisa
estranha foi justamente o comportamento de seu marido que mudou
bruscamente de uns dias pra cá, mas ela achou um assunto muito
pessoal pra falar para um “estranho”, então preferiu não
mencionar.
— Olha,
pra ser sincera não lembro de nada.
— Isso
é um bom sinal, mas se cuida e mantenha o teu marido informado de
tudo. Confia em mim.
Estevão
monta em seu cavalo e Bianca fica observando-o partir, vemos alguém
observando ela através do para-brisa de um carro, ela entra na casa
e depois vemos que a pessoa em questão é Jeferson que incrivelmente
chegou mais cedo.
Ele
dá partida no carro novamente e estaciona do lado da casa, ele desce
do carro e está com cara de poucos amigos. Ao entrar, Bianca fica
surpreendida ao vê-lo ali tão cedo e corre para dar um beijo nele.
— Amor,
que milagre foi esse que chegou cedo?
Quando
ela está prestes a dar um beijo nele, ele desvia e olha sério pra
ela.
— Quem
era aquele cara que acabou de sair daqui?
— Aquele
cara? Ah sim, é o Seu Estevão, ele trabalha em uma granja aqui
perto.
— Sim,
mas o que ele fazia aqui?
— Nada
de mais, amor. Eu pedi pra ele ir na mercearia trazer algumas coisas
pra mim.
— Quê?
Um desconhecido? Enlouqueceu? Imagine o que esse cara poderia fazer!
— Ele
não fez nada, amor, eu só pedi...
— ...
Olha, Bianca! Eu estava o dia todo no trabalho e senti que deveria
sair mais cedo hoje, foi como se uma voz dissesse “Vai agora, você
terá uma surpresa”. E realmente eu me surpreendi.
— O
que você tá falando? Eu só pedi a ele um favor, trazer algumas
compras pra mim, porque as coisas já estavam acabando, por que você
parou de comprar assim do nada?
— Agora
você quer virar a mesa e colocar a culpa em mim?
— Jeferson,
eu... Eu não estou entendendo, aconteceu alguma coisa? Você não
era assim, toma um copo d’água.
Ela
pega um copo com água, entrega pra ele e ele furioso taca o copo na
parede.
— Eu
não quero nada!
Bianca
fica estarrecida com a atitude de Jeferson.
— O
que aconteceu, amor? Por que tá agindo assim?
— Me
deixa em paz, Bianca!
— Não,
eu exijo uma explicação!
— Eu
não quero falar nada!
Ele
sai bufando em direção ao quarto, Bianca vai atrás dele querendo
explicações.
— Eu
exijo uma explicação agora, Jeferson!
— Me
deixa em paz, caralho!
Jeferson
de costas, vira de frente pra ela e desce um tapa em Bianca.
Ela
fica completamente em choque, nunca imaginou uma atitude dessas vindo
dele. Jeferson fica por alguns segundos olhando pra ela, parece que
nem ele sabe o motivo de ter feito aquilo, Bianca segurando a mão no
rosto, diz:
— Você
bateu em mim?
— Bi...
Bianca, eu...
— ...
Nem meu pai nunca me bateu na cara, seu infeliz! Como se atreveu?
— Bianca,
eu..
— ...
Fica longe de mim, Jeferson! Fica longe de mim!
Como
aquilo pôde acontecer? Onde estava o casal feliz que não se
importava com as consequências da vida?
Horas
mais tarde, Bianca está na cama chorando, Jeferson chega na porta do
quarto e sussurra.
— Bianca,
Bianca, me desculpa. Eu não sei o que deu em mim, eu não queria ter
feito isso, por favor.
Bianca
não diz nada, apenas preferiu ficar ali chorando e sem reação.
Alguns
dias depois, Jeferson e Bianca saíram pra comprar umas coisas, ela
compra um teste de gravidez sem que seu marido soubesse. É fim de
semana, Jeferson está na sala assistindo seu futebol e vemos Bianca
no banheiro sentada na privada, ela aguarda alguns minutos e depois
pega o seu teste de gravidez. Deu positivo! Ela se levantou, olhou-se
no espelho com o semblante feliz, enfim poderá construir sua
família.
Ela
sai do banheiro toda entusiasmada e se aproxima de Jeferson.
— Meu
amor, eu tenho uma surpresa!
— O
que houve, amor?
— Vai
querer deixar esse campeonato de lado ao ouvir isso.
— Nossa,
e o que é assim tão importante?
— Eu
estou grávida! Você vai ser papai!
A
notícia caiu como uma bomba para Jeferson, seu semblante mudou de
uma forma repentina, ele se levanta do sofá e Bianca ainda não se
tocou na reação dele.
— Isso
é maravilhoso, não é? Enfim seremos pais!
— Bianca...
Eu pensei que tinha dito que estava se cuidando.
— Quê?
Como assim?
— Por
que não se cuidou?
— Achei
que era teu sonho ser pai.
— Talvez
foi um dia... De quanto tempo?
— Eu...
Ainda não sei, fiz um teste de farmácia.
Jeferson
se assenta no sofá e friamente diz:
— Não
podemos ter esse bebê.
— O
quê? Você tá maluco? Quer que eu faça o quê? Que eu o aborte? E
toda aquela palhaçada de direitos humanos?
— Não
me interessa, Bianca! Não vamos ter esse bebê! Faça o que for
preciso, mas ele não é bem vindo agora.
— O
que você tá falando? Jeferson, quem é você? Você não é o meu
marido!
— Já
chega, Bianca!
Enquanto
eles estão discutindo, um corvo pousa na janela e fica os
observando.
— Sabe
o que eu acho? Que você engravidou de propósito só pra me prender
aqui dentro de casa, é isso!
— Do
que você tá falando? Eu nunca faria isso!
— É,
é isso sim, aposto até que esse filho não é nem meu, aposto que
você deu pra aquele capataz enquanto eu trabalhava.
Bianca
desce um tapa seco na cara de Jeferson.
— Nunca
mais se refira a mim dessa forma, Jeferson! A minha mãe criou uma
mulher e não uma vagabunda.
— Eu
me cansei disso!
Jeferson
pega sua jaqueta e as chaves do carro.
— Onde
você vai?
— Não
é da sua conta!
— Volta
aqui, Jeferson! Jeferson! Volta aqui!
Jeferson
sai “cantando pneu” dali e Bianca tenta chamar por ele enquanto a
poeira cobre a frente de sua casa com o cantar dos pneus.
— Jeferson!!
Jeferson!
Minutos
depois, Jeferson está em seu carro com os nervos a flor da pele, ele
ouve uma voz e quando vira para o lado, tem um homem no banco do
passageiro.
— Eu
disse a você, Jeferson. A tua esposa não é quem você diz ser.
— Cala
a boca! Você foi quem disse pra eu chegar cedo naquele dia.
— E
assim descobriu a infidelidade de sua esposa, não foi? Quem sabe
quantos outros ela não levou pra lá? E olha que aquele capataz é
um senhor, imagine quantos homens interessantes ela não deve ter
levado pra cama enquanto você enchia a cara até tarde da noite?
Imagine quantos homens não deitaram na cama onde você dorme?
— Já
chega! Já chega!
Jeferson
freia bruscamente e coloca a cabeça no volante, quando ele olha para
o lado, o homem já não está mais ali. Poderia ser a sua mente
pregando-lhe uma peça?
Setembro
de 1991.
Bianca
está do lado de fora perto de uma árvore bem pensativa, ela vê um
grupo de garotos passando por ali de bicicleta.
— Ei,
garotos! Espera um pouco! Preciso de um favor!
— Sim,
senhora!
— Vocês
sabem me dizer onde eu posso encontrar um orelhão mais próximo?
— No
bairro Alterosa.
— Aonde?
— Aquele
bairro ali que fica logo na saída do fazendão, é o primeiro bairro
que você chega quando sai daqui. É só a senhora ir reto até
encontrar a Mercearia Dias, aí lá tem um orelhão.
— Muito
obrigada, garoto!
Bianca
rapidamente volta pra dentro de casa e pega um cartão telefônico,
pela primeira vez ela perdeu o medo de sair de casa.
Ela
andou muito e mesmo cansada, ela consegue chegar ao bendito orelhão.
Ela coloca o cartão e disca um número.
— Mãe?
Oi, é a Bia! Mãe... Vem me buscar, por favor! Eu não aguento mais!
Bianca
chora no orelhão enquanto fala com sua mãe do outro lado.
Alguns
minutos depois, voltando pra casa, quando ela está prestes a sair do
bairro, uma senhora passa por ela e pega na sua mão.
— Saia
da casa!
— Quê?
— Saia!
Eu sinto cheiro de morte no banheiro.
Bianca
fica irritada e tira sua mão bruscamente da mão da senhora.
— Tá
maluca? Eu nem te conheço! Sai fora!
Quando
Bianca vira de costas, a senhora pronuncia algo:
— O
que há em seu ventre vai arruinar tudo.
Bianca
fica paralisada sem entender o que aconteceu, ela vira de frente
olhando para ela novamente.
— O
que a senhora disse?
— O
cheiro da morte tá vindo do banheiro.
A
velha sai de perto e deixa Bianca completamente estarrecida.
Dias
depois, Bianca está na sala fazendo crochê e novamente ouve um
barulho na porta da sua casa, ela deixa o pano e a agulha na mesa e
se levanta pra ver o que se trata. Quando ela abre a porta, vê uma
cuia cheia de velas pretas e pedaços de ossos.
— Ahhh!
Bianca
põe as mãos na boca e se afasta enojada. Ela encosta na parede e
começa a sentir uma dor forte na barriga.
— Aaaaaai!
A
dor parecia insuportável, ela põe a mão por debaixo do vestido e
quando tira, sua mão está banhada a sangue.
— Não,
não, não pode ser possível.
Bianca
se esforça pra ir até à porta com bastante dificuldade, ela tira
aquela cuia da sua frente e vai pra fora. A dor em sua barriga está
a cada vez mais forte.
— Socorro!
Socorro! Alguém me ajuda!
Ela
começa a se rastejar pelo chão empoeirado pedindo socorro e ninguém
aparecia, nem mesmo o bondoso capataz e sequer uma das crianças que
hora ou outra passavam por ali pra apanhar amoras. Nada! Era apenas
ela gritando de dor e toda ensanguentada.
— Alguém,
por favor! Me ajuda! Eu preciso ir pro hospital!
Enquanto
Bianca está ali cheia de dor, ela vê meio embaçada aquela mesma
velha que apareceu pra ela outro dia. Bianca se esforça pra tentar
enxergar direito e estende as mãos em direção à ela.
— So...
Socorro.
— Eu
disse, Bianca. Esse é só o começo do cheiro da morte, menina.
Lembre-se! O cheiro da morte está no banheiro.
Bianca
não conseguia processar absolutamente nada que ela estava dizendo e
acabou perdendo a consciência, não havia mais ninguém ali por
perto, essa velha era real ou apenas fruto da imaginação de Bianca?
Alguns
dias se passaram, Bianca estava ficando a cada dia mais fraca,
pálida, ela de fato perdeu o bebê naquele dia, mas foi como se uma
parte dela tivesse morrido junto, ela mal se alimentava e já não ia
pra fora com tanta frequência como antes.
Jeferson
chega do trabalho, já é aproximadamente 10 horas da noite, Bianca
encosta na parede do quarto e conversa com o marido.
— Chegou
tarde!
— Por
que a janta não tá na mesa?
— Não
fiz janta hoje, ainda sobrou do almoço, pode esquentar.
— Sobras
do almoço? Tá ficando louca? Toda noite eu chegava e você já
deixava a minha comida pronta, o que foi agora?
— Jeferson,
eu passei mal o dia inteiro, mal conseguia me movimentar, eu devo tá
com anemia, não sei. Desde que eu tive o aborto, eu...
— ...
Não me interessa! A única coisa boa disso tudo foi que não tivemos
que nos preocupar com essa criança.
— Você
se ouve quando fala? Que diabos deu em você?
— Pra
quem disse que estava doente, você tá com a língua bem afiada.
— Eu
sou tua esposa! Eu confiei em você toda a minha vida, desde que
chegamos nesta casa você tem agido de uma forma estranha, me
maltrata, mal fala comigo... Quer saber? Eu vou embora daqui!
— O
que disse? Você não é louca, não vai sair daqui!
— Ah
é? Quem vai me impedir? Você? Pois é tarde demais, Jeferson! Já
liguei pros meus pais, eles estão vindo me buscar. Sai da minha
frente!
Jeferson
agarra Bianca pelos braços.
— Não!
Você não pode sair dessa casa! Não pode sair da fazenda!
— Quem
você acha que é pra me impedir? Eu vou sair desse maldito lugar
quer você queira ou não.
Bianca
se dirige até a porta, Jeferson a puxa pelo braço a encarando e
diz:
— Você
só sai daqui morta!
Jeferson
esbofeteia Bianca e ela cai no chão urrando de dor, ela tenta se
levantar e ele dá outro tapa nela.
— Anda!
Fala que vai sair daqui de novo sua vagabunda!
Bianca
pega a panela que está no fogão e acerta a cabeça dele, ela sai
cambaleando pela fazenda, é noite enluarada e ninguém poderia
ajudá-la naquele momento.
— Me
ajudem! Socorro!
— Volta
aqui, Bianca!
