WEBTVPLAY APRESENTA
O ASSASSINATO DO PAPAI NOEL



Conto de
Eduardo Canesin




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A cena era grotesca: o corpo de um homem obeso e idoso, vestido de Papai Noel, fora encontrado. Estava enrolado em luzes natalinas e teve suas costas perfuradas por uma lâmina enfeitada com bolinhas coloridas. Não bastasse essa bizarria, o cadáver fora encontrado no presépio de um shopping center.

Era dia 24 de dezembro, véspera de Natal. Ainda eram cinco horas da manhã, mas o estabelecimento abriria em pouco tempo. Como explicar algo como isso? A polícia, as investigações e todo o inquérito afastariam clientes e prejudicariam a imagem do shopping. Logo esse shopping, que já estava com a imagem arranhada, após a confusão de alguns meses antes – quando um segurança deu coronhadas numa grávida que tentou furar fila numa loja de perfumes…

Diante de um cenário desses, a administração do estabelecimento cedeu a uma ideia ousada: contratar um detetive particular, que resolvesse as coisas rapidamente – de preferência antes de o shopping abrir. Seria mais fácil entregar o corpo e o assassino à polícia, pois pouparia tempo e permitiria, na medida do possível, que as coisas voltassem ao normal, sem policiais andando pelo edifício e fazendo investigações intermináveis.

Foi assim que Douglas dos Santos foi chamado ao local. Ele, desde jovem, sonhava em ser detetive. Obviamente, não teve sucesso, afinal, ninguém contrata detetives no mundo real. Por conta disso, acabou trabalhando como estoquista em um supermercado – e, nas horas vagas, em uma rede de fast food. Detestava trabalho intermitente, que pagava tão pouco, mas, ao menos, garantia o dinheiro necessário para divulgar seus serviços de investigador nas páginas amarelas, na esperança de um dia ser contratado. Não foi assim, contudo, que Douglas recebeu o caso.

Acontece que ele jogava pôquer com um dos seguranças do shopping. Diante de evento tão inusitado, tal segurança pensou em sugerir os serviços do amigo para os administradores – e acabou que deu certo. Nisso aprendemos que, às vezes, é melhor perder dinheiro no pôquer do que em classificados nas páginas amarelas: a primeira opção dá mais resultados que a segunda.

Douglas foi contatado, de madrugada, e aceitou a missão. Mal conseguia acreditar que finalmente conseguiria trabalhar como detetive, após sete anos sem ter um caso sequer. Sem nunca ter tido um caso sequer, melhor dizendo. A morte do Papai Noel foi a melhor coisa que lhe aconteceu, sem dúvida um milagre natalino!

Vestiu-se rapidamente e se preparou para sair de casa. Logo, porém, percebeu que um detetive de verdade sempre tem um parceiro imbecil que faz perguntas idiotas e que ajuda a esclarecer o mistério para os leitores. Ele também precisava disso (não que estivesse num conto, é claro).

Bateu na casa de seu vizinho e chamou Lineu, seu colega. Lineu era funcionário público e isso, na opinião de Douglas, o fazia um sério candidato a alguém que pergunta obviedades e não percebe coisas simples. Em pouco tempo, o vizinho saiu, radiante com o espírito natalino.

O que você quer às cinco e meia da manhã, seu desgraçado?

Fui contratado como detetive e preciso da sua ajuda, atuando como meu parceiro de investigações.

Estou cagando para você.

Te dou cinquenta paus…

Já estou saindo, espere aí fora.

Pouco depois, a dupla chegou ao destino, pronta para decifrar o misterioso caso que se lhes apresentava. Foram conduzidos pelo shopping e chegaram ao local do crime, no qual o corpo ainda jazia da forma como fora encontrado.

O que estamos fazendo aqui não é ilegal? - Quis saber Lineu, percebendo que talvez tivesse cometido uma estupidez ao sair de casa com o colega.

Talvez. Mas mais ilegal, até onde eu sei, é matar as pessoas. E nós vamos encontrar o culpado, não é mesmo?

Tá, tanto faz. Vamos acabar logo com isso.

Douglas virou o cadáver e ficou pensativo. A testa da vítima estava ferida, com marcas de sangue coagulado. Ele olhou ao redor e sorriu. Levantou-se e chamou seu parceiro.

Vamos andar pelo prédio. Acho que já vimos tudo o que podíamos ver por aqui.

Ele chamou o segurança que os acompanhava e perguntou pelas câmeras que filmavam o interior da loja. O segurança afirmou que já foram vasculhadas e que não mostravam nada: todas tinham sido convenientemente apagadas pelo assassino.

Douglas já esperava por isso, evidentemente, então apenas aquiesceu. Ele não sabia, contudo, que a verdade era bem outra: já fazia alguns meses que o shopping não comprava fitas de vídeo para gravar as filmagens.