Jeferson
alcança Bianca, ela cai no chão, ele agarra uma de suas pernas e
com a outra ela chuta a cara dele. Em seguida ela tenta se levantar e
Jeferson a arrasta pelas duas pernas, ela tenta se segurar nas
folhagens caídas no chão sem nenhum sucesso.
Jeferson
pega Bianca no colo e a leva pra dentro de casa, ele a joga encima da
cama e tira o cinto de sua calça.
— Faça
o seu trabalho como esposa, ou você não me serve de nada!
— Não,
Jeferson! Para! Eu não quero!
Jeferson
ignora a súplica e começa a ter relações sexuais com Bianca e ela
está completamente desesperada, em um momento ele olha pra frente e
vê aquele mesmo homem que apareceu no carro dele dizendo:
— Esse
é o teu lar, Jeferson. Não deixe que ela tire você daqui.
Na
contrapartida, enquanto Bianca está sendo violentada, ela olha para
o lado e vê aquela velha em pé diante da janela.
— Você
vai saber a hora, vai sentir o cheiro... No banheiro.
O
que fica claro ou não, é que duas entidades estão persuadindo o
casal, este homem está fazendo com que Jeferson se transforme nesse
monstro, enquanto a velha está tentando alertar Bianca de alguma
coisa, mas talvez esse alerta já tenha sido tarde demais.
Outubro
de 1991
Bianca
chegou ao seu limite, após aquela noite tórrida, as agressões
continuaram constantemente, cada palavra que Bianca pronunciava,
Jeferson se transformava de uma maneira terrível. Chegava bêbado em
casa e todas as vezes a maltratava, ela nunca mais viu o bondoso
capataz, foi como se toda a sua esperança tivesse desaparecido, ela
já estava farta de todas essas agressões, precisava pensar em algo,
precisava dar um ponto final em tudo isso.
Em
um dia como qualquer um outro, Bianca vê que seu marido trouxe
algumas ferramentas de trabalho, ela encontra entre elas um machado.
De alguma maneira, ela ficou por alguns minutos fitada naquele
machado, era como se uma voz soasse no ouvido dela que aquele machado
seria sua válvula de escape.
Ela
tira o machado dali e o leva para o quarto, escondendo-o debaixo da
cama. Ao fazer isso, ela sorri do nada e vai para a cozinha preparar
a comida e por algum motivo, ela fez uma janta caprichada colocando
tudo aquilo que o esposo dela sempre gostou, ela prepara a mesa e a
deixa bem ornamentada para quando ele chegasse.
Passou-se
algumas horas, Jeferson chega às 22h30, neste dia ele não estava
tão bêbado como de costume. Ao entrar na casa, ele se assusta ao
ver a mesa farta e sua esposa em uma das cadeiras olhando pra ele.
— Olá,
amor! Chegou cedo! O jantar já está pronto. Fiz estrogonofe pra
você, sei que adora.
— Eu...
— Ow!
Você deve ter trabalhado muito hoje, não é? Eu entendo, querido...
Mas prove um pouco, você vai adorar.
Jeferson
sem entender muito decide se sentar à mesa e prova da comida feita
pela esposa, alguns minutos depois ele havia terminado de jantar e se
espreguiça na cadeira dizendo:
— Nossa!
Comi que nem um cavalo.
— Espero
que tenha gostado, por que não vai tomar um banho pra relaxar os
nervos? Imagino que teve muito, mas muito trabalho hoje não é?
Bianca
dá um sorriso amarelado, Jeferson fica um pouco confuso, mas vê que
é uma boa ideia.
— Tudo
bem, eu vou tomar um banho, e... Me espera na cama?
— Claro,
meu amor! Como toda esposa fiel e submissa faria.
Cerca
de 10 minutos se passaram, Jeferson está tomando banho e vemos
alguém se aproximando da porta, ele está de costas e enquanto a
água corria pelo seu corpo nú, a porta se abre lentamente e ele não
ouve nada.
Percebemos
que a pessoa em questão é Bianca, ela está com o machado nas mãos,
seu olhar está cheio de ódio, suas mãos até então estavam
trêmulas, mas rapidamente elas param de tremer e agarram firmemente
aquele machado. Aproveitando que ele ainda está de costas, Bianca
friamente acerta o machado no ombro dele, ele urra de dor e o sangue
jorra pela parede. Ela espera que ele vire de frente e acerta outra
machadada na cabeça dele partindo uma parte do crânio, Jeferson cai
no chão e Bianca continua a acertá-lo.
Várias,
várias vezes, sem hesitar, ela sorri de uma forma diabólica
enquanto crava aquele machado no corpo do marido. O sangue jorra em
seu rosto, nas suas roupas e em todo o banheiro.
Ao
perceber o que havia feito, Bianca olha para as suas mãos repletas
de sangue, ela fica por alguns segundos observando o corpo de
Jeferson, o banheiro fica encharcado de sangue e ela pela primeira
vez na vida, não sentiu um pingo de remorso, foi como se aquilo tudo
fosse a sua libertação, a sua carta de alforria. Após o ato,
Bianca foi dormir toda suja como se nada tivesse acontecido.
Amanhece,
é por volta das 6 da manhã, Bianca acorda e vê que não pode ficar
com aquele corpo por muito tempo ali, alguma coisa ela tinha que
fazer pra se livrar daquele “peso”. Então ela pega o machado e
procura alguma coisa para deixá-lo bem mais afiado.
Após
amolar o machado, Bianca pega um saco preto enorme e vai com ele até
o banheiro. Quando chega lá, ela se ajoelha perto do corpo do marido
e deixa um de seus braços bem estirados, ela fica alguns segundos
olhando e em seguida começa a esquartejar Jeferson parte por parte.
Cada
parte de seu corpo ela jogava dentro do saco, ela não parecia se
importar com a nojeira que estava fazendo, enfim cortou tudo e os
amarrou dentro do saco e levou pra cozinha. Antes de fazer qualquer
outra coisa, Bianca pega uma bacia com água e sabão e começa a
esfregar em todo o banheiro pra tirar aquelas manchas de sangue, ela
continua com a mesma roupa da noite anterior, mas por algum motivo se
preocupou apenas em limpar o banheiro e sequer trocou a sua roupa que
também está ensanguentada.
Ela
consegue limpar todo o chão, mas em um local específico da parede,
ela não conseguia limpar, por mais que esfregasse infinitas vezes,
aquelas manchas não saíam. Vendo que seria inútil tentar limpar,
ela desiste e volta para a cozinha.
Bianca
vai puxando o saco com muita dificuldade até chegar do lado de fora,
ela olha para um lado e para o outro pra ver se encontra alguém e
não havia nem sinal de gente ali. Bianca continua a arrastar o saco
com os pedaços do corpo do marido para o mais profundo daquele
fazendão.
De
longe, podemos ver que alguém a está observando e percebe que ela
está toda ensanguentada e arrastando aquele saco que deixava um
rastro de sangue no caminho.
Passou-se
cerca de 40 minutos, Bianca chega a lugares que ela nunca tinha ido
além daquela fazenda, ela vai parar em uma área cheia de rochas e
umas estacas com cabeças de caveira em cada uma delas.
Ela
se detém, larga o saco e avista no meio daquelas rochas uma pessoa,
quando chega mais perto, trata-se daquela mesma velha de antes.
— Parabéns!
Você é uma de nós agora, aquele sangue no banheiro será o sinal
que ninguém pode tocar nesse território. Ninguém!
Bianca
continua confusa e neste momento ouve um alerta.
— Parada
ou eu atiro!
Bianca
não faz nada, apenas dá um sorriso diabólico e levanta as mãos
para a cima em sinal de rendição. Um grupo de policiais com alguns
cães farejadores chegam ali e abordam a moça.
— Departamento!
Estamos aqui com a suspeita pela qual recebemos a denúncia anônima
que estava “zanzando” pela fazenda.
Outro
policial o chama:
— Chefe!
Vem ver isso!
Eles
abrem o saco e veem o corpo mutilado de Jeferson ali dentro.
— Meu
Deus, que horror! Ela que fez isso?
Bianca
está ajoelhada no chão e outro policial a está algemando.
— Está
presa, senhora!
Bianca
dá um sorriso cínico e diz:
— Agora
está feito! Essa fazenda pertence a nós... Pertence ao
sobrenatural.
Os
policiais olham um para o outro, ninguém entende nada, por que isso
aconteceu? O que vai ser de Bianca agora? Ela poderá um dia se
recuperar de tudo o que viveu?
ATO
II
Águas
Lindas de Goiás, (antigo Parque da Barragem) 2001.
É
final de Setembro e tinha poucos dias que a humanidade havia
presenciado um dos maiores atentados do mundo: As Torres Gêmeas no
dia 11 de Setembro. A cidade que antes se chamava “Parque da
Barragem” agora é conhecida como Águas Lindas, a mudança foi
ainda nos anos 90 após o ocorrido na casa da fazenda.
Vemos
em um fusca vermelho, uma família que parece está bastante feliz
indo em direção a algum lugar. Dirigindo está Luís, homem alto,
35 anos e cabelo preto e liso, ao lado dele está a sua mulher
Sandra, 29 anos, cabelos loiros e olhos verdes.
No
banco de trás estão os três filhos do casal. Alex tem 10 anos,
estatura normal, cabelo preto, pele clara e olhos escuros. O do meio
se chama Gustavo, tem 7 anos, cabelo castanho e encaracolado. A
caçula se chama Júlia, 5 anos, loira de franja e tem olhos verdes
iguais os da mãe.
Eles
estão no fusca bastante animados cantando “Pelados em Santos” do
“Mamonas Assassinas”, naquela época, mesmo após 5 anos da morte
dos componentes da banda, as músicas faziam muito sucesso entre
jovens e adultos.
Eles
estão terminando a música e Luís pede pra que todos se preparem:
— Vamos
lá, quero todo mundo junto nessa parte, 3, 2, 1...
— VOCÊ
É MEU XUXUXINHO!
Ao
entoarem o trecho da música, ambos caem em gargalhadas e a pequena
Júlia abraçada à sua boneca, curiosa, questiona:
— O
que é xuxuzinho, mãe?
— Ah,
meu amor. Você é um xuxuzinho.
Alex,
o mais velho resmunga.
— Ah,
você não é não.
— Fica
quieto, Alex!
— Alex,
filho. Não fique caçoando de tua irmã. Você é o xuxuzinho da
mamãe sim, Júlia.
— Viu,
seu bobão! Eu sou o xuxuzinho da mamãe e você não.
— Ah,
cala a boca! (dando língua pra ela)
— Mãe,
o Alex me deu língua!
— Alex?
Quer parar?
— Ah,
mãe, qual é?
Luís
impõe autoridade.
— Alex,
não fale desse jeito com a tua mãe.
— Sempre
sobra pra mim.
Gustavo
que até então estava quieto, se pronuncia.
— Pai,
ele tá com ciúmes porque sabe que vocês gostam mais dos caçulas
do que dele.
— O
quê? Cala a boca, Gustavo!
— Vem
calar!
— Oh
mãe! Fala pro Gustavo parar!
— Nossa,
mas vocês estão impossíveis hoje! Luís, faça alguma coisa.
— É
o seguinte, se não se comportarem, não terão pizza no fim de
semana.
As
crianças automaticamente se comportam na mesma hora. Sandra
impressionada questiona:
— Como
você fez isso?
— Eu
tenho meus truques, querida.
Passou-se
cerca de meia hora e finalmente aquela família chega ao seu destino.
E para a nossa infelicidade que acompanhou o que aconteceu com aquele
casal há 10 anos, eles foram parar justamente na fazenda, aquela
fazenda. E o pior de tudo, aquela mesma casa.
Parece
que nada mudou de 10 anos pra cá, a não ser pelas árvores que
cresceram ao redor e já não tem mais tanto verde e nem animais por
perto, pelo menos não ali ao redor da casa.
Luís
e sua família descem do fusca e ambos ficam observando o local.
— Amor,
essa é a casa?
— Pois
é, não é muito grande, mas... Dá pra sustentar nós 5.
— Eu
falo que é totalmente longe de tudo, não tem nenhuma casa aqui por
perto?
— Dentro
da fazenda não. A não ser pela granja que tem bem lá embaixo. Como
a área é aberta, hora e outra a gente vai topar com trabalhadores
da granja.
— Isso
não me deixa nada confortável.
— Meu
bem, concordamos com isso, lembra?
Sandra
é totalmente diferente de Bianca, ela não aceitava tão facilmente
as coisas apesar de que sempre teve um relacionamento saudável com o
seu marido.
As
crianças ficam admiradas com tantas árvores ao redor, Gustavo dá a
volta pela casa e encontra a amoreira muito mais bonita que na década
passada.
— Caraca,
Alex, Júlia, tem amora aqui atrás.
— Sério?
— Ahh
eu quero amora!
Sandra
adverte:
— Crianças,
cuidado! Não fiquem perambulando por aí sozinhos.
Enquanto
as crianças se lambuzam com as amoras, o casal adentra à casa e
Sandra fica admirada porque está tudo organizado.
— Uau!
Achei que ia chegar e a casa estaria caída aos pedaços.
— Claro
que eu vim aqui antes pra arrumar tudo, né amor?
— Gostei
do que vi. Acho que vou colocar você pra ser o dono de casa e eu
sair pra trabalhar, o que acha?
— Não,
você vai detestar a minha comida, senhorita Sandra.
— Bobo.
Sandra
dá um beijo de leve em Luís e vai observando a casa.
— Tem
quantos cômodos mesmo?
— Quatro
incluindo o banheiro. A gente pode colocar o Alex e o Gustavo pra
dividir o quarto e a Júlia dorme com a gente por enquanto, pedi pra
colocar a caminha dela em um canto no nosso quarto.
— O
Alex vai odiar ter que dividir o quarto com o Gustavo.
— Ah
disso eu tenho certeza!
Sandra
continua olhando cômodo por cômodo até chegar ao banheiro, ela
entra e fica olhando por alguns minutos, Luís entra.
— E
aí, o que achou?
— Bem,
considerando que estamos longe de tudo e de todos... Eu gostei da
casa.
— Sabia
que ia gostar, amor.
Sandra
olha por alguns instantes pra parede e repara nas manchas vermelhas.
— Amor,
aquelas manchas... São de sangue?
— Aonde?
— Ali
no canto da parede.
— Ah,
acho que não, amor.
— Eu
tenho quase certeza que isso é mancha de sangue.
Ela
passa o dedo na parede.
— E
pelo visto está aqui há muito tempo.
— Deve
ser tinta ou coisa do tipo.
— Tinta
vermelha? Em um banheiro que o azulejo é azul claro? Não mesmo.
— Talvez
os antigos moradores iam pintar e depois desistiram e não
conseguiram tirar as manchas depois.
— É,
só se for mesmo. A propósito, quem eram os antigos moradores?
— Pra
ser sincero... Não sei dizer.
— Isso
me deixa muito “aliviada”, vamos colocar as caixas pra dentro.
Sandra
e Luís sequer imaginavam que naquele mesmo banheiro, um crime brutal
havia ocorrido há 10 anos, um homem foi totalmente desmembrado
naquele local e o pior de tudo... Tanto ele quanto ela não estavam
mais em pleno gozo de suas faculdades mentais, ou pelo menos, é o
que parecia.
Já
é noite, ambos estão ali na sua nova moradia conversando enquanto
Luís está ao telefone.
— Tá
brincando? Não fazem entrega pra essas bandas? Mas... Tudo bem, eu
entendo. Obrigado!
— O
que foi, amor?
— É,
crianças. Parece que ficaremos todos sem pizza hoje.
Ambos
começam a resmungar.
— Ah
não!
— Fala
sério, pai. Você prometeu!
— Desculpem,
mas não foi minha culpa.
— O
que eles disseram, amor?
— Que
não fazem entregas pra essa região à noite.
— Mas
não é nem 8 horas.
— Pois
é, mas segundo eles, é perigoso fazer entregas pra cá depois das
18h.
— Fala
sério, isso é discriminação!
— E
a pizzaria mais próxima fica há uns 4 quilômetros daqui e eu não
estou afim de dirigir agora à noite, então criançada, vamos ter
que comer outra coisa.
— Bom,
já vi que vocês não tem outra alternativa: Terão que comer a
macarronada da mamãe.
E
assim eles degustaram da boa macarronada que Sandra melhor sabe
fazer. As horas foram passando e eles ficavam conversando, os garotos
brincavam de tazos enquanto a pequena Júlia brincava com suas
bonecas. Luís tenta sintonizar a TV seminova de 20 polegadas
enquanto Sandra lia um livro no sofá.
Já
era por volta da meia-noite. Alex e Gustavo já foram dormir e Sandra
está colocando a pequena Júlia pra dormir em sua caminha que fica
dentro do quarto do casal.
— Até
o papai construir um quarto só pra você, vai dormir com a gente, tá
bom?
— Eu
vou poder ter o meu quarto cheio de bonecas?
— Claro,
meu amor! Cheio de bonecas, ursos de pelúcia, do jeito que você
gosta.
— E
ele vai ser pintado de rosa?
— Claro,
a cor que você quiser.
— Que
massa!
Sandra
solta uma gargalhada discreta.
— Meu
amor, onde aprendeu a falar isso?
— Eu
vi o Alex falando.
— Espero
que esse garoto não aprenda outro tipo de palavreado, por enquanto
“massa” é aceitável. Vai dormir, tá meu anjo? Boa noite!
— Boa
noite, mamãe!
Todos
enfim foram dormir, aquela será a primeira noite daquela família em
sua nova casa. Já é por volta de 1 hora da manhã. Gustavo está se
revirando por um lado e pro outro da cama. Ele acorda, se recosta na
cabeceira e observa seu irmão Alex dormindo.
Gustavo
se levanta e vai para a cozinha. Ele pega um copo e o enche de água,
quando dá o primeiro gole, ele parece sentir que tem alguma coisa na
porta. Gustavo fica paralisado olhando por alguns minutos, ele dá os
primeiros passos em direção à porta. Aparentemente não tem nada
ali, mas ele sente como se algum animal ou coisa parecida estivesse à
espreita.
Gustavo
começa a esticar a mão levemente até a maçaneta, quando está
prestes a girar, ele vê alguém pegar em seu ombro.
— Gustavo!
— Ahh!
Gustavo
deixa o copo cair quebrando-o, é o seu irmão Alex.
— O
que você tá fazendo aqui?
— Você...
Você me assustou!
— Você
queria ir pra rua, tá ficando louco?
— Não,
é que, é que...
Sandra
ouve o barulho e vai até a cozinha e fala sussurrando pra eles.
— Meninos,
já é uma hora da manhã. O que vocês estão fazendo?
— O
Gustavo estava querendo abrir a porta, mãe.
— Gustavo?
— Não,
mãe. Eu não estava, eu... Eu, eu ouvi um barulho e...
— ...
Já chega! Pra cama os dois! Sorte que o pai de vocês não acordou,
porque aí vocês estariam muito encrencados.
Os
dois garotos voltam para o quarto, mas alguma coisa deve ter
acontecido, Gustavo não iria querer se aproximar da porta de sua
casa no meio da noite assim do nada.
No
dia seguinte, Luís saiu para assinar a papelada de seu novo emprego,
ele é um engenheiro civil formado e ficou muito feliz pela
oportunidade que recebeu. Ao sair dali, Luís foi até o colégio
mais próximo de onde eles eles estão morando para matricular seus
dois filhos, mesmo em pleno Setembro, ele não queria que ambos
perdessem o ano escolar, então conseguiu duas vagas para Alex e
Gustavo em uma escola que fica há uns 20 minutos da fazenda.
Horas
mais tarde, Sandra está estendendo roupas no varal enquanto os
garotos estão lá dentro brincando. A pequena Júlia sai pra fora e
questiona sua mãe:
— Mãe...
A senhora viu minha boneca? Aquela grande que o papai me deu.
— Não,
meu amor. Você não tinha ido dormir com ela?
— Tinha,
mas quando eu procurei pra brincar, ela não estava.
— Vê
com seus irmãos, com certeza eles esconderam.
Júlia
entra pra dentro de casa e vê seus irmãos brincando com bola de
gude na sala.
— Gustavo,
você viu minha boneca?
— Você
tem um monte de boneca, Júlia!
— Não,
mas eu quero a “sofia”, a boneca que o papai me deu de
aniversário.
— Não
vi não.
— Alex,
você viu minha boneca?
— Tô
nem aí pra tua boneca!
Júlia
desapontada decide ir procurar a boneca sozinha. Ela entra no quarto
de seus pais e começa a chamar por ela.
— “sofia”!
Cadê você?
Júlia
olha debaixo da cama dos pais e não vê nada. Em seguida ela olha
debaixo da caminha dela e também não encontra nada. A menina olha o
guarda-roupa dos pais e também nada encontra.
Após
quase desistir, ela prefere ir no quarto dos irmãos. Quando entra
ali, ela sente um arrepio soprando seu cabelo. A garota não dá
muito caso e decide procurar sua boneca pelo quarto.
Após
olhar por debaixo das camas, ela ouve um sussurro.
— Psiu!
Ei! Aqui.
Júlia
se levanta e fica encarando o guarda-roupa.
— “sofia”?
— Sou
eu, eu tô aqui dentro, vem brincar.
A
voz era como de uma criança, e ressoava de uma maneira sussurrada.
— Vem
brincar comigo, Júlia. Vem!
Júlia
vai andando em direção ao guarda roupa lentamente. Ela para por
instantes, hesita e a voz continua chamando-a.
— Tenho
uma surpresa pra você aqui dentro, você não quer ver?
Júlia
está ressabiada, mas dá mais alguns passos em direção ao guarda
roupa. Quando ela abre a porta, seus olhos ficam arregalados diante
de algo que vê e solta um grito estarrecedor.
— Aaaaaaaahhhh!!!!
Aaaaaaaaahhh!!
Sandra
ouve os gritos de Júlia e deixa o cesto de roupas no chão e vai
imediatamente pra dentro da casa, ao chegar lá, seus irmãos já
estão no quarto e ambos estão olhando pra dentro do guarda-roupa
estupefatos e Júlia está chorando no pé da cama.
— O
que foi? Por que a gritaria?
Os
garotos apontam pra dentro do guarda-roupa e Sandra vê a boneca
“sofia” enforcada no cabide sem roupinhas e com o desenho de uma
cruz invertida no peito.
Sandra
fica completamente em choque diante do que vê.
Cerca
de meia hora depois, Luís está na sala tendo uma conversa séria
com Alex e Gustavo. Eles se encontram no sofá ouvindo o sermão do
pai.
— Muito
bem, agora vocês podem começar a me dizer... Qual de vocês fez
essa brincadeira sem graça com a sua irmã?
Alex
responde:
— Mas
pai, não foi a gente, nós estávamos brin...
— ...
Não levante o tom de voz pra mim, Alex! Só porque está ficando um
rapaz, não te dá o direito de me responder com malcriação.
Gustavo
reforça:
— Mas
pai, não fomos nós. A gente estava brincando na sala e ouvimos os
gritos da Júlia.
Sandra
e Júlia estão em um canto da sala testemunhando o sermão.
— Ah,
é? Se não foi um de vocês dois, quem foi? Hein? Vão falar que foi
a mamãe, o papai ou a própria Júlia que fez isso?
Os
garotos preferem manter o silêncio.
— Ótimo!
Estão de castigo! Sem videogame por uma semana.
— Ah
não, pai!
— Sem
reclamar ou eu aumento pra duas semanas, Gustavo!
Os
dois garotos se levantam do sofá e vão para o quarto resmungando.
Luís coloca a mão na cabeça e murmura.
— O
que esses moleques estão aprendendo hoje em dia?
Luís
vai pra fora e Sandra senta na poltrona colocando Júlia no colo.
— Não
se preocupe, meu amor. Eles não vão mais fazer isso.
— Mamãe,
eu ouvi a “sofia” me chamando.
— Quê?
— Ela
disse que tinha uma surpresa pra mim, por isso eu abri o
guarda-roupa.
— Você
andou assistindo filmes de terror, filha? Ai, tenho que falar pro
Alex parar de ver esses filmes na tua frente.
Algumas
semanas se passaram e aparentemente nada de estranho voltou a
acontecer, os garotos começaram a estudar enquanto Sandra e Júlia
ficavam sozinhas em casa. Diferente daquela família anterior, todos
eles gostavam de frequentar a igreja. Então todos os Domingos, Luís
levava a sua família para uma igrejinha no bairro mais próximo
dali.
Era
tudo muito simples, todos eles estavam seguindo suas vidas
normalmente, até que um dia na escola dos garotos, na roda de
conversas no recreio, Gustavo acabou soltando pra um grupo de colegas
o local onde ele mora, e isso parece não ter ressoado muito bem nos
ouvidos deles.
— Quê?
Você mora no “fazendão”? Tá maluco? Aquele lugar é
assombrado!
— Não
é não, por que tá dizendo isso?
— Claro
que é, minha mãe me contava das coisas que aconteciam ali, disse
que várias pessoas morreram naquele lugar.
— Para,
não é verdade!
— O
Gustavo deve até mijar na cama com medo dos fantasmas.
— Parem
com isso!
O
grupo de garotos começa a cantarolar “O Gustavo mora na casa
assombrada”, “O Gustavo mora na casa assombrada”.
Gustavo
começa a lacrimejar e se sente afrontado pela provocação dos
colegas.
— Parem!
Parem! A minha casa não é assombrada!
Os
outros garotos continuavam a cantarolar, um deles fica bem próximo
de Gustavo e diz:
— Quem
você já viu lá? O Candyman? A loira do banheiro? Quem?
— Para!
Para!
Alex
vê aquilo e corre rapidamente empurrando o garoto que provocava o
irmão.
— Deixa
meu irmão em paz!
— Uuui,
o “Gugu” tem um defensor.
— Cala
a boca! Por que não mexe com alguém do teu tamanho?
— Vai
encarar, parceiro?
— Vem
pra cima então!
Os
dois garotos começam a se “atracar” pelo chão distribuindo
socos e chutes. Os demais garotos continuavam a provocar pra que eles
continuassem a briga. Gustavo olha para o portão da escola e vê um
homem de chapéu, não podemos ver o seu rosto direito, mas o garoto
fica tão assustado que enquanto o seu irmão está brigando com um
colega, a urina começa a escorrer pelas suas calças e ele fica se
tremendo.
Alex
cessa a briga e percebe que algo está errado com o irmão.
— Gustavo,
o que aconteceu com você?
— Me
leva pra casa, por favor!
30
minutos mais tarde, os garotos chegam em casa e Sandra fica impactada
com a situação que seus filhos se encontram.
— Mas
o que aconteceu com vocês? Não me diga que... Não me diga que
brigaram na escola? Alex, você tá brigando na escola?