As câmeras ficavam no alto para dar paz de espírito aos consumidores, mas a verdade é que nada do que acontecia no lugar era gravado. Até aquele momento, aliás, não fora necessário gravar coisa alguma. Agora, no entanto, tinham de inventar a desculpa de que apagaram-nas… Esperavam que acreditassem nessa história – não que isso se relacione com o caso em questão.

Douglas e Lineu começaram a andar pelo shopping. A primeira coisa que fizeram foi parar no banheiro, pois o intestino de Lineu funcionava melhor naquele horário. Terminado o processo, continuaram com as buscas. Douglas subiu alguns andares e começou a percorrer o corredor da loja de brinquedos. Após alguns instantes, chamou o companheiro:

Ei, Lineu, veja isso: está vendo essa mancha minúscula no chão?

Estou, o que é isso?

Sangue.

Sangue? Como assim?

Pois é. Lembra quando eu virei o cadáver do Papai Noel e ele estava com uma pequena ferida na testa? Pois bem, eu vi que houve sangramento, mas não entendi o motivo… Ele foi perfurado por uma lâmina que varou suas costas, então por qual razão bateriam na sua cabeça depois disso?

Ele deveria ser muito odiado e provavelmente devia dinheiro a algum traficante…

Nada disso, os traficantes daqui o queimariam no porta-malas de um carro, se fosse o caso. O que aconteceu foi o seguinte: ele não morreu trespassado.

Não?

Não. Ele morreu com uma pancada na cabeça, apenas isso. Após morrer, seu corpo foi amarrado nas luzes natalinas e perfurado com a lâmina, como uma forma de desviar a atenção. Eu já suspeitava disso, pois não haveria motivos para uma pessoa ser amarrada em luzes natalinas e não se soltar ou, ao menos, não se debater. Ele estava amarrado de um jeito simples demais, indicava que aquilo fora feito quando já estava morto e não podia esboçar resistência.

Ou que curtia um fetiche sadomasoquista natalino.

Certamente essa foi minha primeira hipótese, mas a descartei quando percebi o quão velho e gordo ele era. Não se tratava de um pervertido, mas de um idoso que foi assassinado.

Tá, mas como isso?

Vejamos o que temos até o momento: ele foi assassinado com uma pancada e o resto foi um ardil. Eu olhei o chão do presépio e não achei nem sinal de sangue, sabe o que isso significava?

Sei, mas imagino que você queira dizer em voz alta, então fale…

Significava que ele foi assassinado em outra parte e que o corpo foi arrastado. A questão agora é saber o porquê, já que o culpado é óbvio.

É óbvio? Como assim? Agora eu me perdi. Me explique isso direito.

Espere um instante e pare para refletir. Vamos tentar entender o motivo do crime. Dificilmente alguém conseguiria entrar num shopping fechado, de noite, e trazer um cadáver. Assim sendo, o assassinato ocorreu no próprio shopping. A questão era saber onde. Felizmente para a narrativa… digo, para o caso… eu passo muito tempo nas redes sociais, fazendo as coisas mais inúteis possíveis. Em um grupo no qual participo, há uma teoria da conspiração que fala que diversas lojas de brinquedo têm sido roubadas nos últimos tempos. Na verdade, todos os anos, nesse mesmo período.

Todos os anos? Como ninguém falou nada na televisão?

Pois é. Os lojistas colocam como perdas que ocorrem durante o dia, com pessoas que cometem pequenos furtos. A verdade, no entanto, é que os objetos são roubados durante a madrugada, sempre no mês de dezembro (e os crimes acabam no dia do Natal). Poucos brinquedos são roubados em cada loja, não há um prejuízo muito grande, mas o curioso é que os roubos acontecem no mundo inteiro.

No mundo inteiro? Isso soa mesmo como uma teoria da conspiração, não faz sentido algum.

Talvez não, mas eu tinha uma pista e decidi segui-la. Era melhor do que nada e, pelo menos, pareceria que estávamos fazendo alguma coisa (algo que é importante, já que estou ganhando por hora).

Hmm…

E aí andamos aqui, por este corredor, que eu olhei minuciosamente. E, então, encontrei essas gotículas de sangue… Percebi duas coisas: que as lendas eram um pouco mais do que lendas e que a vítima era uma espécie de gatuno. Ele foi morto aqui, enquanto invadia a loja, e, depois, levado até o local em que o encontramos.

Agora eu vejo, faz sentido, mas e sobre o culpado, que você falou que era óbvio?

Meu caro Lineu, sua presença aqui é uma benção natalina! Não fosse isso, nossa história teria de ser narrada em primeira pessoa, ou ninguém saberia o que eu estava pensando. Seria cansativa e muito pouco fluída…

Do que diabos você está falando?