— Mas
mãe, eles estavam...
— ...
Eles, eles! Sempre eles! Você nunca tá errado, né? Gustavo, meu
filho, o que aconteceu? Você... Você tá molhado.
— Ma...
Mãe.
— Chega!
Venha tomar um banho, e você mocinho (se dirigindo a Alex), pro seu
quarto!
— Mas
eu... Ahhh!
Alguns
minutos depois, Sandra já havia terminado de dar banho em Gustavo,
ela o coloca na cama enquanto veste sua calça de dormir.
— Mãe,
por favor, não conta pro papai que eu mijei nas calças. Por favor!
Por favor!
— Filho,
seu pai não ia se importa com isso.
— Não,
se ele souber vai dizer que eu sou uma criança, e eu quero ficar
grande como o Alex.
— Não
sei dizer se o teu irmão é a melhor influência pra você. Veja só
o que ele fez.
— Mas
mãe, o Alex brigou com os moleques porque eles estavam zoando
comigo.
— Espera,
eles estavam zoando com você?
— Sim,
porque eu disse que morava nessa casa e eles disseram que esse
fazendão é assombrado e ficaram zombando de mim.
— Mas
que ideia idiota desses garotos! Bom, então se o Alex brigou, não
que isso justifique, pra defender você... Acho que ele merece uma
desculpa.
Alex
está na sala sentado no sofá com um cubo mágico na mão, sua mãe
chega à espreita o tanto envergonhada.
— Seu
irmão me disse o que aconteceu... Que você brigou porque os colegas
estavam caçoando dele.
Alex
mantém silêncio e continua concentrado no cubo. Sandra percebe a
indiferença do filho e se aproxima parando de frente a ele.
— Olha,
eu sei que estou sendo dura com você, mas é que... Últimamente eu
tenho estado tão estressada que...
— ...
Esse é o problema, mãe! Você e o papai nunca me ouvem!
— Alex,
não diga isso.
— Mas
é verdade, tudo o que acontece é minha culpa. Eu não queria ter me
mudado pra cá e vocês me obrigaram, tudo o que acontece com o
Gustavo ou com a Júlia é culpa minha, eu sempre estou errado!
Alex
se levanta zangado e vai em direção à porta.
— Espera,
Alex! Onde você vai?
— Não
sei, mãe! Eu estou cansado desse lugar, cansado dessa maldita
fazenda, eu quero ir embora dessa casa!
Quando
Alex está prestes a passar pela porta, esta fecha sozinha
bruscamente, Alex cai no chão assustado.
— Ahh!
— Alex?
Alex? O que... O que foi isso?
— A
porta... A porta fechou sozinha, voc... A senhora viu, não foi?
Sandra
fica observando a porta fechada completamente intrigada.
Mais
tarde, Sandra está conversando com Luís sobre o incidente.
— Eu
estou te falando, Luís. A porta fechou sozinha! Eu estava lá.
— Deve
ter sido o vento, amor. Não exagera.
— Não!
Não tinha corrente de ar nenhuma, a porta bateu com muita força.
— Tá,
e o que você quer que eu faça? Que eu compre outra porta? Reforce a
tranca?
— Não,
eu... Eu só estou um pouco confusa. Têm acontecido umas coisas
estranhas ultimamente.
— Amor,
só estamos tendo problemas de adaptação. É normal, tem nem 3
meses que nos mudamos, depois vamos nos acostumar.
— Espero
que sim... E a propósito... Vá conversar com teus filhos, acho que
eles precisam muito do pai nesse momento.
Sandra
vai para cozinha e deixa Luís o tanto pensativo, ele sabe que têm
ficado muito distante dos filhos nos últimos dias.
1
mês depois...
Aparentemente,
nada mais estranho aconteceu durante este mês que passou. Sandra
está cozinhando enquanto Júlia está assistindo desenhos no tapete
da sala. Sandra vai até o lado de fora para recolher as roupas no
varal, ela olha para o horizonte e parece ter visto alguém. Um pouco
desconternada ela se aproxima pra saber quem é e vê um homem
montado a cavalo observando a casa e as árvores.
Essa
pessoa era ele! O Seu Estevão, o mesmo bondoso capataz que ajudou
Bianca antes do tórrido crime naquela casa. Estevão está com cerca
de 55 anos e está bastante pensativo olhando para o “nada”.
Sandra estranha a presença dele e o questiona:
— Pois
não, senhor? Posso ajudá-lo?
Estevão
ignora a pergunta e declama com entonação meio “teatral”:
— Ah
quanto tempo eu não venho aqui nesta fazenda! Tanta coisa aconteceu,
tanta coisa mudou ou então... Nada mudou! O inferno continua aqui
disfarçado desse paraíso.
Sandra
fica sem reação e insiste em questioná-lo mais uma vez.
— Me
desculpe, mas quem é o senhor?
Dessa
vez Estevão dá atenção a ela e fitando-a como se não tivesse
notado antes sua presença ali, questiona:
— A
senhora mora aqui?
— Sim,
me mudei há uns 2 meses, mas quem é...
— ...
Não sabe o que aconteceu aqui? Não sabe o que esconde essa fazenda?
— Desculpe,
mas... Eu não estou entendendo.
— Esse
lugar tem cheiro de morte! Tudo o que é tocado aqui, vira um mar de
sangue.
— Olha,
senhor, não quero ser grosseira, mas...
Júlia
sai na porta e chama pela mãe.
— Mami,
eu estou com fome!
— Já
estou indo, meu amor. Senta lá no sofá que daqui a pouco te dou a
comida.
Júlia
entra e Estevão fica observando incrédulo.
— Filhos?
A senhora tem... Filhos?
— S-sim,
tenho três filhos, mas... Escuta, o que o senhor quer na verdade? Eu
poderia...
— ...
Saia da fazenda!
— O
que disse?
— Você
não me ouviu? Saia desse lugar o quanto antes! A tua família está
em perigo! Proteja os teus filhos! Não podem ficar aqui! Não podem!
— Espera,
mas por quê isso?
— Saia
agora antes que seja tarde!
Estevão
segura firme a rédia de seu cavalo e sai galopando, Sandra tenta
impedí-lo.
— Espera,
volta aqui! Quem é o senhor? Por que eu tenho que sair da fazenda?
ESPERA!
Estevão
parte em retirada deixando Sandra completamente intrigada, ela decide
voltar para dentro de casa e na porta encontra uma cuia de ossos. Ela
coloca as mãos na boca a princípio e depois se agacha pra vê-los.
Ela olha para um lado e para o outro e não vê mais ninguém, quem
ou o quê poderia ter colocado aquilo ali? Estaria se repetindo a
mesma história com Bianca?
Naquele
mesmo dia, Luís chegou muito mais tarde que o de costume, Sandra
fica preocupada, era a primeira vez que o seu marido chegava duas
horas mais tarde. Ele sempre chegava por volta das 18h30 e no mais
tardar às 19h. Foi um dia “atípico”, mas por quê?
— Tenho
uma notícia boa e uma ruim, amor. Me transferiram pra outro setor
que é um pouco mais longe, eu vou ganhar um pouco mais, só que vou
começar a chegar mais tarde nos próximos dias.
— Nossa,
amor! Mas por que te transferiram assim do nada?
— Eu
também não entendi, mas... Enfim, eu vou tomar um banho e vou me
deitar. Te amo!
Luís
vai para o banheiro, Sandra pensa em contar sobre o misterioso
capataz que apareceu pela manhã ou sobre aquela cuia com ossos que
encontrou, mas preferiu deixar o marido descansar. Com certeza ele
deve ter tido um dia agitado, não queria incomodá-lo.
É
madrugada, o relógio no quarto dos dois garotos aponta para 02:58AM.
Vemos
Gustavo deitado na cama e seus olhos começam a ficar incômodos, ele
os abre e fica meio ofegante. Em seguida o garoto se senta na cama e
começa a fitar a penumbra próxima ao guarda-roupa. Seus olhos
começam a lacrimejar e sua testa soa, ele está sentindo um medo
gélido na espinha, mesmo assim decide sussurrar para o seu irmão.
— Alex...
Alex, acorda!
Alex
a princípio não dá ouvidos. Gustavo insiste em sussurrar.
— Alex,
Alex!
Alex
incomodado acorda e vira para o irmão.
— O
que foi, Gustavo? Por que tá acordado? O papai vai brigar.
— O...
Olha.
Gustavo
aponta para a escuridão no guarda-roupa.
— O
quê?
— Você...
Não tá vendo? E nem ouvindo?
— Gustavo,
eu não estou vendo nada.
Gustavo
ouve alguém cantar bem baixinho uma música.
— “Um,
dois... Não olhe pra trás. Três, quatro... Correr não adianta
mais...”
— É
ele, é o homem do chapéu preto.
— Gustavo,
eu não estou vendo nada.
Alex
se levanta da cama e vai em direção ao guarda-roupa.
— Não,
não, Alex! Não vai, não vai!
— Calma,
não tem ninguém.
— Ele
tá, ele tá dentro do guarda-roupa, por favor!
A
misteriosa canção volta a ser entoada, mas aparentemente só
Gustavo consegue ouvi-la.
— “Cinco,
seis, chegou a sua vez...”
— Por
favor, Alex! Não abre o guarda-roupa, por favor, por favor!
— Calma,
eu só vou te mostrar como não é nada.
Gustavo
abraça forte o travesseiro enquanto Alex abre o guarda-roupa. Ele
mexe nas roupas e não vê nada.
— Viu
só, eu disse que não era nada.
Ao
concluir a frase, uma figura espectral com o rosto enorme e um chapéu
preto sai da penumbra do guarda-roupa e grita:
— “SETE,
OITO, NOVE E DEZ, ELE VAI PUXAR SEUS PÉS!”
Os
dois garotos gritam desesperadamente:
— AAAAAAAAAAAHHHHHHHH!!!
AAAAAAAAAAHHHHH!!
Luís
e Sandra acordam assustados com os gritos. Os garotos estão na porta
do quarto e não conseguem abrir, eles clamam por ajuda.
— PAAAI!!
PAI! SOCORRO!!
Luís
chega na porta do quarto e tenta abrir.
— Alex,
Gustavo! Abram a porta!
Sandra
também fica em desespero:
— O
que tá acontecendo?
Júlia
também se levanta da cama e fica atrás dos pais vendo eles tentando
abrir a porta enquanto os irmãos pedem socorro de lá de dentro.
— PAI,
ELE TÁ AQUI DENTRO! SOCORRO! SOCORRO!
— LUÍS,
FAÇA ALGUMA COISA!
— EU
ESTOU TENTANDO ABRIR!
Do
lado de dentro do quarto, enquanto Alex está tentando abrir a porta,
Gustavo olha pra trás e vê o “homem de chapéu preto” sentado
na janela apontando o dedo pra eles e cantarolando.
— “UM,
DOIS, NÃO OLHE PRA TRÁS!”
— AAAAAAAAAHHH!!
ALEX! ELE VAI PEGAR A GENTE!
Alex
também vê a figura e desesperado clama pelos pais.
— PAI,
MÃE!! SOCORRO!!!
Luís
não vê outra alternativa a não ser arrombar a porta.
— Afastem-se!
Eu vou arrombar a porta! Fica no pé da cama os dois!
Luís
começa a chutar a porta incansavelmente, até que no quinto chute
consegue abri-la. Os dois garotos correm para os braços do pai,
Sandra fica tentando acalmar os filhos.
— O
que aconteceu?
Gustavo
exclama:
— O
Homem do Chapéu preto! Ele tá aqui no quarto!
— É
verdade, pai! Eu vi ele!
Enquanto
Sandra e Luís tentam ver o que aconteceu no quarto, Júlia vai se
afastando deles com um urso de pelúcia na mão até chegar no
corredor que dá pra cozinha, ela ainda ouve os gritos do pai
procurando por algo dentro do quarto, mas então ela fita algo na
cozinha. Os olhos da pequena garota ficam enormes, ela abraça seu
urso de pelúcia com toda a força possível, ela quer gritar, ela
precisa gritar, ela deve gritar. Até que ela tira força de onde não
tem pra ecoar o mais agudo grito de clemência naquele momento.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!
Luís
e Sandra juntamente com os garotos saem imediatamente do quarto e
quando chegam na cozinha se deparam com um bode negro à espreita da
porta dos fundos.
— Meu
Deus! Meu Deus! O que um bode tá fazendo aqui dentro?
— Tira
ele daqui, Luís! Tá assustando a Júlia!
Luís
fica tentando expulsar o bode que insiste em continuar ali.
— Sai
daqui! Sai daqui seu animal maldito! Sai daqui!
Após
pressioná-lo, o bode sai correndo pra fora de casa. Sandra abraça
Júlia.
— Você
tá bem, meu amor?
De
repente, barulho de pedras sendo lançadas no telhado é ouvido.
— AAAAHHHH,
MAMI!
— Luís,
o que é isso?
O
barulho estava cada vez mais forte como se realmente várias pessoas
estivessem atirando pedras no telhado. Luís perde a paciência e
pega um facão encima do armário da cozinha, ele sai de casa
explodindo em fúria apontando o facão para o que quer que seja que
poderia estar ali fora.
— SAIAM
DA MINHA CASA! APAREÇAM, SEUS DESGRAÇADOS! VOCÊS ME OUVIRAM? SE
NÃO DEIXAREM A MINHA FAMÍLIA EM PAZ, EU CHAMO A POLÍCIA! DEIXA A
GENTE EM PAZ, SEUS FILHOS DA PUTA!
Ninguém!
Absolutamente nenhuma alma viva apareceu ali, Luís vendo que não
tinha mais nada a se fazer, abaixa o facão e volta pra dentro de
casa. Os filhos imediatamente correm para abraça-lo. Algo de muito
errado já está acontecendo, talvez Sandra deveria ter dado ouvidos
ao Seu Estevão, o que eles podem fazer agora depois desta noite?
ATO
FINAL
Passou-se
o dia, os garotos dormiram juntamente com seus pais, aparentemente
tudo “voltou ao normal”. Luís parece não ter dado muito crédito
ao que aconteceu, para ele, tudo não passou de uma brincadeira de
mal gosto de arruaceiros que passavam por ali e que o famoso “homem
do chapéu preto” era apenas uma imaginação dos filhos. Mas então
como explicar a presença daquele bode dentro da casa? E como
explicar as pedras sendo arremessadas no telhado no meio da noite em
uma casa na fazenda onde fica distante de tudo?
Luís
segue incrédulo e prefere tocar sua vida adiante, mas Sandra é
muito mais esperta, ela sabe que tem algo errado acontecendo, e por
mais que não queira, ela acredita nos filhos. Então Sandra toma uma
atitude, ela decide ir juntamente com Júlia visitar o pastor da
igrejinha onde eles vão de vez em quando. Alex e Gustavo estão no
colégio enquanto isso.
O
pastor se chama Alfredo, homem alto, 45 anos, careca e com o nariz
pontudo.
— Irmã,
que prazer tê-la por aqui!
— Boa
tarde, pastor Alfredo, eu... Posso entrar?
— Claro,
claro, entre.
Minutos
depois, Sandra está na mesa com Júlia em seu colo conversando com o
pastor.
— Olha,
eu não sei se o senhor acredita nessas coisas, mas... Ultimamente tá
acontecendo alguns “eventos” um pouco estranhos na minha casa.
— Desculpa,
mas que tipo de eventos?
— Olha,
pastor. O senhor vai pensar que eu estou louca, mas é como se minha
casa estivesse sendo assombrada por alguma coisa, as últimas duas
noites não estamos conseguindo dormir e meus filhos insistem que
estão vendo algo e não sei o que fazer.
— Onde
a senhora mora?
— Na
casa do fazendão.
O
pastor Alfredo muda o semblante do nada e começa a ficar com as mãos
trêmulas.
— Pastor,
o senhor está bem?
— Então...
Então vocês moram naquela casa?
— Sim,
mas... Qual o problema?
— Ai,
filha! Se soubesse o que já aconteceu naquela fazenda, já teriam se
mudado pra bem longe.
— Mas...
O que foi que aconteceu? Pastor, eu preciso saber o que há de errado
naquele lugar.
— É...
É... Meu bem! (Ele chama pela esposa)
— Sim?
— Por
que não leva essa princesa pra tomar um chocolate?
— Claro,
você quer tomar chocolate, linda?
— Quero!
— Então
vem cá com a tia. Tudo bem, Sandra?
— Oi,
pastora!
A
esposa de Alfredo leva Júlia para tomar um chocolate enquanto ele
continua a conversa com Sandra.
— Escute
bem. Há mais ou menos uns 10 ou 11 anos, um casal morava ali. O
marido começou a chegar tarde em casa e fedendo a bebida, ele
começou a espancar a mulher toda vez que chegava bêbado em casa.
Até que um dia... Ela se cansou e o matou com um machado enquanto
ele estava no banho.
— Ai,
meu Deus!
— E
essa não é a pior parte. Ela esquartejou o corpo do marido e o
colocou em um saco arrastando-o sabe lá Deus pra aonde. Até hoje
não sabemos o que realmente aconteceu com ela, a polícia do Parque
da Barragem que era o nome da nossa cidade antes preferiu abafar o
caso. Só que uma coisa eles não sabiam... Tanto ele quanto ela
estavam sendo influenciados por uma força demoníaca. Eu não
acredito em fantasmas, irmã Sandra, mas acredito nas potestades e
nos principados, e aquela fazenda é dominada por uma legião de
demônios, muitos deles extremamente fortes capazes de possuir uma
pessoa como foi o caso do Jeferson.
— Espera
um pouco, mas como você sabe de tudo isso? Como sabe que foi uma
coisa demoníaca?
— Porque
o Jeferson trabalhava comigo naquela época. Sim! Éramos colegas de
trabalho e eu lembro perfeitamente quando ele chegou alegre e
sorridente e falava da esposa e do sonho de ser pai. Mas passado
alguns meses, Jeferson começou a agir estranho, estava sempre
furioso e chegava até mesmo a beber no horário de expediente
escondido. Eu não era pastor na época, mas eu podia sentir que
Jeferson não era mais o mesmo e que alguma força maligna estava
fazendo a cabeça dele... Eu orei! Implorei ao Senhor pra me mostrar
o que havia de errado, eu queria pensar que não era nada, mas no dia
do incidente foi como se um véu que cobria os meus olhos tivessem se
rasgado e o Senhor me revelou em visão o que aconteceu, meu coração
ficou estremecido, então eu senti que Deus estava me incomodando pra
eu levantar muito cedo e ir naquela fazenda.
E
foi o que aconteceu, eu peguei meu carro velho e fui em direção à
aquela fazenda por volta das 6 da manhã, eu entrei na casa e vi
rastros de sangue em todo o lugar, principalmente no banheiro, tinha
muito sangue nas paredes do banheiro! Eu fiquei em choque, não vi
nem o Jeferson e nem sua esposa Bianca. Então eu saí e vi que tinha
rastros de sangue no matagal que levava pra algum lugar, eu segui
aqueles rastros e vi de longe uma mulher arrastando um saco preto, eu
tinha certeza que era a Bianca. (Seus olhos começam a lacrimejar)
Quando vi isso, foi a confirmação da visão que eu tive. Então eu
decidi ligar pra polícia anonimamente, em meia hora eu acho, eles
apareceram e depois não soube mais nada da Bianca, fiquei com medo
de dar qualquer depoimento, aquele lugar me dava arrepios, eu só
queria voltar pra casa e pra minha mulher.
Alfredo
para por uns instantes, soluça e as lágrimas escorrem pelo seu
rosto e ele continua a falar com a voz embargada:
— Naquele
dia eu percebi que eu tinha um chamado nessa Terra, mas me acovardei!
Talvez se eu tivesse percebido antes poderia ter salvado aquele
casal, mas não! Deixei duas almas partirem de uma forma trágica...
Desde então eu penso dia e noite desse ocorrido, foi aí que eu
percebi qual era o meu chamado, eu precisava me tornar alguém,
precisava ser alguém com quem as pessoas pudessem ter um
intercessor, mas falhei, irmã Sandra! Eu queria poder voltar atrás
e consertar tudo isso! Talvez assim o Jeferson e a Bianca ainda
estariam vivos e... Me desculpe, eu... Eu...
— ...
O senhor não teve culpa, pastor. Fez o que podia fazer.
— Mas
o diabo é sujo, filha! Ele vai fazer de tudo pra nos enfraquecer.
— Então
significa que... A minha casa está sendo manifestada por demônios?
— A
casa não, a fazenda inteira. Mas como a sua casa é o único
“templo” erguido em paredes daquela região, os demônios se
concentram mais nesse lugar. Escute, Sandra, notou alguma coisa
diferente no seu marido?
— Que
eu saiba não, por que a pergunta?
— Tem
certeza? Mudanças repentinas de humor, ou mudança no seu itinerário
de maneira abrupta?
Sandra
começa a puxar pela memória e se lembra de que uns dias pra cá seu
marido têm chegado muito tarde e que ele anda bastante incrédulo em
relação às coisas que acontecem na casa.
— Agora
que você perguntou... Eu acho que sim, ele têm chegado tarde em
casa e um pouco impaciente.
— Desculpa
a pergunta, mas seu marido tem ou já teve algum tipo de vício com
bebida, cigarro e essas coisas?
— Não,
o Luís nunca foi dessas coisas.
— Isso
é um ótimo sinal! Mas preste atenção, filha. O demônio que ronda
a sua casa quer se manifestar no seu marido, da mesma forma que ele
fez com o Jeferson, e você precisa ser forte. Agora você tem três
filhos e pode ser que os demônios estejam tentando pregar uma peça
com eles, mas fique de olho em seu marido, não ignore os sinais,
ninguém avisou para a Bianca o que estava acontecendo, mas agora eu
estou tendo a chance de te avisar, então, por favor... Tome cuidado,
filha! Estarei orando por vocês, mas preciso que faça a sua parte
também.
— Obrigada,
pastor. Se não se importa... Eu poderia deixar a Júlia com a sua
esposa só até eu resolver umas coisas em casa?
— É
claro, filha. A sua pequena estará protegida com a gente.
— Obrigada,
pastor! Eu preciso tirar essa história a limpo, preciso enfrentar
esses malditos demônios.
Escola
Municipal, Classe da 1ª série.
Na
sala de aula onde Gustavo estuda, a professora está ensinando os
alunos da primeira série a pronunciar os números da maneira
correta. Tendo os números escritos na lousa de 1 a 10, ela com uma
régua pede pra que os alunos repitam.
— Vamos
lá, crianças! Um, dois!
— Um,
dois!
— Muito
bem! Agora, três, quatro!
— Três,
quatro!
Gustavo
está olhando para a lousa e sua vista começa a embaralhar, ele ouve
os colegas repetindo aqueles números várias vezes, mas é como se
ele não tivesse ali, seu olhos estão pesados, os alunos continuam a
repetir os números de 1 a 10. Até que do nada ele se levanta da
cadeira e começa a exclamar com uma entonação de voz mais grave e
forte:
— UM,
DOIS! NÃO OLHE PRA TRÁS! TRÊS, QUATRO, CORRER NÃO ADIANTA
MAIS!...
Os
demais alunos e a professora ficam estarrecidos diante da atitude do
garoto.
— CINCO,
SEIS, CHEGOU A SUA VEZ! SETE, OITO, NOVE, DEZ, ELE VAI ARRANCAR SEUS
PÉS! ELE VAI ARRANCAR SEUS PÉS! ELE VAI ARRANCAR SEUS PÉS!
— Gustavo,
Gustavo! Pare com isso!
Gustavo
não parava de repetir a mesma frase, a professora se aproxima dele e
começa a sacudi-lo, o garoto cai no chão tendo uma espécie de
convulsão.
— Alguém
chama a diretora, por favor!
Enquanto
isso, Alex está urinando no banheiro da escola. Ao terminar, ele dá
descarga e quando se aproxima da porta, ouve um gemido de dentro do
banheiro.
O
garoto se aproxima novamente do box, ele vê a água da privada
borbulhando, não dá muito crédito a princípio, mas quando sai de
perto e olha para o outro box, vê uma figura feminina fantasmagórica
com uma espécie de camisola branca. Ela começa a esfregar suas
partes íntimas se exibindo pro garoto.
— Você
não queria conhecer a loira do banheiro, Alex?
— AAAAAAAHHHHHH!!
Alex
sai correndo do banheiro e vai pro pátio da escola. Ele realmente
viu aquilo ou seria fruto da sua imaginação? Isso não sabemos, mas
ele percebe o movimento agitado na sala onde seu irmão estuda e
corre imediatamente pra lá.
Ao
chegar na sala, ele se depara com o seu irmão tendo convulsões no
chão da sala enquanto está rodeado por alunos e alguns professores.
Ele abre caminho no meio deles, empurra a professora sem pensar
direito e corre pra tentar acalmar o irmão, ao encostar a cabeça
dele em seus braços, Gustavo solta uma sussurrada de alívio e para
de se tremer.
— Gustavo,
o que foi?
— Alex!
Alex, eu tô com medo, tô com medo, mano!
Alex
abraça seu irmão assustado e os demais ficam baqueados sem saber o
que de fato aconteceu ali. Aquela fazenda está manipulando eles,
qualquer um deles, e pelo visto eles não precisam estar dentro da
fazenda ou mais preciso dentro da casa, a família inteira está
marcada.
Lago
Sul, Brasília-DF, 15h00.
Luís
está no escritório da construtora onde foi transferido e o
engenheiro-chefe chega até ele.
— Luís,
infelizmente vou precisar que fique até um pouco mais tarde hoje,
temos um projeto com urgência pra entregar.
— Mas
não disse que não teria mais novos projetos pra hoje?
— Eu
também fui pego de surpresa, também queria poder sair mais cedo,
mas... Se você animar, podemos ir pro bar quando terminar.
— Não,
eu passo. Quando terminar, eu quero ir direto pra casa, minha esposa
e meus filhos vão estar me esperando.
— Uhh!
O famoso “homem de família” isso é tão anos 80. Beleza, então,
a gente vai se falando.
Ao
sair, Luís fica um tempo sozinho e de repente ele começa a ouvir
uns sussurros em seu ouvido.
— “Luís...
Luís...”
A
princípio ele ignora, e os sussurros continuam. Dessa vez com
palavras que não se podem compreender e tudo está embaralhado, ele
sente um arrepio na espinha. Luís se levanta da cadeira assustado,
ele olha pra trás e não vê ninguém.
— Meu
Deus, ainda é 3 da tarde e eu já estou cansado desse jeito, acho
que preciso de um café.