Nada. Vamos responder sua pergunta: quem você acha que é mais provável que tenha matado alguém num shopping vazio, onde só há seguranças e a vítima?

Quem?

Um segurança, Lineu. Essa é a resposta. Um segurança viu o crime que estava em vias de acontecer e agiu. Deu a coronhada no gatuno e o matou. Imagino que não queria matá-lo, só foi truculento. Como se tratava de um idoso, não resistiu ao ferimento e morreu. Desesperado, ele carregou o corpo e criou todo o subterfúgio que nós vimos.

Minha nossa, faz todo sentido! Mas qual segurança fez isso?

Nós já vamos descobrir, se é que foi um só. Basta pedirmos para ver a escala de rondas e rotas. Veremos quem andou por esse andar nas últimas horas e, então, saberemos quem é o culpado. Se o presépio ficava em sua rota, provavelmente agiu sozinho. Caso contrário, aposto que teve ajuda de alguém, já que teria sido visto pelo segurança da outra rota, ao arrastar o corpo.

O detetive e seu parceiro foram à administração do shopping e pediram pela escala de rondas. Ao obtê-la, viram quem era o culpado e chegaram à conclusão de que ele provavelmente recebera ajuda de outra pessoa.

Douglas pediu a presença de toda a equipe, bem como dos administradores, e começou a contar sobre o passo a passo de sua investigação. Ao terminar, apontou para Giovan, o segurança que cometera o crime – e que era o colega que o tinha indicado para o trabalho.

Já sabemos que foi você, não há nada que possa ser feito. Eu sou um grande detetive, juntei todas as pontas soltas. Você quer acrescentar algo em minha história?

Você está certo – disse o segurança, cabisbaixo.

Mas é claro que estou.

De fato eu não queria matar o Papai Noel, foi só um acidente infeliz. Ao ver o corpo, entrei em pânico e tentei me livrar dele. Meus colegas me ajudaram a colocá-lo no presépio e a fazer toda aquela camuflagem. Pensávamos que isso desviaria as suspeitas (já que nós o encontraríamos) e que a estranheza do acontecimento nos tiraria dos holofotes.

Imagino que sim, mas vocês cometeram dois erros. Um foi o de não olharem o local do crime, para ver se havia vestígios de sangue. Graças a esse vestígio, cheguei a vocês mais rápido. Devem ter limpado o objeto que usaram para dar a pancada, mas deixaram essa ponta solta… O segundo erro, que não consigo entender, é porque vocês me chamaram. Por que você me chamou, Giovan, se você era o culpado?

Pô, você jogando pôquer é burrão, achei que nunca ia descobri nada e que seria mais fácil de lidar do que com um monte de policial fazendo pergunta, até porque eu tenho passagem…

Douglas fingiu não se importar com o menosprezo que sofreu, satisfeito por ter resolvido o caso. Ofereceu-se para chamar a polícia, mas a administração disse que não seria necessário, que eles mesmos fariam isso. Nenhum segurança tentaria fugir e, no mais, eles explicariam o ocorrido aos policiais, mostrando que foi um acidente e fornecendo apoio jurídico aos funcionários.

Assim, após prometer que lhe enviaria o pagamento no começo de janeiro, o administrador despediu-se da dupla, que começou a sair do edifício.

Será que todos eles serão presos? - Quis saber Lineu.

Olha, para ser sincero, imagino que, agora que sabem quem é o culpado e que não há um serial killer por aí, vão esconder o corpo, para não estragar as compras de Natal, já que a polícia arruinaria os negócios… Ou eles “descobrirão” o corpo no dia 26, em algum refrigerador (para não entrar em decomposição), ou, o que é mais provável, a administradora dará um jeito de colocar o cadáver no porta-malas de um carro e de o queimar, para parecer um acerto de contas com o tráfico. E o carro estará bem longe do shopping… talvez no estacionamento da concorrência.

Você acha que isso é possível?

Você não tem em ideia do que as lojas fazem nesse período. No mercado em que trabalho, por exemplo, você ficaria surpreso com o que há no estoque.

Mas e os familiares da vítima, não vão reclamar o corpo? Será que não sabiam onde ele estava? Aliás, qual era o nome dele?

Eu olhei em seus bolsos e não tinha carteira, identificação, nem nada do tipo. Os seguranças eram bonachões demais, não acho que tenham pegado. Acho que ele não se identificava por um motivo e imagino que ninguém vá notificar a polícia por seu corpo.

Mas quem será que ele era?

Você tem filhos, não tem, Lineu? Imagino que talvez você tenha a resposta a essa pergunta amanhã de manhã, quando olhar embaixo da árvore-de-natal. Tenha ótimas festas, meu caro. Passar bem!

Ei, e meus cinquenta paus?

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