Na
casa da fazenda, Sandra chega ali após a conversa que teve com o
pastor Alfredo. Ela suspira olhando para o teto e em seguida decide
ir para a cozinha, ela pega na fruteira um tomate, apanha uma faca e
começa a cortá-lo em cima da pia. Ela vai até o armário pra pegar
um vinagre e quando volta a faca pela qual estava cortando o tomate
não estava mais ali, ela pensou em procurar, talvez poderia ter
deixado em outro lugar, mas após a conversa que teve com o pastor
Alfredo, ela já sabia o que realmente aconteceu.
Então
Sandra fica no meio da cozinha circulando e olhando para o teto e
para as paredes.
— Eu
sei muito bem o que vocês são! Vocês estão tentando nos destruir,
mas não vão conseguir! Já não basta o que fizeram com aquele
pobre casal? Vamos! Apareçam, covardes! Apareça seja lá de qual
legião vocês vieram! Mexeram com a pessoa errada! Vamos, apareçam!
Sandra
mantém silêncio por alguns segundos... Quando vê que não viu ou
ouviu nada, murmura:
— Eu
sempre soube, vocês não passam de uns demônios de merda!
Ao
pronunciar isso, a cadeira da cozinha se movimenta para frente.
Sandra se assusta, mas dessa vez com a convicção do que está
enfrentando.
— Ah
então é um jogo? É o melhor que você pode fazer?
De
repente todas as panelas começam a balançar na pia e as portas dos
armários ficam abrindo e fechando, Sandra fica completamente
aterrorizada, ela corre para o quarto imediatamente e pega a bíblia
que está sob a mesinha e corre novamente à cozinha apontando a
bíblia para as paredes e para o teto.
— Vamos!
Continuem! Vocês estão mexendo com a pessoa errada! Essa família
não é igual a que vocês mataram! Vão mesmo me desafiar? Tentem a
sorte!
Ao
findar a última frase, os armários param de se mexer, ao igual que
as panelas que pararam de bater. Sandra assume um semblante de
coragem e determinação neste momento.
— Quer
saber? Eu já estou de saco cheio disso!
Minutos
depois, Sandra entra no banheiro abruptamente com um balde cheio
d’água, sabão e um esfregão, ela se ajoelha no piso do banheiro
e começa a esfregar a parede no local onde tem as manchas de sangue.
Ela esfrega incansavelmente, com força, com raiva, com muita raiva.
— Sai!
Sai, suas manchas malditas!
Ela
não parava de esfregar um minuto sequer e aquela mancha não queria
sair, Sandra começa a ficar cansada e ainda mais irritada.
— Droga!
Droga!
Ela
larga a esponja no chão, fica bastante decepcionada por alguns
segundos e em seguida, a porta do banheiro fecha abruptamente. Sandra
se levanta assustada e quando olha para o chão, vê o banheiro
começar a se encher de sangue.
— Meu
Deus! Meu Deus!
Ela
olha para a privada e sangue começa a transbordar dali e em seguida
a parede do banheiro começa a ficar encharcada de sangue que caía
do teto, Sandra está desesperada, o banheiro é pequeno e
imediatamente aquele local iria ficar inundado, ela mais uma vez
tenta abrir a porta e não consegue. Entra em desespero, o volume de
sangue aumentava a cada instante, ela coloca as mãos nos olhos e
começa a gritar incansavelmente.
Ela
gritou tanto que quando se deu conta estava novamente sentada no chão
do banheiro com o balde e o esfregão ali do lado, todo aquele sangue
desapareceu, bom, nem todo... O da parede insistiu em continuar ali.
Casa
do Pastor Alfredo, 16h.
Júlia
está comendo umas torradas na sala enquanto assiste TV, a esposa do
pastor Alfredo, Sônia, vai até ela ver se está tudo bem.
— É
uma pena que aqui em casa não tenha nenhuma amiguinha pra você
brincar, Júlia. Tá gostando da torrada?
— Unrrum.
— Tá
bom, se quiser eu pego mais chocolate pra você.
— Sim,
por favor.
— Ah,
você é um amor de menina!
Sonia
deixa Júlia na sala, um programa infantil está sendo transmitido.
Júlia dá uma mordida na torrada e observa o que está sendo
comentado no programa.
Até
que do nada a transmissão corta pra uma mulher vestida de palhaço e
olhando para a tela.
— E
todas as crianças podem se juntar a mim, inclusive você, Júlia!
Júlia
para de mastigar e fica estarrecida ao ver que a mulher vestida de
palhaço está chamando por ela.
— Eu?
— Você
mesma, querida. Vamos! Se aproxime! Vamos fazer um jogo!
Júlia
se levanta e fica encarando a TV.
— Nós
vamos fazer um jogo muito divertido, Juju. Que é... Muahahahaha! Ai
ai ai desculpe, eu não resisto, às vezes sou tão risonha.
Júlia
começa a dar passos para trás.
— Qual
o problema, Júlia? Está com medo? Não quer brincar comigo?
— N-não,
eu não quero brincar.
— Ora,
vamos! Não tenha medo.
Júlia
já com lágrimas nos olhos fala:
— Não,
não, eu não quero!
A
mulher na TV muda o semblante e a entonação de voz.
— Então
você não quer brincar, sua garota estúpida? QUER QUE EU FAÇA COM
VOCÊ COMO EU FIZ COM A TUA BONECA?
— Ahhhhhhh!
Pastora Sônia! Pastora Sônia!
Júlia
corre pra fora da sala, ela procura pelo corredor da casa e vê
vários quadros, todos eles tem a imagem da mulher palhaço.
— Sai!
Mamãe! Mamãe!
— JÚLIA,
JÚLIA, JÚLIA, JÚLIA, JÚLIA.
— Para!
Para!
Júlia
está se debatendo com os olhos fechados, quando abre vê que a
pastora Sônia está ali tentando acudi-la.
— Júlia,
Júlia! Calma, querida! O que aconteceu? Sou eu!
Júlia
percebe que se trata de Sônia, olha para os quadros novamente no
corredor e vê que está tudo normal, a garota abraça a pastora
dizendo:
— Eu
quero minha mãe, me leva pra casa, por favor!
— Calma,
querida, calma. Eu vou pedir pro tio Alfredo te levar, ok?
Já
é por volta de 5 horas da tarde e o pastor Alfredo precisou romper o
seu trauma e foi até a fazenda levar a pequena Júlia de volta para
casa. Ela sai do carro e vai imediatamente abraçar a mãe.
— Oi,
meu amor! Eu ia te buscar. O que houve?
Alfredo
responde:
— Acho
que ela não aguentou ficar muito tempo longe da mãe. E até
entendo, o que uma criança de 5 anos vai querer fazer na casa de
dois rabugentos, não é?
— Agradeço
muito pastor Alfredo, não sabe o quanto agradeço. Quer entrar e
tomar um café?
Alfredo
a princípio consente ao pedido, mas ao pisar os pés na porta da
casa, sente algo de muito errado. Ele recua e inventa uma desculpa.
— Acabei
de lembrar que preciso resolver umas coisas lá em casa, senão com
certeza passaria, mas quem sabe no fim de semana e eu posso trazer a
Sônia também?
— Sim,
por favor! Seria ótimo receber visitas aqui e ainda mais pessoas
como o senhor.
Alfredo
aperta a mão de Sandra.
— Se
cuide, filha. E tenha fé... Muita fé.
Sandra
entende o pedido do pastor, mas ao mesmo tempo fica temerosa, ele
sentiu algo no qual o impediu de entrar naquela casa. Poderia ser a
presença maligna se acercando?
Já
é 6 horas da tarde e os garotos chegam em casa, Sandra percebe que
alguma coisa de errada aconteceu com eles.
— O
que vocês tem?
— Eu...
Eu caí na escola, mãe.
— Gustavo,
mas o que foi dessa vez, filho?
— A
culpa foi minha, mãe. Eu estava brincando com os moleques e sem
querer esbarrei nele e ele caiu.
— Ai
meu Deus! Vocês dois precisam tomar cuidado.
Sandra
percebe que ambos estão com seus semblantes assustados e Gustavo
está com os olhos de quem acabou de chorar.
— Espera
um pouco, não foi só isso o que aconteceu, não é?
Alex
e Gustavo se entreolham um para o outro, Júlia vem atrás e rompe o
silêncio.
— Tinha
uma mulher vestida de palhaço na casa do pastor, ela estava na TV e
disse que ia fazer a mesma coisa que fez com a minha boneca.
Sandra
fica estarrecida, ela já entendeu o que está acontecendo.
— Vocês
dois também viram alguma coisa? Podem falar a verdade, eu não vou
brigar com vocês.
— Eu...
Eu vi a loira do banheiro na escola e o Gustavo disse que o homem do
chapéu preto tá perseguindo ele.
— Muito
bem, está anoitecendo, seu pai ainda não chegou e é até melhor
porque preciso ter uma conversa com vocês três antes que...
O
celular de Sandra toca.
— Espera
um pouco... Oi?
— Meu
amor, devo chegar hoje umas 19h00. Consegui que me liberassem mais
cedo.
— Ai,
graças a Deus, amor!
— Tá
tudo bem?
— Sim,
sim, bom... Nós esperamos você.
— Ok,
manda um beijo pras crianças, vou levar uma surpresa pra elas, até
daqui a pouco!
— Até,
meu amor.
Sandra
desliga o celular e junta os três filhos na sala.
— Escutem
bem o que a mamãe vai dizer... Eu acredito em vocês, tá? Tem
coisas estranhas acontecendo nessa casa e nessa fazenda, eu vi hoje à
tarde algumas coisas e... Precisamos ser fortes porque o papai não
acredita na gente. Alguma coisa tá querendo fazer o papai nos
machucar.
Gustavo
questiona:
— Mas
o papai não iria machucar a gente, iria?
— O
papai não. Mas a coisa que tá fazendo a cabeça dele sim. Então
temos que estar preparados, nós não sabemos como o seu pai vai
chegar hoje, então fiquem atentos. Quando ele chegar, não saiam de
perto de mim de forma alguma, e lembre-se... Se ele tentar me
machucar ou qualquer um de vocês... Saibam que não é o pai de
vocês, alguém está forçando ele. Ok?
Já
passam das 8 da noite, Luís está saindo do prédio e entra no seu
fusca. Ele dá partida, mas o carro se recusa a pegar. Ele gira a
chave mais uma vez e nada.
— Mas...
O que tá acontecendo?
Luís
sai, abre o capô do fusca e aparentemente nada estava fora do lugar.
— Que
estranho! Não é gasolina e não tem nada fora do lugar. Droga! Como
é que eu vou voltar pra casa?
Na
fazenda, Sandra está lavando as louças e ouve seu telefone tocar,
ela seca as mãos e atende.
— Oi!
— Amor,
eu estou aqui na porta da empresa e o carro não tá querendo pegar,
o engenheiro pediu pra eu ficar até mais tarde, estou fazendo de
tudo aqui pra conseguir chegar a tempo de ver as crianças acordadas.
— Mas...
Amor, você não tinha ligado no final da tarde dizendo que chegaria
mais cedo?
— Não,
eu não te liguei, fiquei ocupado o dia inteiro, estou te ligando só
agora.
— Espera,
espera... Não, Luís, era o teu número e era a tua voz, você até
disse que ia trazer uma surpresa pras crianças.
— Sandra,
eu não liguei.
— Então
se não foi você...
Sandra
olha pela janela e vê de longe dois sujeitos se aproximando da casa.
— ...
Amor, vem pra cá! Rápido!
— O
que aconteceu?
— Amor,
tem dois homens aqui perto de casa, rápido!
Sandra
desliga o telefone, Luís sente a urgência da esposa.
— Droga!
Droga!
Ele
entra no fusca novamente e tenta ligar a chave.
— Vamos,
vamos! Pega!
De
fato, dois indivíduos pareciam estar mergulhado em drogas, um deles
com uma garrafa de cerveja na mão e o outro fumando, eles estão se
aproximando da casa.
— Ih,
olha lá! Uma casinha nesse fim de mundo!
— Será
que mora alguém lá?
— Bora
descobrir, parça. Quem sabe a gente não encontra uns “bagulho”
pra vender.
— Demorou,
parça!
Sandra
ainda olhando pela janela percebe que os indivíduos não iam parar,
ela imediatamente desliga a luz da cozinha e em seguida da sala, ela
sussurra para os filhos.
— Meninos,
desliguem tudo! Desliguem a TV e não façam barulho.
Gustavo
questiona:
— Mas
o que foi mamãe, é o papai?
— Não,
não é o seu pai. Eu vou pedir pra você e pra Júlia se esconderem
no quarto. Alex, você me ajuda a reforçar a tranca da porta.
— Tá
bom.
Mas
já era tarde.
— Ô
de casa! Tem alguém aí?
— Shhh,
vão! Se escondam e não façam barulho.
Júlia
e Gustavo vão para o quarto deste último e Alex fica escondido no
quarto da mãe. Sandra se esconde atrás da geladeira na cozinha.
Os
dois indivíduos conseguem entrar, a tensão aumenta, eles não podem
fazer nenhum barulho. Sandra ouve da cozinha um deles exclamando.
— Ora,
ora e não é que essa casa é arrumadinha, “sôr”?
— Se
liga, malandro. E se tiver gente aqui, o que “nóis vai” fazer?
— Ah,
cala a boca, vê se encontra alguma coisa de valor.
No
quarto dos pais, Alex encontra uma lanterna e segura ela com toda
força mesmo não sabendo o que fazer.
No
quarto de Gustavo, ele e Júlia estão escondidos debaixo da cama, um
deles entra no quarto e começa a vasculhar o lugar. Gustavo tapa a
boca de Júlia pra que ela não faça nenhum barulho.
Mas
o pobre Gustavo está tão apavorado quanto ela, o homem se aproxima
da cama onde eles estão, é possível ver os seus sapatos sujos e
cheios de terra. Gustavo e Júlia fecham os olhos, percebe que ele
está prestes a se agachar e encontrá-los.
Então
o seu outro parceiro o chama:
— Aí
“cumpadi”, chega aí!
O
homem recua e vai em direção ao seu companheiro, Alex consegue
espiar pela brecha da porta do quarto dos pais.
O
outro homem chega na cozinha.
— O
que tu manda?
— Parece
que não tem muito tempo que cozinharam aqui.
Sandra
pega o vaso que está em cima da geladeira e o segura com cautela, um
dos homens se aproxima, Sandra aguarda o momento oportuno.
Quando
ele passa pela geladeira, não avista Sandra e ela de imediato quebra
o vaso na cabeça do sujeito.
— Ahh!
Saiam da minha casa!
O
homem urra de dor e acerta um tapa em Sandra, ela reage e dá um soco
no sujeito. Júlia ouve de dentro do quarto e sai debaixo da cama.
Gustavo tenta detê-la.
— Júlia,
volta aqui!
Júlia
corre até a cozinha e vê sua mãe forcejando com o bandido.
— Mamãe!
— Júlia!
Sai daqui!
O
outro homem agarra Júlia pelos braços.
— Olha
só o que temos aqui.
— Ahhh
me solta! Mãe!!
— Solta
minha filha! Alex, Gustavo, fujam!
Alex
e Gustavo reagem, vão até próximo a cozinha, vê a situação,
Alex quer fazer algo, mas está tão amedrontado que não consegue.
— Depressa!
Fujam! Peçam ajuda!
Os
dois garotos não encontram outra solução e fogem pra fora de casa,
eles começam a correr incansavelmente naquele fazendão, conseguirão
pedir ajuda?
Dentro
da casa, o terror continua, Sandra tenta se debater com chutes e
socos no sujeito.
— Desgraçados!
Deixem-nos em paz!
O
outro sujeito quebra a garrafa que está na mesa e aponta para o
pescoço de Júlia.
— MAMI!
— Não!
Não, por favor, tenham misericórdia! Deixem minha filha em paz!
— CALA
A BOCA, SUA VAGABUNDA!
— Nós
vamos te ensinar a respeitar. Bora, “cumpadi”, “vamo”
arrastar elas até a granja e mostrar como se depena uma galinha.
— NÃO!
NÃO, ME SOLTEM! SEUS FILHOS DA PUTA!
— MAMÃE!
MAMÃE!
Os
dois sujeitos levam a força Sandra e Júlia pra fora da casa da
fazenda em direção à granja.
Enquanto
isso, Alex e Gustavo permanecem correndo, eles já não tem ideia pra
que direção estão indo.
— Alex,
espera!
— A
gente tem que pedir ajuda, você ouviu a mamãe!
— Mas
a gente nem sabe se estamos no caminho certo! Tá muito escuro! Você
tá com a lanterna.
— Espera,
espera.
Alex
tenta fazer a lanterna pegar sem nenhum resultado.
— Droga!
Pega! Vai!
Gustavo
ouve um barulho.
— Alex,
tá ouvindo isso?
— O
quê?
— Tá
vindo daquela direção.
Está
bastante escuro pra onde Gustavo está apontando. Então após bater
várias vezes na lanterna, Alex acende pra aquele local e eles
avistam uma manada de bois enormes e assustadores.
— AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!!
— CORRE,
GUSTAVO! CORRE!
Os
dois garotos saem correndo por outra direção, mas aquela noite
ainda reservava surpresas.
Na
estrada, Luís está impaciente tentando chegar o mais rápido o
possível, mas parece que tudo o impedia de chegar.
— Mas
que droga!
Ele
tenta ligar pra Sandra, cai direto na caixa postal.
— Ahhh
caralho! Aguenta firme, amor! Aguenta firme, crianças! Eu estou
chegando!
Cerca
de alguns minutos mais tarde, os dois indivíduos jogam Sandra e
Júlia no chão da granja. Sandra se recosta em um dos galinheiros.
— O
que vocês querem? Por que estão fazendo isso?
— A
gente não ia querer nada, mas pensando bem... Não é todo dia que
uma loira gostosa como você aparece na nossa frente.
— Malditos!
Vocês não tem ideia do que estão fazendo.
— Ah
é? Então me fala aí, puta! Fala! O que a gente não deveria tá
fazendo? Você tá no meio do nada, ninguém vai vim salvar você e
sua filhinha idiota.
— A
propósito “cumpadi” o que a gente faz com essa pirralha?
— Se
encostarem um só dedo na minha filha, eu juro que acabo com vocês!
— Relaxa,
dona. Ela não nos interessa, agora você sim, bebê.
Sandra
cospe na cara do indivíduo.
Ele
ri sarcasticamente e dá um soco em Sandra que cai no chão.
— Mamãe!
— Ei,
vai com calma, garotinha!
Ao
cair, Sandra percebe que no canto ali perto tem um machado, ela
disfarça pra não gerar alarde, mas parece ter tido uma ideia.
— A
gente vai fazer o seguinte, dona! Vamos colocar a sua filhinha pra
assistir enquanto a gente fode contigo. O que acha?
— Vocês...
Vocês são uns monstros!
— Quer
dizer que não vai ceder pra a gente? Ow “Cumpadi”!
O
outro homem pressiona a garrafa quebrada contra o pescoço de Júlia.
— Mamãe!
— Tá
bom! Tá bom! Eu faço, mas por favor não façam nada com minha
filha.
— Boa
garota!
Sandra
fica bem mais próxima do machado, os sujeitos estavam tão cegos que
não conseguiam vê-lo entre o feno próximo do galinheiro onde
Sandra está.
— Aí,
menininha! Sua mãe nunca te contou como você nasceu? Eu vou te
mostrar como.
— Filha,
fecha os olhos, a mamãe vai ficar bem.
— Ma...
Mami.
— Vai
ficar tudo bem, meu amor.
— É,
com certeza vai ficar tudo bem, loira gostosa!
— Aí,
deixa um pouco pra mim, “cumpadi”. Depois de você é a minha vez
de “meter” nela.
— Suave,
“cumpadi”.
O
outro fala no ouvido de Júlia.
— Agora
observe, menininha. Essa noite vai ser divertida.
Na
casa do pastor Alfredo, este já se encontra deitado e sente um
incômodo enorme no peito.
— Ahh,
meu Deus!
— Alfredo!
Alfredo, o que aconteceu?
— Tem
alguma coisa errada acontecendo com aquela família.
— Quem?
— A
família do Luís e da Sandra. Preciso ir lá.
— Mas
a essa hora?
— Eu
já abandonei uma família uma vez, não vou repetir esse erro
novamente.
Na
fazenda, Alex e Gustavo continuam correndo em direção ao
desconhecido, ambos estão cansados, sujos de terra e sem forças pra
continuar. Gustavo pede pra parar por instantes.
— Espera,
espera! A gente... A gente deve tá caminhando em voltas. Devíamos
voltar pra casa e tentar ajudar a mamãe, por que o papai não chegou
a tempo? Alex, você tá me ouvindo?
Ele
olha pra trás e Alex já não está mais ali.
— Alex!
Alex!
Ele
olha para todos os lados e de uma maneira misteriosa, Alex havia
sumido.
— ALEX!
ALEX! Não me deixa sozinho! ALEX!
Na
granja, Sandra continua a tecer dos dois bandidos, um deles está
desabotoando sua blusa e começa a passar a língua nos seios de
Sandra ainda com o sutiã.
Sandra
fica com repulsa e estende um dos braços vagorosamente para alcançar
o machado, Júlia permanece com os olhos fechados como a sua mãe
pediu.
O
homem abaixa o zíper da calça e a desabotoa, quando está subindo o
vestido de Sandra até a cintura, ela olha para o canto do ombro do
outro homem que está com Júlia e grita:
— Luís!
Aqui! Socorro!
Os
dois homens ficam em alerta, o primeiro sai de cima de Sandra e o
segundo deixa Júlia de lado pra tentar ver por quem Sandra chamava.
Quando o homem que tentou violar Sandra está de costas, ela segura o
machado com as duas mãos e o acerta certeiramente nas suas costas.
— Ahhhh!!!
— Morre,
seu desgraçado! Morre!
— Mamãe!
— Júlia,
se esconde!
Quando
o outro homem tenta se aproximar, ela imediatamente retira o machado
do primeiro e acerta na cabeça do outro.
— MORRE,
FILHO DA PUTA! MORRE!
Sandra
começa a desferir vários golpes de machado contra os dois homens! O
sangue jorra em seu rosto durante o ato, o galinheiro fica
barulhento, Sandra parecia estar domada de ódio e continua a
desferir golpes nos homens, até que Júlia grita:
— Mamãe!
Quando
ouve o chamado de Júlia, Sandra dá conta de si e percebe que fez
algo terrível, ela se aproxima da filha tentando consolá-la.
— Filha,
tá tudo bem. Tá tudo bem. A gente vai sair daqui.
Júlia
vê algo atrás.
— Mãe,
olha!
Sandra
olha pra trás e vê uma figura, uma entidade parecida com Jeferson
totalmente nu e com um machado na cabeça.
— Hahahaha,
foi exatamente assim que ela me matou. Aprendeu direitinho, Sandra!
Será que vai conseguir fazer o mesmo com o seu marido quando ele
vier te matar? HEIN? VAI CONSEGUIR??
A
entidade começa a correr em direção a elas, Sandra e Júlia saem
correndo da granja.
As
duas não olham pra trás, Sandra segura a mão de sua filha e com a
outra mão continua com o machado, elas seguem trilhando pela
escuridão daquela fazenda tentando chegar em algum lugar.
Cerca
de 20 minutos se passaram, Sandra e Júlia já estão distantes dali.
Enquanto isso, o pastor Alfredo está em seu carro indo em direção
à casa da fazenda. Ele tem pressa em salvar aquela família, ele
olha no celular rapidamente e quando olha pra estrada de novo vê
alguém ali, ele freia bruscamente. Quando desce do carro, percebe
que é Gustavo.
— Filho,
o que você tá fazendo aqui no meio do nada sozinho?
— Por
favor, me ajuda! Me ajuda!
— O
que aconteceu?
— Dois
homens entraram na minha casa e vão machucar minha mãe e minha
irmã.
— Sangue
de Cristo! Entre no carro, garoto! Vamos!
Gustavo
entra no carro do pastor e ele segue caminho para o local.
Após
um bom tempo ter passado, Luís finalmente chega em casa após um
trajeto conturbado, ele desce imediatamente do fusca e corre pra casa
percebendo que a porta está escancarada.
— Sandra!
Sandra! Meu Deus, o que aconteceu aqui?
Ele
percebe que a casa tá um pouco revirada devido o forcejo que Sandra
teve com os criminosos.
— Alex!
Gustavo! Júlia! Meu Deus, o que aconteceu aqui?
Ele
vai até a cozinha e vê cacos de vidro espalhados pelo chão e pela
mesa.
— Sandra!
Meu Deus, onde você está? ONDE VOCÊ TÁ, CARALHO?
— Queria
mesmo me ver?
— Sandra,
eu...
— ...
Fica longe!
— Mas
Sandra, o que tá...?
— Papai!
— Júlia,
filha!
— Não
se aproxime dele, Júlia!
— Amor,
sou eu! O que tá acontecendo? E... Por que você tá toda suja de
sangue? O que aconteceu com você? Cadê, cadê os meninos?
Sandra
está temerosa ameaçando-o com o machado.
— Ele
disse que o demônio ia usar você pra nos machucar.
— O
quê? Quem disse e que demônio?
— Como
vou saber que não está mentindo? Como vou saber se é mesmo o Luís?
— Amor,
olha pra mim, sou eu!
— Naquela
hora eu recebi uma ligação sua e mais tarde você liga dizendo que
iria chegar mais tarde, então quem foi que ligou antes?
— Sandra,
olha... Você tá assustada e eu entendo perfeitamente bem que esteja
assustada, agora abaixa esse machado, você está assustando a tua
filha e está me assustando.
Sandra
ouve sussurros em seus ouvidos.
— Não
dê bola pra ele, Sandra. Mate-o! Vingue a todas nós, mata ele!
— Por
favor, Sandra. Não faça isso.
— Mamãe,
é o papai! Ele não vai machucar a gente. Por favor!
— Sandra,
eu te imploro, abaixa esse machado!
Sandra
após muito relutar decide abaixar o machado, ela ainda em choque
diz:
— Eu
não entendo, achei que a entidade tivesse te possuído, por isso que
você estava estranho, chegando tarde, com mudanças de humor. Então
será que eu fui esse tempo todo enganada?
Ouve-se
uma voz vindo da porta dos fundos.
— Não,
você não está enganada.
— Alex?
— Filho?
— Olá,
mamãe! Olá, papai! Ou devo dizer... Olá, intrusos!
Sandra
pergunta:
— O
que aconteceu com você? Cadê o seu irmão?
— Deve
estar perambulando por aí com medo e sozinho, se mijando nas calças
como ele sempre faz, sinceramente como vocês aguentam esse porre?
— Alex,
por que tá agindo dessa forma?
A
voz dele engrossa.
— EU
NÃO SOU O ALEX! Ainda não conseguiu perceber? Eu passei anos
procurando uma oportunidade de me alimentar dos medos de uma família
novamente e tudo estava indo bem, mas esse inútil (apontando para
Luís) estragou tudo! Era pra ter se repetido! Eu iria entrar na
cabeça do patriarca da família pra destruir cada um de vocês um
por um, nem mesmo os meus mais leais companheiros conseguiram fazer
algo, eu me pergunto: Que porra de família são vocês? A mulher do
banheiro, a bruxa, o Homem Torto, Azazel, o demônio dos brinquedos,
eles nunca falham! Mas a passagem para eu entrar ainda estava
fechada! Então... Não tive escolha, me aproveitei da fragilidade do
Alex! Do medo, da revolta, eu fui alimentando isso na cabeça dele
que vocês não o amavam, que vocês papais só davam atenção ao
Gustavinho e à Julinha. Tentei fazer por diversas vezes que o Alex
machucasse o Gustavo, mas o filho de uma puta realmente amava o
irmão! Como se sente agora, Sandra? Como se sente ao saber que seu
primogênito era o típico filho ideal que todo mundo desejava e que
vocês dois desvirtuaram ele? Depois que o Gustavo e a Júlia
nasceram, vocês foram deixando o pobre Alex de lado, e isso foi
crescendo uma amargura e um ódio profundo nele. Hahahaha, é tão
irônico isso!
— Alex,
se você ainda tá aí dentro, não deixe esse demônio te dominar.
— Cala
a boca, sua vaca! O Alex não vai te escutar. Todos vocês estragaram
os meus planos, mas com o Alex eu posso reconstruir o meu império...
O quê? Vocês não sabiam que o Alex tem mais ligação com essa
fazenda do que vocês mesmo imaginam? Ele nasceu exatamente no mesmo
dia que aconteceu aquela “linda” fatalidade aqui. No mesmo dia
que a jovem Bianca esquartejou o seu marido, isso foi quando? Há 10
anos? Quantos anos vocês acham que o Alex tem?
— Sandra,
pegue a Júlia e vão pro carro, esse assunto é comigo.
— Ahhh,
o papai está preocupado com a familiazinha? Sabia que a sua esposa
tava fudendo com outro cara ainda agora?
— Quê?
— Não
dá ouvidos a ele, Luís. Esse não é o Alex!
— É
verdade, eu podia ouvir o gemido dela, Luís. Nem você fazia ela
gemer dessa forma.
— Cala
essa boca, seu maldito! Sai do corpo do meu filho!
— O
que foi? Tem medo da verdade? Ou tem medo de eu entrar na vagina da
tua mulher?
— Seu...
— ...
Luís, não! Lute contra o demônio! O Alex está sendo escravo!
Eles
ouvem o grito de Gustavo do lado de fora.
— Mamãe!
— Sandra!
— Ai,
meu Deus! Gustavo!
Sandra
e Júlia vão em direção à porta, o demônio resmunga.
— Pastorzinho
de merda!
Após
Sandra e Júlia saírem de casa, a porta é fechada abruptamente
deixando Luís preso lá dentro.
— Não,
não! Luís! Luís!
— Sandra!
Sandra!
O
pastor Alfredo se aproxima.
— Filha,
o que aconteceu?
— A
gente precisa ajudar o Luís. O senhor tinha razão, o demônio
queria entrar nele, mas não conseguiu e entrou no Alex.
— O
seu filho? Ai meu Deus!
Dentro
de casa, o demônio encara Luís.
— Agora
somos só você e eu, papai.
— Alex,
filho. Eu sei que você tá aí dentro, não deixe esse demônio te
vencer, filho.
— Hahahahahaha!
É piada, né? “Ain, não deixe ele te vencer”. Eu sou muito mais
poderoso do que você imagina, papai! Eu não sou qualquer demônio,
eu sou o próprio DEMÔNIO, o ceifador, o belial, a serpente e vários
nomes que vocês crentes idiotas podem me chamar.
— Escuta
bem...
Luís
pega um isqueiro no bolso, o acende e o coloca próximo à cortina da
janela.
— Hahahaha,
o que vai fazer? Tacar fogo na casa? Esqueceu que eu vim do inferno?
— Não,
mas se essa casa queimar, você não terá mais nenhum templo pra
sustentar sua corja de demônios, sendo assim você vai enfraquecer e
vai vagar por essa fazenda e nenhuma família vai poder pisar os pés
aqui novamente. Você vai morrer de fome e não terá ninguém pra
atormentar nas próximas décadas.
O
demônio fica hesitante, até que decide tentar impedir.
— Eu
não vou permitir!
— Tarde
demais!
Luís
acende o isqueiro na cortina e deixa o fogo começar a se espalhar.
— Não!
— E
sabe o que é melhor? Eu vou ligar o gás e todos nós morreremos
aqui.
— Volta
aqui, seu filho da puta!
O
demônio agarra os pés de Luís, ele reluta até chegar na cozinha.
Ele consegue ligar as bocas do fogão. O demônio abocanha o braço
de Luís, ele lança-o no chão. Em seguida, ele corre como um animal
para o outro cômodo da casa e pega o facão.
— Vem,
papai! Vem, desgraçado!
— Deixa
meu filho em paz!
— Tente
me impedir!
O
demônio no corpo de Alex começa a ameaça-lo com o facão, Luís
tenta se desvencilhar dele.
Luís
consegue agarrar o seu braço fazendo com que ele solte o facão, o
demônio morde as mãos de Luís fazendo com que ele se ajoelhe de
dor e em seguida ele pressiona os dedos contra os olhos de Luís.
— HAHAHAHAHA!
VOCÊ NÃO PODE ME VENCER!
— AHHH!
ME LARGA, DESGRAÇADO!
Luís
o empurra para longe. Na sala, o fogo começa a tomar conta das
janelas e o cheiro de gás fica cada vez mais forte.
— Eu
vou te matar, papai! Vai morrer pelas mãos de seu próprio filho!
.De
repente ouve-se uma voz em alto e bom som e com autoridade exclamando
do lado de fora, é o pastor Alfredo.
— SATANÁS!
O TEU REINADO ACABOU!
O
corpo de Alex começa a tremer.
— Droga!
Faz esse maldito pastor calar a boca!
— VOCÊ
JÁ PERDEU, DEMÔNIO! DEIXE ESSA FAMÍLIA E O CORPO DESSE GAROTO EM
PAZ! ESSE GAROTO É UM SERVO DO ALTÍSSIMO!
Sandra
e Gustavo percebem que o fogo está tomando conta da casa, este
último decide correr até lá.
— ALEX!
PAPAI!
Quando
Gustavo tenta se aproximar da casa, ele é arremessado para o outro
lado.
— GUSTAVO,
FILHO!
Ao
tentar acudir o filho, Sandra é arrastada por uma força
sobrenatural.
— AAAHHHH!
SOCORRO!
Júlia
grita desesperada:
— Mamãe!
O
pastor Alfredo fica apavorado, Luís percebe que isso está
incomodando os demônios.
— Continue,
pastor! NÃO PARE! CONTINUE A EXPULSÁ-LOS!
— Ah!
Ahrg! Está bem! OUÇAM BEM, POTESTADES! NÃO HÁ MAIS ESPAÇO PRA
VOCÊS NESTE LAR E NESTA FAZENDA! ESTE LUGAR A PARTIR DE AGORA ESTARÁ
TOMADO PELO SANGUE DE CRISTO!
Dentro
da casa, Alex se ajoelha e começa a sentir muita dor de cabeça.
— Ahh!
Aiii!
— CONTINUA,
PASTOR! CONTINUA!
— ...
ELE TE LIVRARÁ DO LAÇO DO PASSARINHEIRO, E DA PESTE PERNICIOSA, ELE
TE COBRIRÁ COM AS SUAS PENAS E DEBAIXO DE SUAS ASAS ESTARÁS
SEGURO...
Enquanto
ele declama, Júlia aos poucos começa a flutuar na frente do pastor.
— Ahhhhh!
Socorro! Mamãe!
— JÚLIA!
JÚLIA! PÔE MINHA FILHA NO CHÃO!
Gustavo
se levanta e ouve alguém o chamando, ele olha pra trás e vê o
homem de chapéu preto.
— Hehehe,
olá, Gustavo!
— FICA
LONGE DE MIM!
A
entidade se dispersa como fumaça e Gustavo corre em direção à mãe
e ao pastor Alfredo. Este continua a declamar o Salmos 91 enquanto
Sandra tenta descer a filha que está sendo sustentada por uma força
sobrenatural.
— FARTÁ-LO-EI
COM LONGURA DE DIAS, E LHE MOSTRAREI A MINHA SALVAÇÃO. EM NOME DO
SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO... EU O EXPULSO!!!
Neste
momento, a força que sustentava Júlia se dissipa e ela cai nos
braços da mãe.
— Ahh!
— Júlia,
Júlia, minha filha, você tá bem?
Lá
dentro Alex abre os olhos desnorteado.
— Pai?
— Eu
sinto muito, filho! Eu não queria que as coisas fossem assim.
Ele
abraça Alex, a casa já está quase sendo dominada pelo fogo, as
brasas estão se aproximando do fogão.
— Escuta
bem o que eu vou te dizer! Não importa o que aconteça, eu te amo,
filho! Eu tenho orgulho de você ser meu primogênito!
— Eu
te amo, pai!
Eles
se abraçam chorando. Do lado de fora, Sandra tenta gritar por eles.
— LUÍS,
ALEX!
Abraçado
a Alex, Luís começa a se lembrar de toda a infância do filho até
aqui. Ele o segurando pela primeira vez na maternidade quando nasceu;
depois eles comemorando o aniversário de 1 ano; depois Luís
ensinando ele a andar de bicicleta; Alex jogando bola com o pai
marcando um gol e em seguida correndo para abraçá-lo. Cada
lembrança, cada fragmento... Tudo o que eles viveram até ali, foi
como se os últimos 10 minutos tivessem sido apagados, talvez daria
tempo de alguém lá fora impedir o inevitável, mas já era tarde.
As brasas chegam na cozinha e em questão de segundos a casa explode.
Um
verdadeiro turbilhão de chamas subiu aos ceús, Sandra se ajoelha
desesperada. Gustavo e Júlia choram sem parar, o pastor Alfredo
tenta consolá-los em meio à tremenda tragédia, porém mais nada é
possível de se fazer.
Sandra
chora, se esperneia, se desespera por não conseguir salvar o marido
e o filho, uma dor que vai carregar por toda a vida, uma dor que vai
marcar essa família. O mal aqui nesta casa foi vencido, mas como
será daqui pra frente? Quantas outras famílias não devem estar
passando pelo mesmo problema? Enquanto estivermos aqui, estaremos
sujeitos aos mais terríveis ataques malignos.
Diga-me,
como está a tua casa? Como está a tua família? Vocês realmente
estão bem? Tem certeza que não tem nada de errado? A família de
Sandra foi apenas um exemplo, mas poderia muito bem ser a sua, então
tomem cuidado! Fiquem atentos aos sinais e acima de tudo... Não
percam a fé... Não percam a fé.
Junho
de 2021
Dois
jovens se aproximam da fazenda, eles descem do carro e vê a casa sem
o teto, dava pra perceber que houve um incêndio ali.
A
moça fica por alguns minutos olhando para a casa, é loira de olhos
verdes, o rapaz se aproxima dela, um jovem bonito de cabelo cacheado.
— E
aí, acha que a gente consegue, Júlia?
Sim!
A moça é a pequena Júlia, agora com 25 anos de idade e ficou tão
bela quanto a mãe. E o rapaz é Gustavo, hoje com 27 anos de idade.
Sandra
faleceu em 2020, a causa da morte ainda é desconhecida. Os filhos
não queriam fazer nada pra não contrariar a mãe. Mas após o seu
falecimento, eles decidiram retornar à Águas Lindas de Goiás para
o “acerto de contas”.
— Bom,
de acordo com os relatos dos vizinhos, algumas pessoas ainda veem
aqui pra fazer coisas erradas. Mal sabem o que aconteceu aqui quando
éramos crianças.
— Sim,
Gustavo! Mas isso vai acabar a partir de hoje, só existe uma maneira
de destruir qualquer possibilidade desses demônios voltarem a se
alimentar de qualquer alma que possa vir nesta fazenda.
— Ah,
é? E qual é?
Júlia
olha bastante confiante para a casa e diz:
— NÓS
VAMOS DEMOLIR ESSA PORRA!
“Os
nomes dos personagens neste conto são fictícios, os relatos reais
são de moradores que presenciaram os eventos nos anos 90, seus nomes
foram alterados para preservar sua identidade.”
“A
casa da fazenda foi incendiada nos anos 2000 após os últimos
moradores alegarem estarem sendo assombrados por uma força maligna”.
“O
crime brutal da casa até hoje divide opiniões entre os moradores, a
polícia abafou o caso e nunca descobrimos o que de fato aconteceu
com Bianca após matar e esquartejar o seu marido”.
“Nos
dias atuais, a casa da fazenda está totalmente destruída e nunca
mais tivemos notícias de eventos sobrenaturais, pelo menos... Não
por enquanto”.
Fim